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MÚSICA | Edith Piaf, um canto de tragédias e amores

Em 19 de dezembro de 1915 nascia, em Belleville, um distrito na periferia de Paris de imigrantes, Edith Giovanna Gassion, que seria mundialmente conhecida como Edith Piaf anos depois e morreria em 11 de outubro de 1963. A cantora de “La vie en rose” ficou famosa no mundo inteiro e sua trágica história de vida ainda alimenta peças, musicais e filmes, como o lançado em 2007, que chegou ao Brasil com o título “Piaf – um hino ao amor”.

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

sábado 16 de maio de 2015 | 00:00

A trágica história de Edith começa pelo abandono prematuro que sofre pelos pais; a mãe Anetta Giovanna Maillard, mestiça de imigrantes, que trabalhava como cantora em um café, e o pai Louis-Aphonse Gassion, um acrobata de rua vindo da Normandia a abandonaram antes dos sete anos de idade quando foi viver com a avó materna, que mal cuidava dela deixando-a vivendo em uma saleta. Após 18 meses vivendo com a avó materna foi levada por seu pai para morar com sua avó paterna, que trabalhava em um bordel na Normandia. Edith foi, então, criada por prostitutas do bordel, em especial por Titine, que a criou como sendo sua própria filha.

Dos 7 aos 8 anos Edith foi acometida por uma cegueira causada por uma doença, Titine a levou ao túmulo de Santa Tereza e após isso ela passou a enxergar, acreditando que foi a santa que a curou. Depois desse acontecimento, até o fim de sua vida Piaf preservou uma devoção a santa.

Em 1922 o pai de Edith decidiu criá-la levando-a consigo para os circos itinerantes em que trabalhava. A separação de Titine, a prostituta que tinha se tornado sua mãe, foi extremamente dolorosa. Esse período em que viveu no bordel onde sua avó trabalhava foi apenas a primeira vez em que Edith habitou esse tipo de ambiente; como sempre viveu na periferia, à margem das grandes cidades, a prostituição era uma realidade muito próxima desde sua infância.

Seu pai passa de certa maneira a explorá-la nesse período colocando-a para se apresentar cantando; atividade que o dava mais lucro do que suas apresentações pífias. Aos 15 anos Edith o abandona e passa a viver de sua cantoria com sua amiga Simone Berteaut, apelidada de Momone pela cantora, que foi sua melhor amiga até o fim de sua vida. As duas viviam no subúrbio de Paris e ganhavam dinheiro cantando em cafés e nas esquinas; onde seria descoberta em 1935 por Louis Leplée, seu primeiro mentor. Há um acontecimento nesse período, que demonstra o lugar que a mulher tinha na sociedade de então – e que até hoje não é muito diferente -; por ter saído de casa aos 15 anos, Simone foi levada pelas autoridades a um posto de correção feminina a mando de seus pais. Ou seja, a mulher que não obedecia aos pais e saía de casa era mandada a um lugar onde seria corrigida. É nesse cenário que Edith conseguiu se tornar uma grande cantora, que dava voz a suas tragédias e tinha a vida pessoal devassada na mídia por seus inúmeros relacionamentos, que refletiam a liberdade que tinha para amar a quem quisesse, mesmo que parte desses relacionamentos fossem baseados no interesse, ela sempre se colocou como dona de si para se relacionar com quem quisesse e na posição de superiora artística e financeiramente a seus companheiros; uma postura que mulher nenhuma podia ousar ter.

Aos 18 anos Edith teve sua única filha com o entregador Louis Dupont, um jovem tão pobre quanto ela. A pequena Marcelle morreu aos dois anos de idade vítima de meningite. Edith nunca cuidou bem de sua filha e escondeu o fato de que um dia Marcelle existiu durante toda a sua carreira; fato que só foi revelado após a sua morte. Edith repetiu com a sua filha a história que sua mãe teve com ela, com a diferença de que Piaf sobreviveu a primeira infância; uma história que se repetia aos milhares nos subúrbios de Paris e do mundo - e que continua a se repetir: a menina que teve uma filha muito cedo com um namorado qualquer e que não soube e não conseguiu cuidar da filha, pois tinha que antes conseguir uma maneira de garantir sua própria sobrevivência.

Logo em seguida passou a se relacionar com um cafetão chamado Albert para que ele não a forçasse a se prostituir, mas em troca ele ficava com todo o dinheiro que Edith ganhava cantando nos cafés dos subúrbios. Rompeu com esse relacionamento quando sua amiga Nadia, uma das prostitutas de Albert, se suicidou porque não queria mais ser prostituta. Foi esse ambiente que formou Edith, e foi essa história de vida, anterior à fama, que ela cantou em suas musicas.

Em 1935 foi descoberta por Louis Leplée cantando em uma esquina em troca de moedas para comer. Foi Louis que a batizou de “Le môme Piaf”, em português “O pequeno pardal” e a levou a fama imediata com seu primeiro disco intitulado “Les Mômes de la cloche” em 1936 pela gravadora Polydor (importantíssima gravadora da época).

Esse período de sua fama acaba com o assassinato de Leplée por bandidos que frequentavam os mesmos subúrbios de Edith, o que lhe acarretou uma acusação de ter sido cúmplice no assassinato de seu empresário. Ela só voltou a fama pelas mãos de Raymond Asso, empresário da indústria musical, que a reensinou a cantar e se portar no palco e reformulo a imagem de “Le môme Piaf”, que era uma imagem de menina inocente vinda da periferia, para a Edith Piaf, a mulher passional, que cantava seus dramas no palco – imagem que ficou eternizada.

Edith possui em sua história muitas controvérsias tanto na vida pessoal com seus inúmeros relacionamentos com companheiros muito mais jovens que conseguiram a fama através dela, quanto em sua vida artística quando, por exemplo, continuou se apresentando na França durante a ocupação alemã; sendo, por isso, acusada de traidora.

Seu grande sucesso “La vie en rose”, foi gravado em 1945. A canção, uma das maiores canções de amor de todos os tempos, fala do amor clichê, que cura todas as tristezas e torna a vida cor de rosa – uma ilusão na qual Edith acreditou sempre buscando novos relacionamentos e amores para viver ao longo de sua vida. E o sucesso internacional veio após a segunda guerra mundial com um inicio difícil, que foi logo superado. Foi nessa época, em 1948, que conheceu o grande amor de sua vida, o pugilista Marcel Cerdan. Um ano após começarem a se relacionar Marcel morreu em um acidente de avião quando ia visitar Edith a seu pedido. Essa tragédia foi o estopim ao vício da cantora em morfina, que ela já vinha usando para curá-la das dores causadas pela poliartrite aguda, que vinha degenerando sua saúde.

Em 1958, quase dez anos depois do início da sua doença, ela sofre um grave acidente de carro que a deixa ainda mais doente, porém não a impede de tentar voltar para o palco do qual ela dependia para viver. Em 1960, aos 44 anos, com a saúde debilitadíssima grava “Non, je ne regrette rien”, a música que segundo ela era a perfeita síntese da sua vida; música na qual ela canta que não lamenta nada, nem seus amores e nem dores, suas felicidades e tragédias.

Três anos depois, aos 47 anos ela morre de hemorragia interna enquanto dormia. Foi sepultada no cemitério Pére-Lachaise, onde estão enterrados de Júlio Cortazar a Jim Morrison, e até hoje sua lápide é uma das mais visitadas e homenageadas. Seu funeral foi acompanhado por uma multidão na capital francesa.

Edith Piaf conseguiu ser uma mulher dona do seu próprio desejo e conseguiu voz para cantar suas tragédias, sua infância entre prostitutas, tratadas como o mais miserável que os subúrbios tinham a oferecer, e mesmo vinda desse ambiente foi vendida como o mais fino da chanson francesa; cantou sua fragilidade física em sua voz forte. Porém o que matou Edith foi ela não conseguir ser além da sua voz, existir para além dos palcos; era isso que movia o ímpeto auto destruidor dela que a levou a viver seus últimos dias de vida em uma casa regada a banquetes e bebidas. Piaf foi dessas cantoras que se doou no palco e se eternizou em sua voz, mas, que como Amy Winehouse e Janis Joplin, não suportou a realidade fora dos palcos e causou sua própria destruição; da classe de intérpretes com personalidade raras, que despontam poucas vezes entre uma indústria que produz cada vez mais “mais do mesmo”.




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