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OPINIÃO | ‘Entretenimento on-line’ não substitui a escola

sexta-feira 20 de março de 2020 | Edição do dia

Tempos de acirrados debates e embates! Estamos perplexos com uma nova forma de sociabilidade em que fomos inseridos de forma abrupta, necessária e imprevisível. Hoje estamos isolados/solitários, quase exclusivamente conectados por uma parafernália digital que vai cumprindo o papel de ser eco de nossas inquietações, dificuldades, dúvidas e soluções.

E nesse debate/embate a escola ganha uma significativa centralidade, pois, mesmo considerando que nem todos os trabalhadores/as estão em isolamento e afastados de suas atividades profissionais, os/as seus filhos/as estão. E me parece que esse tem sido o debate: o que fazemos com as nossas crianças e adolescentes em casa, já que não estão na escola?

A escola tem sido esse lugar de sociabilidade, de moralização, de formação, de construção tecnicista ou emancipatória de conhecimento e cultura e de sua divulgação. Mas a escola é, também, lugar ‘de guarda’, de convivência obrigatória e, em algumas etapas, universal para milhões de brasileiros/as. Enquanto os seus filhos e filhas estão ‘guardados’/as, as famílias podem se ocupar de outros fazeres, a sua sobrevivência vinda do trabalho, o lazer, o estudo, o ócio e uma infinidade de coisas que a instituição escolar moderna possibilita com sua capilaridade quase unânime nas bases societárias atuais.

E isso é tão significativo, que esse papel de guarda tem se ampliado, seja por famílias mais abastadas e de classe média, seja em ações das políticas públicas, que têm procurado ampliar o tempo de ‘guarda escolarizada’ para nossos pequenos: cursos de inglês, de música, escola de turno único ou de tempo integral, enfim, uma crença, a despeito de toda desqualificação que nos últimos tempos têm vivenciado professores e escolas, que ela ainda é fundamental e necessária.

E me parece que é esse papel da escola que tem causado mais debates e embates: a ausência da escola como guarda tem levado gestores e famílias a cobrar dos professores ações que minimizem essa ausência. Ou seja, o debate não tem sido sobre as perdas de conhecimento sistematizado e didatizado que os nossos educandos estão vivenciando; um debate sério sobre o tempo escolar a ser reposto nos apertados calendários burocráticos, caso esse isolamento perdure por mais um ou dois meses, não está sendo feito e tenho convicção que o debate colocado pelos gestores públicos com suas ‘soluções on-line’, está longe de dar conta desse problema.

Mais especificamente, as estratégias veiculadas pelos diferentes responsáveis pelas pastas de Educação pelo Brasil afora e no Rio de Janeiro, parecem querer de forma populista e sem reflexão séria e consistente, dar conta da função da ‘escola como guarda’. Aos professores são solicitados vídeo-aulas, lives dinâmicas, PPT ágeis, listas de exercícios, acesso aleatório a material didático das redes oficiais, um mix de estratégias, que erroneamente chamam de EaD e que vão, em última instância, servir somente como ‘entretenimento on-line’, como espaço de ocupar/guardar os educandos em isolamento em suas casas.

Não podemos considerar que essas ações esparsas, emergenciais, realizadas sem planejamento e sem intencionalidade pedagógica podem ser espaços de substituição da escolarização. Ao chamar isso de escolarização, estamos erroneamente considerando que o que construímos na escola com nossos educandos pode ser substituído por ideias e ações de pronta hora, esparsas e aleatórias. O processo de didatização dos conteúdos em práticas escolares é muito complexo e se sedimenta e se modifica a partir de uma infinidades de processos complementares: as tradições curriculares, as práticas docentes, os saberes da experiência e das disciplinas de referência, enfim um processo amplo, onde nos debruçamos cotidianamente em acertos e erros, em alegrias e frustrações, enfim um processo que é feito em um espaço específico, com regras específicas e principalmente com trabalhadores docentes licenciados e qualificados para essa árdua, inquietante e bela tarefa, que é escolarizar.

Por hora podemos considerar que essas soluções não vão resolver a questão central que temos à frente: a reorganização dos calendários escolares. Me parece, no entanto, que esse não deve ser o debate da hora, pois estamos mergulhados no tempo do imprevisível, o que exige que as decisões sejam tomadas mais à frente. Nesse sentido, não podemos deixar de alertar aos pais e responsáveis que as experiências de ‘entretenimento on-line’, travestido de conteúdo escolar que estão sendo oferecidos a seus filhos, são de outra natureza e ordem daquela experiência de estar em escolas e ser escolarizado - o que, espero, possa ser restabelecido o mais breve possível.

E o debate sobre a EaD, a gente conversa em outros momentos, considerando o seu principal desafio, como garantir, em um país desigual como o nosso, acesso democrático aos dados e instrumentos/ferramentas da cultura digital em contexto de educação.




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