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TRIBUNA ABERTA | Entrevista com Thiago Zandoná da UFSC, debatendo os rumos da greve

O Esquerda Diário entrevistou Thiago Zandoná Chaves, estudante de filosofia na UFSC, militante independente e jornalista do Universidade à Esquerda e UFSC à Esquerda sobre a atual greve da UFSC.

segunda-feira 14 de outubro de 2019 | Edição do dia

Esquerda Diário: Você pode nos contar um pouco sobre a recente mobilização e greve estudantil da UFSC? Como começou e o que ocorreu?

Resposta: A greve na UFSC começou de um modo muito extraordinário. Há poucos meses, ninguém acreditaria que uma mobilização com essa potencialidade poderia acontecer nesta universidade. Mesmo com os grandes atos de rua no primeiro semestre do ano, o marasmo organizativo era muito grande. No segundo semestre, isso mudou completamente. Em um mês de aula com intensa agitação e debate, a UFSC presenciou um movimento grevista sem precedente - marcado pela grande adesão às assembleias.

No dia 15 de maio deste ano, quando milhões de pessoas foram às ruas sob a bandeira da educação e da previdência social, houve uma mobilização muito forte em Florianópolis (com um ato de rua contendo cerca de 10% da população). Na UFSC, houve uma adesão excepcional: mais de 50 cursos do campus central aderiram à paralisação e, no 15M, a comunidade da UFSC se reuniu em uma grande assembleia, com cerca de 4 mil pessoas, e saiu em ato histórico com cerca de 30 mil estudantes, professores e técnicos administrativos da UFSC e de universidades e escolas dos bairros próximos.

Naquele momento, porém, não se desenhava um movimento mais radical, que buscaria desenvolver a luta de forma mais intensa. Ao contrário, a proposta de greve - em oposição à mera paralisação - era prontamente rechaçada nos espaços abertos, como assembleias. Mesmo sendo a primeira grande mobilização contra o recente governo, a mobilização - assim como nacionalmente - enfraqueceu nos atos do dia 30 de maio e, foram irrisórios, no suposto dia de greve geral, no dia 14 de junho.

Mesmo sob a incerteza de como seria o próximo semestre devido aos cortes anunciados, as aulas da UFSC acabaram no completo marasmo - sem qualquer perspectiva de mobilização. A gestão do DCE da UFSC, por exemplo, encerrou o semestre apertando a mão do reitor Ubaldo C. Balthazar, simbolizando que as políticas de permanência estariam asseguradas. Algumas semanas após o início do recesso acadêmico, o maior Restaurante da universidade fechou temporariamente sem grandes explicações por parte da Direção Central.

No dia 17 de julho, em meio às férias estudantis, o MEC apresentou o Future-se. A notícia sobre a nova investida do governo já percorria nas mídias e redes há algumas semanas. No dia 18 de julho, mesmo com o recesso, o centro acadêmico de geografia - com uma gestão recém eleita de estudantes independentes - convocou uma reunião com todos os interessados da UFSC a debater o projeto Future-se. A partir dessa reunião, se desenvolvia o germe da mobilização grevista na UFSC.

Ao menos cinco reuniões abertas aconteceram durante o recesso - a participação variou entre 10 a 50 pessoas. Mas foi essa organização que permitiu a uma série de estudantes, de diversos cursos da UFSC, começar uma mobilização pela greve na UFSC desde o primeiro dia de aula.
Com o retorno do calendário acadêmico, em agosto, esse grupo de estudantes - mesmo em um número pequeno - promoveu uma calourada simples mas significativa: panfletagem, produção de cartazes, agitação no RU, cinedebate, passagens em sala e, no fim da calourada, o evento principal: uma aula magna sobre o Future-se, com dois pesquisadores marxistas do programa de pós-graduação em educação da UFSC, que lotou o auditório e contou com transmissão ao vivo em outro espaço da universidade. Cerca de 400 pessoas participaram.

As semanas que seguiram, no mês de agosto, foram repletas de atividades que pautavam os cortes e o projeto future-se. O debate percorreu o interior da UFSC de diversas maneiras: panfletagens nas filas do RU, batuques e arrastões pelos centros de ensino, produção e distribuição de jornais, passagens em sala, aulas públicas, reuniões abertas, produção de faixas e cartazes. Foi esse trabalho de base - organizativo e de debate com o conjunto da UFSC - que orientou para uma saída de luta quando os cortes começaram a “pegar” em todos nós.

No final de agosto (dia 29), em uma audiência pública exigida pelos estudantes e pelos técnicos, o reitor foi colocado sob forte pressão e declarou a real possibilidade da UFSC fechar as portas em outubro. Dentro de um auditório superlotado, o reitor e o secretário de orçamento apresentaram uma série de medidas que visava implementar a gestão dos cortes no interior da UFSC. Dentre elas, e a que afetava diretamente a maior parte dos alunos, estava o fechamento do RU aos estudantes não-isentos, o que afetaria ao menos 15 mil estudantes.

O evento que marcou o cume da mobilização na UFSC foi a Assembleia Geral da UFSC, que aconteceu no dia 2 de setembro, com mais de 5 mil pessoas e que deliberou “estado de greve” na universidade, além da rejeição integral ao Future-se e exigência do retorno imediato de todo orçamento cortado. Essa Assembleia, que entrou para a história da UFSC e repercutiu em todo Brasil, foi fruto dessa política de agitação e mobilização - encabeçado pelo movimento que surgia nas férias chamado UFSC contra o Future-se. O movimento surgiu em oposição à estagnação das entidades, como DCE, UNE etc.

Essa assembleia só foi convocada porque o movimento UFSC contra o Future-se pautou essa proposta em uma assembleia estudantil - esvaziada - que aconteceu no final de agosto. A proposta foi aprovada pelos estudantes e levada e acatada pelo Conselho Universitário. A assembleia foi convocada com a liberação de aulas e postos de trabalho para que todos da UFSC pudessem participar. Seis dias depois da convocação, acontecia a assembleia lotando o maior auditório da universidade.

A mobilização foi tão consistente, que no dia seguinte à assembleia o maior auditório voltou a ficar lotado para uma nova sessão do Conselho Universitário que tinha como pauta a posição institucional acerca do Future-se. Mesmo com diversos setores favoráveis ao projeto (mesmo que parcialmente), o mesmo foi rejeitado na íntegra pelos conselheiros, seguindo a deliberação que a comunidade havia tomada no dia anterior.

Uma semana depois da assembleia e do CUn se colocarem contra o Future-se e os cortes, e com a UFSC em estado de greve, os estudantes voltaram a se reunir em assembleia (dia 10/09), com pouco mais de 2,5 mil pessoas, e decidiram deflagrar greve por tempo indeterminado. Neste meio tempo até tal assembleia, 72 cursos já tinham passado por assembleias locais e deliberado greve ou estado de greve. No dia seguinte (dia 11/09), os estudantes e pesquisadores da pós-graduaçõe da UFSC, em assembleia com 500 pessoas - número significante para essa categoria de estudantes -, decidiram também pela adesão à greve por tempo indeterminado.

ED: Qual o atual estado de mobilização após os dias 2 e 3?

Resposta: A greve enfraqueceu muito nos últimos dias. Dois foram os problemas: internamente houve dificuldades em unificar a greve entre todos os cursos, pois o comando de greve engessou e não deu conta do recado e muitas organizações atuaram para conduzir a greve isoladamente em cursos ou centros de ensino; o segundo agravante foi a mobilização nacional. Todas as entidades nacionais no campo da educação, como UNE, ANDES, FASUBRA, SINASEFE, têm atuado de modo a segurar a greve. O chamado para dia 2 e 3 dito como greve não era suficiente. Desde o 15M, foram cinco atos de rua chamados pelas entidades nacionais. Atos têm sua importância, mas para esse momento é nítido que não são suficientes.

Desde o primeiro dia de greve, muitas mobilizações extraordinárias aconteceram. Cursos e centros que nunca entraram em greve, entraram. Muitos estudantes tiveram sua primeira experiência política com essa greve. Não foi pouca as atividades criativas, que buscavam chamar atenção da comunidade externa da UFSC para o que estava acontecendo.

Muita coisa boa aconteceu nessa greve dos estudantes da UFSC. Mas a fragmentação da mobilização internamente nos deixou vulneráveis para as diversas pancadas que recebemos. E não foram poucas! Desde os inúmeros casos de assédio e perseguição por parte de docentes, coordenações de cursos etc, até os ataques nacionais das entidades que deveriam estar organizando a luta, mas que estão refreando o movimento.

No dia 4 de outubro, após os dois dias de paralisação, os estudantes, em assembleia, deliberaram manter a greve. Mas não se debateu ou se encaminhou qualquer coisa que mudasse substancialmente o rumo de organização da greve. Por conta dessa falta de horizonte, os dias que se seguiram foram ainda mais enfraquecidos, com cursos voltando a ter aulas etc. A próxima assembleia está marcada para dia 17. Se não houver qualquer fato político forte capaz de redirecionar a greve internamente, é certo que sairemos de greve.

ED: Como está o estado de mobilização entre os professores e trabalhadores da UFSC?

Resposta: Os trabalhadores da UFSC não entraram em greve. Os estudantes, por suas condições materiais, são mais dinâmicos enquanto categoria. São capazes, como foi na UFSC, de se aventurar numa greve por tempo indeterminado sem perspectiva de que haja adesão nacionalmente. Os professores e técnicos dificilmente promovem uma greve sobre pautas nacionais (como são o Future-se e os cortes) sem qualquer perspectiva de que sua categoria se mobilize também nacionalmente. Nesse sentido, a desmobilização por parte das entidades nacionais contribui para o cenário de não adesão à greve localmente.

A Federação nacional dos técnicos (FASUBRA) não estava nem pautando a possibilidade de greve por tempo indeterminado. Encaminhou consulta às bases apenas por conta da greve estudantil da UFSC. Mas sem qualquer trabalho organizativo com as bases e, em alguns casos, com trabalho “desorganizativo”, venceu a contrariedade à greve na maior parte dos sindicatos setoriais.

Os professores da UFSC tiveram um empecilho adicional. Aqui o sindicato não é vinculado ao ANDES-SN e tanto a estrutura como a atual direção não contribuem para adesão à greve. Um problema grande desse sindicato é que a greve só pode ser aprovada via votação online. Esse é um elemento que certamente influenciou na decisão dos docentes da UFSC, mas que poucos perceberam. Nem aqui nem em lugar algum se delibera greve por tempo indeterminado através de votação online. Porque essa ferramenta é apolítica por excelência. Essa ferramenta possibilita ao sujeito votar, expressar sua opinião, sem qualquer conflito de ideias, sem apresentar contrapontos, sem participar de um debate ou qualquer coisa do tipo. A democracia da votação online é falha e dura apenas os cinco segundos exigidos para você confirmar sua opinião num botão de enquete. Deliberação política como deflagração de greve só acontece em um meio democrático que não garanta apenas o direito ao voto, mas o direito à fala, ao debate, ao argumento, à exposição de ideias e posições.

ED: Qual tem sido a postura do DCE da UFSC dentro da greve? Quais são as forças que o compõe?

Resposta: A atual gestão do DCE da UFSC foi contra a greve até o último segundo. O DCE se posicionou a favor da greve apenas no instante em que ela estava dada. Atualmente a gestão é dirigida por uma larga frente de esquerda: JR (PT), UJC (PCB), JCA (PCLCP), Correnteza (UP), Alicerce, Afronte e Brigadas Populares (PSOL). As organizações com maior número de estudantes, UJC e JCA, atuavam explicitamente contra a greve. As falas nas assembleias eram abertamente contra a greve naquele momento.

Analisar a atuação dessas organizações é central para compreender os rumos da greve na UFSC. Queira ou não, essas organizações são parte dos que hoje se dispõem a ser vanguarda no movimento estudantil. Atuam no DCE e diversos centros acadêmicos, em outras universidades, e imprimem suas políticas nesses espaços.

Dentro da UFSC, essas organizações contribuíram para engessar o comando de greve e para manter a greve fragmentada nos cursos e centros. No primeiro caso, recusando qualquer forma que buscasse dinamizar o comando e mantê-lo mais próximo do conjunto dos estudantes e, no segundo caso, insistindo em promover atividades isoladas nos cursos e centros.

No que tange à nacionalização da greve, não podemos esquecer que essas organizações também atuam (em maior ou menor medida) em outras universidades e em outros DCEs e CAs. A UJC, por exemplo, está em quase todos os estados. Qual foi o trabalho dessas organizações para construir a greve em outras universidades quando as mesmas eram contra a greve inclusive aqui na UFSC?

O Movimento UFSC contra o Future-se foi para diversas universidades do sul do país (UFPR, UFFS, UFRGS, UFSM, Unipel). Em todas, os DCEs eram compostos por organizações semelhantes as que atuam aqui. Nessas universidades, sem exceção, os Diretórios atuavam contra a greve, inclusive na UFSM, que deliberou pela greve!

Seguindo uma análise de que a greve nacional da educação não é possível ou viável nesse momento, essas organizações (com suas especificidades) atuam contra a greve tanto dentro quanto fora da UFSC.

Sem qualquer atuação para reverter o quadro de desmobilização da greve na UFSC, o DCE decidiu há mais de 10 dias se posicionar a favor do fim da greve. Esse posicionamento tem influenciado uma série de cursos a saírem da greve.

ED: Como tem sido a relação da greve com o resto da população da cidade?

Resposta: Praticamente todas as atividades que foram promovidas à comunidade têm sido bem recebidas. Nesse um mês de greve, já foram realizadas diversas atividades e das mais diferentes formas. Os estudantes de saúde, por exemplo, promoveram atendimento gratuito em praças. Outros cursos já promoveram panfletagens em terminais, ato em ocupação popular, exposição de pesquisas nas praças, trancaço intermitente nas ruas, atividade nas escolas, aulas públicas etc.

ED: Qual foi a resposta dos governos (tanto federal quanto estadual e municipal) à greve? E qual tem sido a postura da extrema direita?

Resposta: Acho que por parte dos governos não houve qualquer resposta, pelo menos não explicitamente. Há setores que insistem que a liberação de verbas nas últimas semanas tenha sido um sinal de recuo do governo federal por conta da greve estudantil. Nada mais equivocado.
A liberação de verbas faz parte de uma lógica que o governo federal infringiu nas universidades de planejar os gastos orçamentários não mais anualmente ou semestralmente, mas mensalmente. Veja: na UFSC, as contas de setembro já não haviam sido empenhadas, a universidade estava funcionando a custo de se endividar, e a verba liberada garante funcionamento pleno até outubro. Além de que, no grosso da questão, o governo segue avançando nas medidas de deterioração orçamentária e implementação do Future-se. A PLOA 2020 que está para ser aprovada prevê corte, na raíz, de aproximadamente 40% das verbas discricionárias das universidades - legalizando o corte que se implantou à força neste ano. O Future-se está em vias de ser inserido no Congresso e ainda não se sabe se tramitará como PL ou MP.

Agora, sobre a extrema direita, há sempre a postura de atacar e distorcer os fatos. Os casos mais conhecidos são de deputados e youtubers da cidade que percorrem a universidade em busca de uma janela quebrada ou algum ato isolado para ter sua matéria nas redes sociais. A UFSC presenciou um caso absurdo nos últimos dias quando o deputado Jessé Lopes acompanhado do youtuber do MBL, Alexander Brasil, entraram no Colégio de Aplicação da UFSC para falar com o diretor da escola. Dizendo representar um grupo de pais de estudantes do Colégio, o deputado filmou secretamente a reunião e divulgou um vídeo pejorativo sem devida autorização para vincular imagens do espaço interna da escola.

ED: Você pode nos contar um pouco mais do histórico de mobilização da UFSC nos últimos anos?

Resposta: Em 2016, os estudantes da UFSC ocuparam os centros de ensino seguindo a mobilização iniciada pelos secundaristas contra a PEC do teto de gastos. Em 2017, os estudantes da saúde entraram em greve seguindo os trabalhadores do serviço público de Florianópolis que lutavam contra a implementação das Organizações Sociais na educação e na saúde. Em outubro deste mesmo ano, os técnicos da UFSC entraram em greve contra a implantação do ponto eletrônico. No final do ano, estudantes de diversos cursos promoveram uma campanha de mobilização contra o fechamento temporário do RU nas férias. E em setembro de 2018, dezenas de cursos da UFSC paralisaram as atividades ordinárias para somar forças ao movimento EleNão, contra a candidatura de Bolsonaro.

ED: Você comentou sobre um movimento de oposição ao DCE que surgiu. Como que esse processo tem se dado?

Resposta: O movimento UFSC contra o Future-se surgiu para organizar a luta contra o Future-se, projeto que sintetiza a agenda neoliberal contra as universidades públicas. A oposição ao DCE não surgiu como algo central do movimento, mas como uma consequência de seu objetivo maior; afinal, para barrar o Future-se era preciso construir uma forte greve nacional da educação e, na UFSC, isso significaria contornar o DCE. Dito e feito.

No primeiro mês de aula, em agosto, o DCE havia promovido apenas um evento sobre o Future-se: um happy hour. No mais, sua participação se limitava a contrapor a greve nos espaços abertos, como as assembleias. O movimento teve a audácia necessária para construir um movimento grevista independente do DCE. Panfletando, produzindo cartazes, passando em sala, fazendo batuque e conversas nas filas do RU, promovendo aulas e reuniões públicas, produzindo e distribuindo jornais etc. Mas não foi só o movimento. Cursos, centros de ensino e até outros campi produziram campanha, agitação e debate acerca do Future-se, dos cortes e da necessidade da greve.

Um dos elementos importantes desse movimento que, creio eu, deve ser levado em consideração para construir uma greve nacional da educação, é a crítica, sem pudor, a todos aqueles que atuam contra uma mobilização mais forte e radical - à altura da correlação de forças com o governo, com o Estado e com o capital. É fato que a esquerda brasileira está completamente despedaçada em razão das décadas de conciliação de classe. O que nos leva a um quadro de desmobilização terrível, que permite que o maior ataque à classe trabalhadora nas últimas décadas - a reforma da previdência - passe no Congresso com um silêncio tumular da esquerda.

Para construir um movimento forte que faça frente a barbárie que se desenha, será preciso romper com os formalismos do movimento estudantil e sindical. Será preciso colocar os sindicatos e entidades estudantis contra a parede: ou estão do nosso lado ou estão contra nós.

As opiniões contidas na entrevista são de total responsabilidade do entrevistado, podendo não condizer com as opiniões do jornal.




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