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PÔS-GRADUAÇÃO | É sempre culpa da CAPES? uma conversa sobre bolsas e direitos

Mauro SalaCampinas

segunda-feira 7 de março de 2016 | 15:48

Todo ano, ao se iniciar o calendário letivo da pós-graduação, ouço estudantes falarem sobre as exigências e dificuldades em relação às bolsas de pesquisa.

Muitos mal-entendidos existem sobre essa questão. Muitos Programas de Pós-Graduação agem num misto de desconhecimento e arbitrariedade, dificultando e/ou impedindo o acesso à bolsa e estabelecendo exigências absurdas.

Podemos resumir em dois grandes problemas que esses estudantes enfrentam: 1) estabelecimento de normas que impedem o efetivo acúmulo da bolsa com sua atividade remunerada; 2) exigências especiais para os bolsistas que não estão previstas no regimento geral do programa, como prazo menor, impossibilidade de licenciamento etc.

Vamos por parte:

A forma mais comum que os Programas de Pós-Graduação utilizam para obstacularizar o acesso à bolsa ao trabalhador-pós-graduando é estabelecer um limite de carga horária para o acúmulo da bolsa com atividade de trabalho remunerada.

Por exemplo, o Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP, no Regulamento CPG no 03/2010 (que estabelece os critérios e normas para a concessão, avaliação e manutenção de Bolsas de Estudo CAPES/CNPq), estabelece, no seu artigo 13o, que “o estudante poderá, excepcionalmente, acumular Bolsa com atividade profissional remunerada, desde que esta atividade seja relacionada ao ensino ou à pesquisa e não ultrapasse 12 horas semanais”.

É interessante que a própria CAPES/CNPq não estabelecem nenhuma limitação de carga horária para tal acúmulo. Na Portaria conjunta CAPES/CNPq no 1, de 15 de julho de 2010, podemos ler:

“Art. 1o Os bolsistas da CAPES e do CNPq matriculados em programas de pós-graduação no país poderão receber complementação financeira, proveniente de outras fontes, desde que se dediquem a atividades relacionadas à sua área de atuação e de interesse para sua formação acadêmica, científica e tecnológica.

$ 2o Os referidos bolsistas poderão exercer atividade remunerada, especialmente quando se tratar de docência como professores nos ensinos de qualquer grau.

Art. 2o Para receber complementação financeira ou atuar como docente, o bolsista deve obter autorização, concedida por seu orientador, devidamente informada à coordenação do curso ou programa...”

Nenhuma palavra sobre limite de carga horária encontramos na Portaria conjunta CAPES/CNPq no1. A única exigência é ter a autorização do orientador.

Mas mesmo assim, querendo ser mais realista que o rei, o Programa de Pós-Graduação em Educação da UNICAMP estabelece esse limite absurdo de 12 horas semanais. Primeiro porque é contrário à própria normativa da CAPES/CNPq; segundo porque parece que a Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP não conhece a realidade laboral das professoras e professores, sobretudo os da educação básica pública.

Não há nenhuma jornada de trabalho de 12 horas semanais disponível na rede pública de educação básica. Mesmo a antiga jornada reduzida da rede estadual não consta mais como uma opção para a jornada docente, sem falar que as professoras da educação infantil e dos anos iniciais do fundamental tem, por regra, jornadas de 30 horas semanais.

Assim, a Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP não permite que nenhum professor efetivo das diversas redes publicas de educação básica figure em seus quadros como bolsistas, apesar das inúmeras pesquisas que atestam a baixa remuneração, por um lado, e o impacto positivo da formação para a prática docente, por outro.

Diversos outros Programas de Pós-Graduação, tanto da UNICAMP quanto de outras universidades, tomam medidas restritivas e anti-trabalhador em suas normas e critérios de seleção para seus bolsistas. Temos que ter claro que essa medida é uma ação de suas próprias coordenações, não podendo, nesse caso, ser imputado à CAPES e/ou ao CNPq essa responsabilidade. O ônus dessa medida reacionária cabe aos próprios Programas de Pós-Graduação que as toma.

Vamos ao segundo problema: o estabelecimento de exigências especiais para os bolsistas, como prazo menores, impossibilidade de trancamento, em contradição com o que está estabelecido em seus próprios regulamentos.

Muitos Programas obrigam os seus candidatos a bolsistas a assinarem um termo de compromisso para a concessão da bolsa onde consta que eles terão que defender suas dissertação e teses num prazo menor do que o estabelecido pelo regimento do próprio programa.

Novamente podemos recorrer ao exemplo do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNICAMP.

No Regulamento do Programa podemos ler: “Art. 3º - O Mestrado tem duração mínima de doze meses e máxima de trinta e seis meses e o Doutorado tem duração mínima de vinte e quatro meses e máxima de sessenta meses.”

Já no Regulamento CPG no 03/2010, que trata das bolsas, está escrito: “Art. 11o O aluno que receber bolsa da cota do Programa deverá concluir o mestrado em no máximo 30 meses e o doutorado em no máximo 48 meses de curso”.

Assim, podemos ver que aos bolsistas é negado o direito de usufruir integralmente do prazo estabelecido pelo próprio Regulamento Geral do Programa. No momento de acessar o direito à bolsa, o candidato tem que assinar um termo de compromisso se comprometendo com os novos prazos.

Isso é um absurdo! Seria a mesma coisa que pedir para um desempregado assinar um documento abrindo mão do seu décimo terceiro ou férias para ser contratado. Isso não tem valor legal nenhum, além de também ser uma forma de assédio e violência institucional contra os estudantes bolsistas, já que são obrigados, diante de uma relação desigual de força e de direito, a abrir mão de um direito consagrado em norma superior.
Mas para ser justo, terei que dizer que não é só no Programa de Pós-Graduação em Educação que isso acontece.

Para trazer outro exemplo, podemos lembrar que os candidatos à bolsa do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do IFCH também são coagidos a assinar um documento semelhante.

No “termo de concessão de bolsas do doutorado em Ciências Sociais”, o candidato tem que se comprometer a “respeitar os prazos do Programa nas seguintes cláusulas: 4) Defender minha tese até fevereiro (48 meses após o ingresso Curso); 5) não realizar nenhum trancamento/licenciamento no curso.”

Esse termo também é um absurdo. Primeiro porque na Deliberação CEPE-A-991/1992, de 19/08/1992, que estabelece o Regulamento do Programa, está escrito textualmente que “Artigo 15 – A Tese do Doutorado deverá ser apresentada no prazo máximo de 5 (cinco) anos, contados a partir da data da primeira matrícula do aluno no curso. Regimentalmente o aluno terá direito a um máximo de (dois) anos de licença.”

Assim, numa só tacada, e passando por cima das normas dispostas e dos direitos do estudante, o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais do IFCH, diminui o prazo e impossibilita qualquer tipo de afastamento do estudantes-bolsista. Aqui também fazem o estudante se comprometer com esse absurdo mediante a assinatura de um termo de consentimento que, sob todos os aspectos, é assinado mediante coerção: ou assina ou não terá sua bolsa.

Mas não é apenas o Regulamento geral do Programa que permite licença para o estudante. Também a CAPES, na Portaria no 76, de 14 de abril de 2010, também o permite. Nela podemos ler: “Art. 11. O período máximo de suspensão da bolsa, devidamente justificado, será de até dezoito meses e ocorrerão nos seguintes casos: I- de até seis meses, no caso de doença grave que impeça o bolsista de participar das atividades do curso e para parto e aleitamento; II- de até dezoito meses, para bolsista de doutorado, que for realizar estágio no exterior… $ 1o A suspensão pelos motivos previstos no inciso I não será computada para efeito de duração da bolsa; $2 É vedada a substituição do bolsista durante a suspensão da bolsa.”

Assim, a própria CAPES não só permite a suspensão da bolsa como o estudante poderá, ao retornar, fazer jus a ela novamente.

Mas como nas Ciências Sociais ninguém acredita em profeta desarmado, o termo de compromisso já prevê a penalização para quem descumprir o combinado imposto, que vai do simples “cancelamento da bolsa”, até o “cancelamento do vínculo de orientação e posterior desligamento” e à “possível devolução das parcelas recebidas”.

Assim, sob coação e ameaça o estudante-bolsista deve se submeter a um regime diferenciado, que via de regra diminui e relativiza seus direitos.

Utilizei esses dois exemplos porque eram eles que estavam à mão, mas outros estudantes poderão dizer o que acontecem em seus cursos também.

Acho que precisamos pensar sobre o assédio das Pós-Graduações.




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