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25 de julho: ESPECIAL MULHERES NEGRAS | Ex-trabalhadora terceirizada da Unesp de Marília fala sobre condições de trabalho

Em Marília, frente à ameaça de demissão das trabalhadoras terceirizadas da Unesp local, o grupo Pão e Rosas, que está impulsionando a campanha contra as demissões, fez uma entrevista com Fernanda Garcia, ex-trabalhadora terceirizada da faculdade, para sabermos mais como são as condições do trabalho terceirizado na universidade

sábado 25 de julho de 2015 | 02:24

Em Marília, frente à ameaça de demissão das trabalhadoras terceirizadas da Unesp local, o grupo Pão e Rosas, que está impulsionando a campanha contra as demissões, fez uma entrevista com Fernanda Garcia, ex-trabalhadora terceirizada da faculdade, para sabermos mais como são as condições do trabalho terceirizado na universidade.

A empresa contratada Conserv perdeu a licitação com a faculdade no último processo aberto. Como não há garantia de renovação dos contratos por parte da nova empresa responsável pelo setor, as 12 trabalhadoras que hoje fazem a limpeza de toda a área da instituição correm o risco de perderem o emprego.

No Brasil, os postos de trabalho terceirizados são ocupados majoritariamente por mulheres negras. Nesse dia 25 de julho, Dia da Mulher Negra Latinoamericana e Caribenha, queremos evidenciar a realidade dessas mulheres que resistem bravamente às condições precárias do trabalho terceirizado.

Esquerda Diário: Por quanto tempo você trabalhou na Unesp?

Fernanda: Entrei em outubro de 2005 e trabalhei até fevereiro de 2014. Hoje sou aluna da faculdade. Com a ajuda dos meus amigos do CAUM eu consegui entrar.

ED: Como são as condições de trabalho?

Fernanda: Antes era outra empresa. O serviço era bem mais tranquilo. O número de funcionários era maior, se não me engano a gente era em 22. Em prédio que hoje trabalha em uma, antes era em até 3 funcionárias. Desde que eu sai, não contrataram ninguém no meu lugar, depois outra funcionária saiu e também não contrataram... Hoje em dia trabalha praticamente uma pessoa por prédio. Por exemplo, no prédio dos departamentos é só uma, no prédio novo é só uma também, é uma pra fazer o prédio da Fisio, da Pós e o de Pesquisa...

ED: E como é a questão do salário e descontos?

Fernanda: De salário nunca houve atraso. Eu já ouvi falar que há muitos anos atrás tiveram empresas que atrasavam, mas comigo não aconteceu isso...o salário era normal. O que acontece é que se você pega um atestado, por exemplo, eu pego dengue, fico7 dias com atestado em casa, eu perco o meu ticket. Nessa empresa, a Conserv, é assim, na antiga não era não. Isso varia de empresa pra empresa, na antiga não descontava. Não tem lei que obriga a pagar... E aí se falta sem atestado você perde o dia, perde o ticket, perde tudo.

Ocorreu um caso de uma trabalhadora que o filho sofreu um acidente de moto e ficou na UTI, em coma. O menino era de menor e ela precisou ficar lá. Ela trouxe o atestado pra empresa e eles não aceitaram. O chefe nem quis saber, ele descontou tudo dela, ela sofreu muito. Depois quando ela viu que ia sair no prejuízo e ela não podia largar o filho dela lá, ela entrou em um acordo com ele de ir pagando as horas que ficou devendo, por exemplo, ao invés de sair pro café e pro almoço, continuava trabalhando. Enquanto eu tinha duas horas de almoço, ela só tinha uma, pra pagar hora... a hora que ela ficou no hospital com o filho dela. Eles não tão nem aí...

ED: O diretor da Unesp se diz contra a terceirização, você acha que é condizente com isso?

Fernanda: Falar na teoria é fácil. Dava pra exigir deles que olhem mais pro quadro de funcionários, por exemplo, se eu vou sair de licença maternidade, eu vou ficar quatro, cinco meses fora, então o justo seria contratarem outro pra ficar no meu lugar, mas eles não fazem isso... Ah! sabe o que eles fazem nas férias? Quando tem férias da faculdade, sai quatro pessoas de uma vez pra entrar de férias, porque como não tem aula, já entra em férias junto. Quem fica acaba sendo prejudicado porque é a época que faz faxina, que limpa os prédios, lava tudo, tira cadeira pra lavar, limpa a parede, tudo... Mas aí tira quatro de férias e sobrecarrega os outros. De toda forma a gente sempre sai prejudicado. Acho que poderia melhorar isso... poderia melhorar o ambiente de trabalho. Tem condições pra isso! Pra fazer uma coisa mais digna pras meninas.

O quartinho que a gente almoçava, tomava café, é o mesmo até hoje. Eles [a direção] vivem prometendo que vai mudar, que vai colocar um quartinho melhor e até hoje eu vendo a mesma coisa. É produto de limpeza junto com fogão, junto com coisas de alimentação, é uma mesa velha, nem falo pelo fato de ser velha, mas porque ali é o pior lugar que tem aqui na faculdade... Eu amo lá! Vou lá até hoje por causa das minhas companheiras que trabalham aqui, mas eu particularmente, quando os outros perguntavam eu ficava até com vergonha...

No ano passado teve uma reunião com o responsável daqui da Unesp porque tinha pouco funcionário aqui no prédio (prédio de atividades didáticas), a gente tava em 3 pra limpar tudo isso aqui, o diretor reclamou que tava sujo, que tinha umas teias de aranha no alto. Nesse prédio que geralmente a gente limpava em 6, 7 pessoas, a gente tava em 3 pessoas... Aí ficava um jogando a responsabilidade pro outro, a Unesp pro patrão, o patrão pra Unesp e a gente recebendo pressão. Uma vez que todo mundo [os terceirizados] tava estressado teve uma reunião pra acalmar a gente lá no anfiteatro. Aí simplesmente ele chegou lá e falaram que a faculdade não tem culpa, que a culpa é da empresa...

ED: No ano passado, durante a greve de estudantes e servidores da Unesp, estava na nossa pauta de reivindicação que os trabalhadores terceirizados tivessem espaço à estrutura física da universidade, como laboratório de informática, restaurante universitário, biblioteca. Mas mesmo o diretor se dizendo contra a terceirização, ele disse que não havia como garantir o acesso para as trabalhadoras...

Fernanda: E porque não dá sendo que um aluno da outra universidade pode vir pegar livro aqui?

ED: E como é a relação dos outros funcionários da Unesp com as terceirizadas?

Fernanda: Alguns são muito amigáveis, mas tem alguns que se acham melhores. Então tem certos lugares que a gente não podia entrar, que eles já olhavam com cara feia. Já vi várias coisas tristes aqui. Teve professor que não me reconheceu depois que eu comecei a estudar... Já fui chamada de escrava na “brincadeira” por uma pessoa muito influente aqui de dentro. Quando comecei a fazer o cursinho CAUM, essa mesma pessoa veio me falar pra eu tomar cuidado pra não prejudicar o meu “profissional”. Eu acho que foi porque eu comecei a pensar, porque eles não querem ninguém que pense. Eu acho que deveria ter mais incentivo pra elas estudarem também, porque eu só fiz o CAUM por causa dos meus amigos estudantes que incentivavam.
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ED : E a maioria das terceirizadas são mulheres?

Fernanda: Sim. Mulheres e negras... Acho que fui chamada de escrava por causa disso também, por ser negra. Agora eu trabalho em um restaurante, e esses dias eu tava conversando com uma amiga perguntando o porquê que eles não contratavam a gente se tava precisando de garçonete, ela virou e me falou “elas são branquinhas, né...”. Isso é da sociedade...

ED: E sobre as demissões que podem acontecer agora, o que você acha?

Fernanda: Quando eu tava na outra empresa, já passei por tudo isso que as meninas tão passando. Passei duas vezes. Toda vez que acaba o contrato todo mundo fica com medo, não sabe pra onde vai, fica naquela angustia: será que vou continuar? Será que vou ficar desempregada? O que vai ser de mim? Na primeira empresa veio o representante e conversou com todas nós. Não foram todas que ficaram. Infelizmente num quadro de funcionários de 22, acho que ficaram apenas 16. Você vê que já tem diferença, né?!

ED: Mas não tinha a mesma quantidade de prédio...

Fernanda: É! Como essa empresa perdeu, a faculdade pensou no bolso e contrataram outra empresa que diminuiu o quadro de funcionários, infelizmente. Eu consegui ficar. Mas assim, em um prédio que antes eram duas, eu passei a trabalhar sozinha. Tinha que dar conta de um prédio sozinha, infelizmente. Mas como a gente precisava do emprego, eu continuei.

Todas deveriam ser contratadas pela nova empresa. Acho que a mais nova trabalha aqui tem quatro anos! A empresa pediu o curriculum delas, mas já conhecem a Unesp de ponta a ponta! Tem que contratar mais funcionários, mas sem demitir os que já estão. E tem influência dos funcionários daqui da faculdade também, porque já aconteceu nessa troca de empresa, de contratarem quem foi indicado e não contratarem quem não foi. E já que tem toda a burocracia, já que elas não podem ser efetivadas pela faculdade, então pelo menos as condições de trabalho poderiam melhorar bastante, né?




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