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FILME - O homem que virou suco: Suco no capitalismo

Ana Carolina Toussaint

FILME - O homem que virou suco: Suco no capitalismo

Ana Carolina Toussaint

O homem que virou suco é um filme dirigido pelo cineasta brasileiro João Batista de Andrade que foi lançado em 1981 em um período histórico marcado por lutas operárias e o processo de redemocratização brasileira após o período da ditadura. A sua maneira cômica, ácida e crítica o filme nos apresenta uma abordagem representativa e estimulante sobre o processo de migração dos nordestinos para a região sudeste. Mais do que dar spoilers do filme, o presente texto tem a intenção de acender a curiosidade dos nossos leitores a assistirem o filme O homem que virou suco e a partir disso, tirarem suas próprias conclusões e interpretações de um dos filmes que pela qualidade do enredo e da obra é considerado um dos grandes clássicos da produção cinematográfica brasileira.

"Já vai é seu Deraldo, você já conseguiu emprego seu Deraldo?
Olha, se eu soubesse quem inventou emprego eu mandava era fuzilar…."

Seu Deraldo perfeitamente interpretado pelo ator José Dumont é o tipo de nordestino que ninguém espera e que por um lado é considerado um estranho, esquesito e louco justamente pela particularidade do seu modo de ser e enxergar a vida. Defensor da arte e protagonista autoral de poesias é nisso que seu Deraldo se ver e se encontra, mas em São Paulo como diz Mano Bronw a “terra de arranha céu” a burguesia paulista e nacional lança o conjunto dos trabalhadores nordestinos não ao protagonismo da arte e da criatividade, mas sim como sub trabalhadores rebaixados e jogados na margem da miséria e exploração do trabalho.

Na cena que Deraldo é proibido pela prefeitura de vender seus cordéis na Avenida Paulista em São Paulo o responsável pela tentativa de repressão e autoridade ao se dirigir a Deraldo é abertamente um preconceituoso e xenófobo, porém, nessa cena é interessante analisar a postura e a reação de Deraldo depois que é dito que isso aqui é São Paulo, rapidamente Deraldo se posiciona sem medo e convicto do que vai dizer e diz alto “grande bosta!” Não sei se todos, mas posso dizer que a maioria dos nordestinos que sofrem pela ausência proposital da falta de empregos em suas regiões também são descarregados sobre si a imposição ideológica e política da classe dominante da diminuição do valor e importância da sua própria região e local de origem e criam no imaginário do trabalhador nordestino uma ilusão embelezada dos grandes centros urbanos do sudeste como a porta de entrada para uma condição de vida melhor e até mesmo mais humana. Dessa maneira a classe dominante se aproveita da sua própria miséria para engrandecer as cidades do sudeste em detrimento das cidades do nordeste. Então podemos considerar um ato de coragem e subversão de Deraldo ao dizer que São Paulo é uma grande bosta, mas do que para si essa frase em si diz muito de uma ideologia que merece ser escancarada e abolida.

Como se já não bastasse ser considerado como vagabundo, louco e preguiçoso, Deraldo foi acusado de um crime de assassinato, que por um lado esse crime carrega uma dura crítica as grandes empresas multinacionais e as inúmeras tentativas de suborno dos patrões como forma de impedir a organização e mobilização operária. O protagonista do filme depois do ocorrido da morte do patrão é considerado procurado e acusado como autor do crime e o que mais irrita o personagem principal é a insistência exagerada de considerá-lo uma pessoa de um determinado fato ocorrido que até o final não era ele e não condizia com sua própria conduta de vida. É muito comum que os nordestinos que vivem no sudeste serem generalizado a uma mesma coisa, como por exemplo, todo nordestino é chamado de paraíba, nenhum problema com o Estado da Paraíba que inclusive foi palco de revoltas importantes, o problema é quando o “paraíba” é usado de uma forma pejorativa e quase universal a todos os nordestinos que saíram do nordeste, um exemplo disso é, quem nasce na Bahia é? Baiano, porém, no sudeste muitos são chamados de paraíbas, certamente os nordestinos de outras cidades da região do nordeste como Rio Grande do Norte, Recife, Maranhão e outras cidades já passaram por essa situação em algum momento em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Essa má interpretação de considerar os nordestinos quase tudo a mesma coisa é uma via que a classe dominante busca para relativizar as particularidades e individualidades dos indivíduos da região do nordeste. Com a sua maneira de ser a classe dominante torna pequena e quase despercebida sua perversidade de negar aos nordestinos serem o que eles realmente são e podem ser.

Contrariado e impedido de vender seus cordéis e sendo perseguido pela polícia, Deraldo assim como os milhões e milhões de nordestinos busca se encaixar em praticamente qualquer tipo de oportunidade de emprego e nessas inúmeras tentativas de trabalho fica evidente que através da condição de trabalhador a burguesia encontrou um meio de subjugar uma parcela da classe trabalhadora brasileira como sub trabalhadores que em nome da Lei econômica do capitalismo são obrigados a venderem suas próprias vidas em nome do lucro e da propriedade privada. O processo de migração dos nordestinos para o sudeste tem semelhanças históricas com base na economia capitalista análoga ao processo de expropriação dos camponeses na Inglaterra no século XV. Marx no livro O capital I no capítulo o segredo da acumulação primitiva diz: “ Na história da acumulação primitiva, o que faz época são todos os revolucionamentos que servem de alavanca à classe capitalista em formação, mas acima de tudo, os momentos em que grandes massas humanas são despojadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como proletários absolutamente livres. A expropriação da terra que antes pertencia ao produtor rural, ao camponês, constitui a base de todo o processo. Sua história assume tonalidades distintas nos diversos países e percorre as várias fases em sucessão diversa e em diferentes épocas históricas…” O marxismo mais uma vez prova com concretude que o processo de migração do nordeste serviu/serve como base fundamental para o fortalecimento da classe dominante e isso ocorreu fortemente principalmente no século XX e além disso, esse processo ocorreu de mãos dadas com retirada forçada e violenta dos nordestinos de sua terra de origem e lançados forçadamente em condições de trabalhos que na troca da mão de obra esses trabalhadores são reduzidos e obrigados a venderem suas próprias vidas.

Por fim Deraldo foi um sujeito que sempre teve razão e nunca permitiu a subjugação da identidade do nordestino e não considerava que o mínimo fosse muito, ao contrário, frente a tudo o que o nordestino fazia no final das contas eles não recebiam praticamente nada. Dentro dessas considerações pode-se afirmar que parte da política assistencialista do PT nas cidades do nordeste é basicamente o mínimo do mínimo que o PT poderia fazer nos seus 13 anos de governo que nesse período fez questão de andar de mãos dadas com essa mesma burguesia que expulsou/expropriou os nordestinos de suas próprias terras e constantemente busca negar nossa direito a nossa própria identidade. Espero que o texto desperte curiosidade nos leitores e busquem assistir o filme O homem que virou suco, suco no capitalismo.

“E desse pecado original datam a pobreza da grande massa, que ainda hoje, apesar de todo seu trabalho, continua a não possuir nada para vender a não ser a si mesma…’’ Marx O capital I-Na história da acumulação primitiva.


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