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IMIGRAÇÃO NO BRASIL | Entrevista com Abdou Lahat Ndiaye (Billi), imigrante senegalês em Caxias do Sul

terça-feira 23 de agosto de 2016 | Edição do dia

Nos últimos anos, milhares de imigrantes de diversos países buscam refúgio no Brasil em busca de oportunidades que não encontram no seu país, que muitas vezes sofre com catástrofes, crise econômica ou conflitos violentos e perseguições.

O Senegal é um país da África Subsaariana que, apesar de ser um dos países mais politicamente estáveis da região, tem sido fortemente atingido pela crise capitalista global e pelas mudanças climáticas.

Há décadas muitos senegaleses saem de seu lar para buscar trabalho em vários lugares do mundo, sendo o Brasil um dos principais destinos nos últimos anos. O Rio Grande do Sul tem sido o principal rumo dos imigrantes africanos, que precisam muitas vezes passar por mais de um país da América do Sul ou entrar no país pelo Acre e depois se dirigir ao sul, às vezes sendo forçados a buscarem a ajuda de coiotes (agentes que organizam travessias clandestinas nas fronteiras). E a cidade de Caxias do Sul tem recebido uma grande comunidade de senegaleses desde então.

Em entrevista ao Esquerda Diário, o senegalês Abdou Lahat Ndiaye, conhecido aqui em Caxias como Billi, relata:

Na verdade o Senegal é um país de imigrantes, tipo assim, todo mundo nasce pensando em viajar para melhorar a vida. A gente costuma dizer que todos os lugares do mundo já tem senegaleses, somos espalhados no mundo. E o motivo é a busca por serviço, acredito que seja só por falta de emprego, por isso que a gente sai pra imigrar. Porque se for ver o Senegal é um lugar paz, tranquilidade, amizade, não tem muita violência, a gente vê que lá é assim, só que falta muito emprego, tem muita gente desempregada, esse é o principal motivo pra gente sair e buscar uma melhora na vida

Billi também comentou sobre o avanço do deserto e do clima seco, o que tornou a agricultura muito difícil no Senegal apesar de ser um país predominantemente rural, e que por isso muitas pessoas saem das áreas rurais para tentar a vida na capital Dakar, mas mesmo a capital não consegue suprir a procura por emprego, levando muitos jovens das áreas urbanas e rurais a migrarem. Outro fator determinante para a falta de oportunidades é a perda do mercado de pesca para países desenvolvidos.

Ao ser perguntado sobre os recentes fenômenos de xenofobia na Europa e EUA e se ele acha que isso pode vir a acontecer no Brasil Billi diz:

"É difícil dizer que não, aqui no Brasil a gente vê que a imigração é uma coisa nova, que chegamos a pouco tempo e etc. Mas pode ser que amanhã quem sabe aconteça, porque nos outros países [até alguns anos] estava bem tranquilo na verdade mas agora que começou algumas coisas a dar problema. Então a gente tem medo que isso aconteça aqui, sabe, mas como a gente sempre fala, a gente sai atrás do nosso sonho e a gente não desiste por qualquer coisa, a gente pensa ’ah pode dar certo, pode ser que hoje esteja difícil, mas pode melhorar’, mas pode acontecer sim, nos outros países tava assim também, não tinha problema e tal, mas a gente vê agora que tá complicando e tal, então isso pode acontecer aqui também, quem sabe?"

Billi ainda afirma que “qualquer coisa que acontecer no país nós imigrantes vamos passar por culpados”. No momento em que Caxias começou a ser mais duramente atingida pela crise e as indústrias e o comércio começaram a demitir centenas de trabalhadores, surgiram comentários como “os imigrantes vem para cá roubar nossos empregos, que já são insuficientes para nós”.

E até mesmo uma declaração do prefeito Alceu Barbosa Velho/PDT de que “a prefeitura não tem o que fazer com esse bando de imigrantes”, apesar de que pouca ajuda é prestada por parte da prefeitura, a única assistência que os imigrantes encontram é o Centro de Atendimento ao Migrante, que os auxilia à providenciarem documentos brasileiros. Fora isso os imigrantes tem que “se virar” para arrumar um emprego precário ou vender artigos como meias, panos, relógios etc. no calçadão da Júlio.

Aqui no Brasil, o governo teve um discurso de “portas abertas” aos imigrantes, mas dando pouca ou nenhuma assistência para que eles se estabeleçam e tenham trabalho e vida digna no país, levando em conta apenas o interesse das indústrias em baixar os custos de mão de obra. Principalmente no sul do país onde muitos frigoríficos, que sempre foram um setor de ultra precarização do trabalho, aproveitam para baixar mais ainda os custos e condições de trabalho.

Caxias do Sul é uma cidade fundada por imigrantes estrangeiros, e mesmo assim existe racismo por parte de uma parcela mais conservadora da sociedade, que algumas vezes se expressa em insultos e até mesmo alguns casos de agressões contra os africanos. Billi diz que os senegaleses encaram isso sendo um povo unido “sempre saímos em 2 ou 3 na rua para nada de mal acontecer”, mas que mesmo tendo estes casos de preconceito, os imigrantes se sentiram bem recebidos e que muitas pessoas os ajudam.

Dentre as maiores dificuldades, Billi destaca a barreira do idioma, que dificulta muito o dia-a-dia, assim como dificulta a procura por emprego, atendimento médico etc. O racismo se expressa também na hora de arrumar um trabalho, muitas vezes não é por falta de capacidade ou adaptação ao idioma que estão desempregados, mas por puro preconceito.

Billi diz que apesar de todas as dificuldades os imigrantes não se abalam, lembram do porquê estão aqui e do futuro melhor que querem para eles e suas famílias, que na maior parte das vezes ficou para trás em seu país de origem.
No Brasil não está tendo uma forte onda de xenofobia como na Europa no momento, que enquanto a economia estava bem se aproveitava da mão de obra barata e precária dos imigrantes. Mas agora mesmo com milhares de africanos e árabes morrendo em travessias perigosas, a situação está sendo aproveitada pela direita xenófoba, que põe os imigrantes no alvo de um discurso de ódio que os responsabiliza pela crise e pela violência, para tentar livrar o capitalismo da responsabilidade.




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