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Dossiê Stonewall | Entrevistamos Sherry Wolf, autora do livro "Sexualidade e Socialismo"

Entrevistamos Sherry Wolf sobre a história do movimento LGBT antes e depois de Stonewall e a particularidade da União Soviética.

domingo 28 de junho de 2015 | 01:53

Sherry Wolf é uma autora e militante socialista dos EUA. Escreveu o livro "Sexualidade e Socialismo" que aborda a história, política e teoria da libertação LGBT. Sherry fez parte do partido "Organização Socialista Internacional" (ISO, na sigla em inglês) e foi do Comitê Executivo do “Ato Nacional Por Igualdade LGBT” em 2009, que reuniu vinte mil pessoas em Washington pelos direitos civis de pessoas LGBT.

Nessa primeira parte da entrevista que publicamos abaixo, Sherry desenvolve a importância da Revolta de Stonewall para o movimento LGBT, os motivos dela ser lembrada até hoje e a situação dos homossexuais na União Soviética, tanto os avanços com os bolcheviques, quanto os retrocessos sob Stálin.

Stonewall foi o nascimento do movimento LGBT nos Estados Unidos e no mundo todo, mas, mesmo antes disso, já existiam algum tipo de organização. Pode descrever o movimento LGBT antes de Stonewall?

Era bastante novo e bastante dividido. As primeiras organizações surgiram na década de 50 nos Estados Unidos. Isso se pode dizer das organizações das quais resta alguma memória, com publicações, como as “Filhas da Bilitis” (primeira organização nacional lésbica dos EUA) que tinha uma publicação chamada “The Ladder”(em português, “A Escada”) e existiam também organizações de homens, organizado por Harry Hay (advogado, professor e membro do Partido Comunista dos EUA). Em essência foi assim que começou, com grupos de amigos na Costa Oeste no meio dos anos 1950.

Era realmente uma época distinta no pós-guerra, quando as questões raciais e de gênero foram postas em evidência e também a sexualidade, em uma América agora muito mais urbanizada, onde a própria Segunda Guerra Mundial se tornou uma grande experiência de ’sair do armário’, no enorme acontecimento de 16 milhões de pessoas encurraladas em unidades de mesmo sexo.

Os anos 50 são a primeira vez que surge qualquer tipo de organização, mas são muito modestas. Ninguém hoje em dia iria se referir aos seus esforços como radicais em nenhum sentido, mas simplesmente ser assumido (homossexual) era com certeza algo radical.

O que eles estavam enfrentando era um banimento do governo federal pela primeira vez. Durante o governo Eisenhower, (ex presidente dos EUA e general do exército americano, foi comandante supremo das Forças Aliadas durante a segunda guerra mundial), funcionários federais poderiam ser demitidos por ser homossexuais. Isso começou uma espécie de caça aos homossexuais nos locais de trabalho em um nível sem precedentes nos EUA.

Ao mesmo tempo as pessoas estavam se assumindo e se tornando levemente mais visíveis, mas só levemente, já que existia esse ataque do governo federal que levou a uma terrível perseguição aos gays e às lésbicas. Isso criou as faíscas das primeiras organizações. O próprio Harry Hay foi comunista, e a mais famosa mulher militante que começou a escrever para o Ladder não era conhecida por ser lésbica, porque usava um pseudônimo, mas era Loraine Hansberry, que escreveu “A Raisin in the Sun”, uma lésbica afroamericana que financiava o Filhas de Bilitis, e era conhecida nos círculos LGBT como lésbica que advogava por direitos igualitários.

Como a União Soviética lidava como a questão LGBT?

Bem , antes de entrar nisso, tem um exemplo operário muito bom: os cozinheiros da Marinha e do Sindicato Stewards nos anos 1920, um sindicato negro, tomou a frente para se posicionar contra a divisão da classe na questão racial e comunista, mas também na questão da sexualidade, sobre a qual tinham uma faixa com o lema “o racismo, o ódio aos comunistas e a homofobia golpeiam os sindicatos” e este foi um passo extraordinário, e também mostra a importância de ativistas sociais e comunistas dentro dos sindicatos.

Ainda assim, não pode ser dito que isso levou a outros esforços, mas é um episódio conhecido por se destacar como exemplo.

Agora, na União Soviética, é uma história extraordinária que merece mais atenção. Não é como se os bolcheviques estivessem profundamente esclarecidos sobre questões de gênero e sexualidade. Isso não seria totalmente verdadeiro. Mas eles queriam a libertação humana contra todas as opressões, e partindo disso se permitiram tantas outras aberturas. Isso criou uma metodologia para abordar todo o tipo de questões humanas.

O que eles fizeram foi descriminalizar a homossexualidade décadas antes dela ser descriminalizada em qualquer outro lugar. E o que é surpreendente é que as primeiras cirurgias de mudança de sexo aconteceram na União Soviética, ainda que seja assustador pensar como elas eram realizadas, dada a realidade das cirurgias e medicina naquele tempo. Mulheres serviam no exército vermelho, servindo abertamente como mulheres. Homens trans serviam no exército vermelho como homens, porque não tinham que se esconder.

Aconteciam casamento entre casais homossexuais. Todos esses acontecimentos foram parte do florescer da liberdade sexual e de gênero na revolução bolchevique e realmente nos fazem pensar em como seria se os sonhos da revolução não tivessem sido tão destruídos no final dos anos 20, e depois definitivamente com a ascensão do stalinismo, quando se vê o completo oposto de todas essas políticas libertadoras.

Até mesmo na União Soviética (antes de Stálin) tinha um Ministro de Relações Exteriores que era reconhecidamente gay. Ele era a cara da revolução viajando para fora. Ele não saía dizendo que era gay, mas todos sabiam. Ele não vivia uma vida “dentro do armário”, pelo que podemos saber. Mas sabemos que houve um enorme desenvolvimento dessa questão, como é sempre o caso quando existem mudanças radicais que jogam todas as estruturas da sociedade para os ares, e por que não também o mais íntimo das relações humanas?

Por que Stonewall segue sendo tão importante?

Eu acredito que o momento no qual aconteceu, no qual existiu uma convergência do movimento anti-guerra, o movimento negro, o movimento de libertação das mulheres e de mobilização de massas, e até mesmo o ascenso das questões do trabalho e radicalização do movimento operário, particularmente entre os trabalhadores negros nas montadoras e nos correios, que logo depois protagonizaram uma greve nacional.

Uma coisa importante de lembrar é que essa não foi a primeira vez que existiu uma revolta. Isso havia acontecido anos antes entre mulheres trans e drag queens na região de São Francisco , onde a revolta estourou em resposta à violência policial.

O motivo pelo qual lembramos de Stonewall da forma como lembramos, não é só porque durou dias. Começou a envolver mais e mais pessoas. Com isso, quero dizer que os Panteras Negras mandaram gente e toda a esquerda americana que tinha um pouco de alma, os não stalinistas e até mesmo setores da base da esquerda stalinista se mostraram, apoiaram e participaram e muitas outras pessoas que nunca nem haviam pensado uma coisa ou outra sobre gays ou lésbicas e muito menos sobre bissexuais ou pessoas trans se envolveram nesta batalha com a polícia que durou dias.




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