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“Esse vírus pode dizimar as tribos”: um relato sobre Oiapoque

“A cidade só tem cinco kits para fazer o teste da doença, o único hospital é totalmente desprovido de quase todos os recursos”. De Oiapoque ao Chuí, a população brasileira teme a chegada do coronavírus a regiões desamparadas de qualquer recurso estatal. “Se houver a chegada do vírus nas terras indígenas, esse vírus pode dizimar as tribos”, diz moradora da cidade. Foto: Globo.

quarta-feira 18 de março de 2020 | Edição do dia

A cidade de Oiapoque, no extremo norte do Amapá, ainda não conta com nenhum caso da doença. “Pelo fato de ser uma região muito quente é esperado que a doença não tenha sucesso por aqui”, diz moradora da cidade. Entretanto, a região faz divisa com a Guiana Francesa que já conta com alguns casos da doença: está a 15 minutos através de pequenos barcos, que são chamados de catraia.

O Suriname, vizinho da Guiana, deu sua saída “a la” Trump: fechou as fronteiras. Esse tipo de medida isolada de “defesa nacional” contra o “inimigo estrangeiro”, que gera inclusive expressões xenófobas como abordamos aqui, significaria a destruição da economia local de Oiapoque. “Quem movimenta a economia do Oiapoque são os guianenses e os franceses, com uma injeção, uma quantidade de dinheiro, muito grande quase que diariamente (...), se eles não vierem gastar uma quantidade de euros grande aqui na cidade, a cidade mesmo ficará numa situação econômica muito delicada, muitas empresas irão fechar, muitas vagas de emprego irão se perder e as famílias, principalmente as mais pobres, viverão uma tremenda dificuldade”, relata.

“Se a doença chegar por aqui estaremos entregues ao acaso”, continua ela, “a cidade só tem cinco kits para fazer o teste da doença, o único hospital é totalmente desprovido de quase todos os recursos e de qualquer tipo de ajuda enviada pelo Estado”. O histórico descaso dos governantes com a situação de saúde do Brasil mostra, assim, sua cara, e escancara a contradição de medidas como a lei do Teto de Gastos. Desde que foi aprovada, essa medida já provocou 20 bilhões de prejuízo ao SUS, valor que poderia ser usado para 17 mil leitos de UTI, 125 mil testes de coronavírus e 1,5 milhões de potes para álcool gel.

A situação é particularmente alarmante para as populações indígenas, conforme relata: “E ainda nós temos a terra indígena demarcada que tem quatro etnias que vivem como se fossem quatro bairros dentro da floresta, e que vivem da cultura da terra, que vivem sistemas bem tradicionais, do conhecimento do cultivo específico. Essas tribos produzem, farinha, os artesanatos, e vêm para o Oiapoque para vender esse material, eles vendem para os franceses, os guianenses, e eles também recebem em euro e não podem ficar sem receber, é o que dá o sustento para eles também. Agora se houver a chegada do vírus nas terras indígenas, esse vírus pode dizimar as tribos”.

Para completar o cenário, atua também o negacionismo das cúpulas de igrejas, que, indo para o outro extremo do alarmismo que tem feito a mídia, desorientam a população sobre a gravidade pandemia, tratando como um simples resfriado. “Nós temos ainda os núcleos evangélicos que são muitos, inclusive nas terras indígenas, e parece que a situação fica pior quando pastores advertem seus fiéis que o vírus não terá sucesso em quem crê em Deus ou quem tem fé”, conta ela.

Mais que nunca fazem falta medidas emergenciais de prevenção e combate a este vírus, principalmente para populações mais vulneráveis como esta. A cada dia que passa se torna mais absurdo que o Estado não tome nenhuma providência para garantir que haja testagem massiva para todos que queiram (mesmo em regiões remotas como essa), contratação de profissionais de saúde terceirizados e desempregados como efetivos e também que multiplique urgentemente leitos de UTI com respiradores, inclusive tirando esses leitos das mãos da iniciativa privada que só visa o lucro. É impossível que isso seja garantido enquanto metade do orçamento do Estado girar em torno da ilegal e fraudulenta dívida pública, que precisa parar de ser paga, e enquanto leis como a do Teto de Gastos não sejam revogadas imediatamente. Nada menos que isso poderá dar uma saída para essa crise, para que não sejam os trabalhadores a pagarem por ela.




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