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ORIENTE MÉDIO | Estamos no início de uma “primavera iraniana”?

Depois de vários dias de mobilização e repressão, a imprensa mundial se pergunta: está começando uma “primavera iraniana”? Tudo parece indicar que não chegamos a este ponto, mas as contradições do Irã já foram expostas.

quarta-feira 3 de janeiro de 2018 | Edição do dia

Enquanto as manifestações continuam, e a repressão e os confrontos já deixaram mais de 20 mortos, a imprensa mundial começa a se fazer a pergunta: o movimento atual pode se converter em uma “primavera iraniana”? Tudo parece indicar que não chegamos a esse ponto, porém a própria pergunta expressa a profundidade da crise.

As mobilizações começaram na quinta-feira passada na cidade de Mashhad e ao longo do final de semana, o movimento se estendeu pelo resto do país, incluindo a capital Teerã. Apesar da forte repressão e do apelo do presidente Rohani pedindo calma, o movimento continuou, e durante a noite de segunda a terça-feira, houve 9 mortos, que fizeram aumentar as cifras de vítimas fatais para 21. Somente em Teerã, as autoridades informaram a detenção de 450 pessoas.

As manifestações pegaram os líderes iranianos de surpresa, inquietando tanto o Governo como as figuras da oposição conservadora. Embora as mobilizações tenham sido motivadas por questões econômicas, contra o desemprego, a inflação e a pobreza, pouco a pouco foram adquirindo uma caráter político.

De fato, as manifestações não questionam unicamente o governo, mas também a corrupção e o próprio regime. “Morte a Rohani”, “Morte a Khamenei”, pode ser ouvida nas marchas, em referência ao presidente e ao líder supremo respectivamente. Isso gera questionamentos a um regime profundamente corrupto, a serviço de uma minoria privilegiada e rica, em um país repleto de riquezas naturais com 70% da população, porém, abaixo da linha de pobreza.

O movimento atual, ao contrário do movimento de 2009 contra a fraude eleitoral do então presidente Mahmoud Ahmadinejad, não se origina e se limita a Teerã. Este movimento não é liderado pela classe média. De fato, ainda que as manifestações tenham alcançado a capital, começaram em cidades do interior do país e nas zonas onde se concentram as camadas mais desfavorecidas da população.

Como é possível ler na página da Alliance of Middle Eastern Socialists, a respeito das diferenças com os protestos de 2009: "1) As manifestações se opõem diretamente a pobreza e a corrupção sistêmica, 2)Incluem uma ampla participação de homens e mulheres da classe trabalhadora e numerosos desempregados, 3) as reivindicações incorporam o fim da República Islâmica (…) e das intervenções militares do Irã na Síria e Líbano, 4) em alguns casos, as mulheres removeram seus véus em praças públicas e encorajaram outras mulheres a fazer o mesmo".

O New york Times remarcou a diferença geográfica e, ao seu modo, o caráter de classe do movimento atual: "A população das províncias rurais, tradicionalmente vista como base social das autoridades, no momento está a frente da maioria das mobilizações. Inclusive, embora os habitantes de Teerã tenham saído às ruas, a capital não é o centro do protesto, como foi o caso de 2009. Em Teerã a classe média compartilha o descontentamento, porém também temem o rumo dos protestos".

Durante as primeiras horas de manifestações se multiplicaram as especulações sobre quem estava por trás destas. Algumas vozes falam de uma manobra das frações conservadoras em luta contra o presidente Rohani, reconhecido como "moderado" e "reformador". Seja como for, em poucas horas foi possível comprovar que os manifestantes se dirigiam tanto contra o Governo como contra a oposição conservadora.

Consequências geopolíticas

O movimento atual critica a política exterior iraniana e suas onerosas intervenções militares na Síria e Iêmen, como também seu apoio a Hezbollah. Estas intervenções são fundamentais para o capitalismo Iraniano, na medida em que tratam de manter e ampliar sua influência regional em sua luta reacionária contra a monarquia saudita. No entanto, para os trabalhadores e as classes populares, os milhões investidos no apoio aos regimes ditatoriais como o de Assad na Síria, são entendidos como uma aberração frente a crescente miséria do próprio Irã.

Para os Estados Unidos e seus aliados, como Arábia Saudita, o movimento atual aparece como um "presente" e uma oportunidade de frear parcialmente o avanço do Irã no Oriente Médio. Desde a vitória de Assad na Síria, do reforço de Hezbollah no Líbano e da resistência dos Houthis no Iêmen, tanto os Estados Unidos como a Arábia Saudita vêm perdendo terreno na região. Não é casualidade que Trump tenha expressado seu apoio aos protestos desde as primeiras horas.

De fato, estas mobilizações expressam a situação do Irã, que dirige uma política exterior onerosa, a qual tem se prolongado mais do que o previsto em um contexto econômico catastrófico para as classes populares do país.

A questão é: quanto tempo Teerã poderá seguir custeando sua política externa? Esta é uma pergunta importante, já que é a mesma que poderia ser feita sobre a Turquia, mas também sobre os aliados dos Estados Unidos, como Arábia Saudita, inclusive para a Rússia. Dito de outro modo, se o movimento atual no Irã se aprofunda, não podemos descartar que se crie um efeito de contagio sobre os outros países da região. Assim, se hoje Trumo comemora os protestos no Irã, esta dinâmica poderia voltar-se rapidamente contra os interesses do imperialismo norte-americano no Oriente Médio.

A Sombra da "Primavera Árabe"

A rapidez com que o movimento tem se expandido pelo conjunto do país e a composição de classe do mesmo, como também as greves e o descontentamento entre os trabalhadores e a juventude, que vem de meses, fazem pensar com força no começo do que chamaríamos "primavera árabe" alguns anos atrás.

Como o início dos protestos na Tunísia em 2010-2011, quase todos os dias, não há “líderes” claramente identificáveis, e ainda que as reivindicações sejam repetidas em diferentes manifestações, não existe uma plataforma clara de demandas. Como explicava um manifestante: "os protestos que estão acontecendo no Irã não têm líder, é um mosaico de pequenas mobilizações. Os chamados a uma nova greve em todo o país são uma tentativa de dar uma direção a esse movimento. Eles foram feitos principalmente nas redes sociais na noite de segunda-feira, mas o governo cortou as comunicações (…) muita gente não sai para manifestar-se porque não podem conhecer os motivos".

Efetivamente, a entrada em cena do movimento operário, com seus métodos de luta (a greve) e de organização (comitês de greve, comitês de fábrica, nos bairros operários e nos lugares de estudo) poderiam dar uma organização, uma plataforma de reivindicações e uma direção ao movimento. Isto também seria uma maneira de permitir aos trabalhadores, a juventude e as classes populares defender suas próprias demandas e evitar que o movimento seja capitalizado pelas frações conservadoras, pró imperialistas e por outras variantes capitalistas.

Embora faça anos que vemos muitos conflitos na região, os quais os trabalhadores e as massas não interviram defendendo seus próprios interesses, os protestos atuais no Irã são uma oportunidade para os explorados e os oprimidos, como demonstra a participação das mulheres no movimento. Pode tratar-se do começo da irrupção direta das massas trabalhadoras e populares que podem começam a dirigir a agenda geopolítica na região, mostrando o caminho para acabar com os conflitos reacionários no Oriente Médio.

Se faz necessário acompanhar de perto a evolução da situação e fazer todo o possível para apoiar o movimento e expressar nossa solidariedade internacional, esperando que o protesto se estenda por outros países do Oriente Médio e reverta o momento reacionário que teve lugar após o refluxo dos movimentos de massas da “Primavera Árabe”.

Original disponível no site Revolução Permanente.




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