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ALTA DO DÓLAR | Dólar bate recorde e chega a 4,50. E o que isso significa?

Por que o dólar aumentou tanto, quem sai ganhando na conta de Paulo Guedes, e como são afetadas nossas condições de vida?

Elisa CamposFilosofia - UFMG

sexta-feira 28 de fevereiro de 2020 | Edição do dia

Ao longo das últimas semanas já se instalava um alerta com o dólar alcançando 4,38. Nessa quinta, (27) ele chegou a 4,50, e às 16h abaixou um pouco para 4,47. Enquanto isso, o ministro da economia Paulo Guedes demonstra tranquilidade com o aumento, e ainda declarou abertamente seu racismo e elitismo em uma frase nada casual sobre o poder de compra das empregadas domésticas. “Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada.”, disse. Em uma tentativa desastrada de consertar a frase, disse para os trabalhadores fazerem sua quarta viagem do ano para a Disneylândia, e as outras três dentro do país, sendo que estamos com 12,6 milhões de pessoas desempregadas no Brasil atualmente, com um aumento constante da informalidade do trabalho. Um absurdo completo, mas não totalmente inesperado para quem antes já evocou o AI-5 e chamou os servidores públicos de parasitas.

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Mas afinal, por que o dólar aumentou tanto? Quem sai ganhando na conta de Paulo Guedes? Como são afetadas nossas condições de vida?

Primeiramente, apontaremos 4 razões para que o crescente aumento do dólar esteja nas capas dos noticiários. A primeira e a segunda, podemos dizer, mais econômicas em geral, e a terceira e a quarta mais conjunturais.

A primeira delas tem a ver com o fato de atualmente convivermos com uma queda da taxa básica de juros no Brasil, a conhecida SELIC, que mede a taxa de juros de transações entre o governo federal e os bancos. A queda dessa taxa acaba diminuindo os investimentos estrangeiros no Brasil, pois reduz também sua margem de lucros, o que leva ao aumento de investimentos em outros lugares, mas principalmente nos EUA, berço do mercado financeiro. Claramente Guedes demonstra mais preocupação com os juros do que com a taxa de câmbio, veremos porquê mais a frente. A segunda razão tem a ver com a perspectiva econômica mundial em geral, que demonstra cada vez mais sinais de desaceleração, o que também impacta o aumento do dólar.

A terceira razão para o aumento do dólar se relaciona profundamente com a incerteza sobre as consequências do coronavírus no mundo. A China foi fortemente afetada, com uma queda da bolsa chinesa de 9% após o feriado lunar, e com perspectiva de queda de 1% ou mais no PIB chinês. O PIB mundial, é claro, também será afetado. A cadeia de valor (termo econômico para se referir às circulações comerciais envolvidas na produção industrial, de automóveis por exemplo) já foi afetada pelo fechamento temporário de grandes malhas industriais chinesas. Na província de Wuhan, epicentro do novo vírus, estava também um dos principais produtores chineses de automóveis e aço, e grandes multinacionais como Honda, Apple, Toyota, Microsoft mantiveram suas sedes e fábricas na China fechadas devido ao surto, afetando ainda sedes de outros países. Aos que gostam de um cafezinho, a Starbucks só muito recentemente reabriu suas centenas de lojas fechadas na China. Para evitar esse aumento, no entanto, declarações do mainstream como a da presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde já dizem que o efeito do coronavírus na economia é temporário, sem efeitos duradouros, e que está sendo monitorado.

A quarta razão tem a ver com as declarações de Guedes. O próprio Bolsonaro já reclamou que o dólar está alto para o cidadão, mas Guedes mantém sua afirmação de que esse aumento não é um problema, que é um patamar normal, confortável. Ora, a cada declaração de uma equipe econômica sobre valores o mercado financeiro responde com um teste de até onde pode especular. Vindas do próprio ministro, o mercado tende a pressionar com mais força a afirmativa do governo. Por isso, essas declarações são também uma razão para o aumento do dólar. Depois da declaração do ministro sobre as empregadas domésticas, o Banco Central interviu na venda de dólares à vista ao mercado para segurar o aumento da moeda (como já fez em novembro de 2019, frente a outra declaração de Guedes).

Então, por que Guedes não se importa com o dólar alto, e inclusive parece não querer o dólar baixo? Quem ganha com essa política? No fim das contas, quem ganha, geralmente, é o exportador. No Brasil, isso significa o agronegócio e as indústrias primárias. Isso acontece pois o se o dólar está alto o exportador consegue cobrar menos do produto em dólares, e na reversão para o real os lucros se tornam maiores. Inversamente, para o exportador o dólar baixo não favorece o comércio, pois o produto brasileiro fica menos competitivo no mercado internacional, e os produtos importados também acabam entrando mais baratos no país. Ou seja, para Guedes, a combinação da alta do dólar com a taxa básica de juros reduzida é bom por aumentar as exportações de produtos brasileiros e substituir importações. Mas é justamente nessa substituição interna de importações que as condições de vida podem se tornar mais caras. Assim entramos em nossa terceira e última pergunta: como o aumento do dólar afeta as condições de vida?

A substituição de importações pelo produto nacional não significa necessariamente uma diminuição do custo. Antes, com o possível aumento da inflação devido à alta do dólar, o que acontece de fato é que o produto se torna mais caro, e o trabalhador perde poder de compra sem o reajuste do salário.
Se dá então uma espécie de transferência de renda, onde o dinheiro dos trabalhadores, comprando mais caro o produto nacional, é transferido ao exportador, aumentando os lucros dos grandes empresários e da burguesia nacional enquanto mina cada vez mais as condições de vida da população.

Apesar de Paulo Guedes também afirmar não se preocupar com o aumento da inflação, já há impactos da alta do dólar na inflação, apesar das previsões econômicas dizerem que ela não aumentará tanto como em 2019. Mas alguns produtos fundamentais se tornam mais caros no bolso. A gasolina e o gás são alguns deles, visto a política da Petrobrás de pautar os preços do petróleo em relação ao preço internacional - uma herança do governo golpista de Temer -, além do avanço da precarização forçada e das privatizações da empresa. Impossível não se lembrar de como os trabalhadores da Petrobrás, que estiveram em greve durante 21 dias, fizeram distribuições de gás de cozinha a preço baixo em diversos lugares pelo país, dando uma amostra do que significaria se a estatal estivesse nas mãos dos trabalhadores e realmente voltada a corresponder aos interesses da população.

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Produtos que também sofrem alta são os que o Brasil importa muito, como o trigo, o que reverbera diretamente no preço do pãozinho da padaria. Sem falar ainda dos remédios e dos produtos tecnológicos. O que pode também acontecer é o exportador, de acordo com o que lhe convir, preferir exportar os produtos do que vendê-los internamente, e se a demanda pelo produto continuar a mesma e sua oferta estiver diminuída, o preço aumentar, como já vimos acontecer muitas vezes com o tomate, o café e o feijão.

Vimos, portanto, que a política do governo Bolsonaro se esforça em manter e aumentar os lucros da burguesia nacional aliada ao mercado internacional, ao mesmo tempo que se sujeita à especulação do capital financeiro. A crise que se desenvolve a nível mundial foi criada pela burguesia, mas não encontra nela sua solução. Paulo Guedes é parte estruturante do Estado, ao abater sobre a população o peso insustentável da crise através de políticas econômicas interessadas e da retirada sistemática de direitos. Por isso a administração ou a reforma do Estado como se encontra hoje, sem uma perspectiva de destruí-lo completamente, estará sempre a serviço de atender a classe a qual ele serve de instrumento. Nos colocamos cotidianamente a serviço de uma nova organização econômica-política em que os trabalhadores sejam sujeitos, junto a todos os setores oprimidos, para impor os interesses da maioria da população à essa minoria que tripudia com nossas vidas em favor do lucro.




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