Logo Ideias de Esquerda

Logo La Izquierda Diario

SEMANÁRIO

Do PSOL ao NPA: a esquerda argentina e a adaptação à conciliação de classes no terreno internacional

Matías Maiello

Daniel Matos

Do PSOL ao NPA: a esquerda argentina e a adaptação à conciliação de classes no terreno internacional

Matías Maiello

Daniel Matos

O artigo que publicamos abaixo foi ao ar originalmente no Ideias de Esquerda argentino e busca debater com as correntes da esquerda argentina sobre sua atuação no cenário internacional, com centralidade para as experiências no PSOL e no NPA francês.

A política da Izquierda Socialista (IS), do MST e do Nuevo MAS argentinos, diante dos debates que cruzam a esquerda na França e no Brasil, refletem distintos graus de adaptação às políticas de conciliação de classes que atravessam as formações chamadas de "partidos amplos", como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ou o Novo Partido Anticapitalista (NPA). Num sentido aparentemente oposto, o Partido Obrero (PO argentino) e o grupo de Altamira, sem tirar conclusão alguma de sua prática internacional no passado, agora se abstêm de ter uma política em relação a esses fenômenos. Como complemento da política errática no terreno internacional, particularmente o NMAS e Altamira se recusam a fortalecer a luta pela independência de classe na Argentina. Uma combinação de características oportunistas e sectárias que levou ao retrocesso de todas essas correntes.

Nesse panorama, o surgimento de dirigentes operários trotskistas de destaque na França e no Chile, que lutam pela independência política da classe trabalhadora, como expressão da fusão do marxismo com setores da vanguarda operária, mostra outro caminho.

Partidos "amplos", conciliação de classes e eleitoralismo

Os principais debates da esquerda no Brasil e na França atualmente não são sobre como combater a política de Bolsonaro e Macron de descarregar a crise econômica e sanitária nas costas dos trabalhadores. Não se discute a melhor forma de enfrentar a trégua das centrais sindicais e movimentos sociais dirigidos pelo PT ou pela centro-esquerda francesa, funcionais aos ataques capitalistas em plena crise. Ao contrário, a pressão para apoiar a centro-esquerda reformista como alternativa eleitoral contra candidatos de direita e de extrema direita em ambos os países exerce forte pressão sobre as correntes de esquerda. Algo semelhante ao que vivemos na Argentina após as jornadas de luta contra a reforma da previdência de Macri em dezembro de 2017, quando a oposição peronista kirchnerista garantiu a paz social para canalizar o descontentamento das massas para as eleições de 2019.

No caso do PSOL no Brasil, uma ala do partido defende não ter candidato próprio à presidência nas próximas eleições para apoiar Lula já no primeiro turno. Um Lula que saiu da prisão defendendo o "perdão" aos que deram o golpe institucional contra o PT, não fala uma palavra sequer sobre a necessidade de reverter os ataques estruturais implementados pelo golpismo, e busca desesperadamente alianças com os golpistas não bolsonaristas para disputar as próximas eleições. Enquanto isso, outra ala do PSOL quer que o partido tenha candidato presidencial próprio, propondo a pré-candidatura do deputado federal Glauber Braga.

No caso do NPA da França, como debatemos em outro artigo, a ala direita do partido, dirigida pelas correntes mandelistas herdadas da Liga Comunista Revolucionária de Ernest Mandel, defende uma frente eleitoral com a centro-esquerda que se postula para administrar o Estado capitalista. Esta hoje é liderada por Jean-Luc Mélenchon, que foi membro do Partido Socialista por quatro décadas, rompendo em 2008 para formar o Partido de Esquerda e depois o movimento político-eleitoral Francia Insoumise [França Insubmissa, NdT]. Uma “esquerda institucional” que busca aliar-se ao Partido Socialista e aos Verdes, responsáveis ​​pelos ataques neoliberais sob seus governos na França e por toda a Europa.

Tanto no Brasil quanto na França, a política de adaptação às frentes de conciliação de classes gera divisões na esquerda. No PSOL, contra os que defendem o apoio a Lula já no primeiro turno, várias correntes internas do partido se unem em defesa da pré-candidatura presidencial de Glauber Braga para 2022. No NPA, o partido se divide entre: uma ala direita que promove acordos com Mélenchon; uma ala de centro que resiste verbalmente a esses acordos, embora nos fatos colabore para que a política da direita avance; e, finalmente, uma ala esquerda que luta para refundar o NPA como um partido com um programa e estratégia revolucionários.

Essa ala esquerda dentro do NPA é a expressão da fusão da Corrente Comunista Revolucionária, organização-irmã do PTS na França [e do MRT, no Brasil, NdT], com o melhor da vanguarda operária que emergiu dos processos da luta de classes que esse país atravessou nos últimos anos. São dezenas de trabalhadoras e trabalhadores que se aproximam do trotskismo, que estiveram na vanguarda de grandes greves como a ferroviária em 2018, a revolta dos Coletes Amarelos, a grande greve dos transportes públicos que paralisou Paris durante semanas contra a reforma previdenciária de Macron e, mais recentemente, a greve da refinaria de Gandpuits, da petroleira Total, contra as demissões em massa. Há entre eles organizadores operários que se destacaram em cada um desses processos por impulsionar a unidade na ação com movimentos de combate à xenofobia, ao racismo, à perseguição aos imigrantes e à destruição do meio ambiente, dando exemplos de alianças entre trabalhadores, estudantes e os setores mais oprimidos da população. Essa foi a base da enorme simpatia conquistada pela pré-candidatura presidencial de Anasse Kazib, dirigente ferroviário descendente de imigrantes marroquinos que se destacou como referência naquele ciclo de lutas e cuja pré-candidatura presidencial a CCR colocou à consideração das correntes que reivindicam a independência de classe no NPA para simbolizar a batalha pela refundação desse partido em chave revolucionária, contra o projeto de conciliação de classes da ala direita mandelista.

Vejamos como se situam as correntes do trotskismo argentino diante desses acontecimentos que atravessam a esquerda internacional...

IS, MST e NMAS juntos contra a independência de classe no Brasil

Para o NMAS, “a pré-candidatura de Glauber Braga é o instrumento vital na luta contra o frentepopulismo”. Para o MST, Braga “reflete a oposição de grande parte da militância ao liquidacionismo daqueles que se rendem ao projeto de conciliação de classes”. A corrente brasileira da Esquerda Socialista, em artigo intitulado "Batalha pela independência de classe no PSOL", afirma que Braga "tem credenciais para apresentar uma mensagem para fora, para que o partido batalhe para ser uma representação política das lutas que existem e daquelas que estão por vir”. É este o caso?

Glauber Braga iniciou sua carreira política em 2001, ocupando secretarias no governo de sua mãe, em um município da região metropolitana do Rio de Janeiro. Mãe e filho pertenciam ao Partido Socialista do Brasil, o PSB, onde Braga passou os primeiros 15 anos de sua carreira política. Tendo a pomba da paz como símbolo e o nacionalista burguês Roberto Mangabeira Unger como ideólogo, o PSB nesse momento era controlado pelo populista Anthony Garotinho, governador do Rio de Janeiro durante a ofensiva neoliberal de 1994 a 2002. A partir de 2003, o partido passa ao controle do clã oligárquico da tintura nacionalista burguesa da família Arraes/Campos do nordeste brasileiro.

Braga foi eleito deputado federal pela primeira vez pelo PSB em 2010, quando esse partido ainda se entusiasmava com a coalizão de governo nacional do PT. Em 2014, quando obteve sua primeira reeleição, Braga apoiou a candidatura presidencial da neoliberal Marina Silva, defensora das reformas previdenciária e trabalhista, apoiada por um dos maiores bancos brasileiros (Itaú) e um dos principais monopólios de cosméticos do país (Natura). Em 2016, o PSB termina apoiando o golpe institucional contra Dilma Rousseff e integrando o governo do golpista Michel Temer. Glauber Braga havia migrado para o PSOL em 2015, após ter perdido a presidência do PSB no Rio de Janeiro.

Sua pré-candidatura não ganharia importância se não fosse pelo apoio de Luiza Erundina e do Movimento de Esquerda Socialista (MES) de Luciana Genro e Sâmia Bomfim; dirigido pelo ex-dirigente do antigo MAS argentino, Pedro Fuentes. Quem é Erundina? O que é o MES?

Luiza Erundina se fez conhecida por assumir a prefeitura de São Paulo em 1988. A primeira candidata do PT a conquistar uma importante prefeitura do país, responsável também pela primeira repressão por parte de um governo petista a uma greve de trabalhadores. Em 1992, diante de uma enorme greve de 9 dias da Companhia Municipal de Transportes Coletivos, Erundina autorizou o uso de forças repressivas para atacar os piquetes e proteger os fura-greves, resultando na prisão de pelo menos 50 ativistas. Posteriormente, rompe com o PT e ingressa no partido que era o berço político de Glauber Braga, o PSB, para ingressar como ministra do governo de Itamar Franco (vice-presidente do direitista Collor de Mello destituído por corrupção). Erundina é atualmente deputada federal pelo PSOL.

Por sua vez, o MES tem em seu currículo ter recebido financiamento do maior empresário da siderurgia brasileira, Jorge Gerdau. Além disso, foi um defensor entusiasta do juiz Sérgio Moro. Sim, o mesmo que, sob a égide do Departamento de Estado dos Estados Unidos e em articulação com os cartéis internacionais do petróleo e toda a rançosa direita do país, articulou o golpe institucional que acabou tirando o PT do poder.

Apesar de estarem divididas quanto à tática eleitoral em 2022, as duas alas que se enfrentam no PSOL têm 100% de acordo em preservar e promover os laços estratégicos do partido com o PT para intervir em comum o máximo possível nas questões candentes da realidade nacional. Nenhuma das duas alas em disputa questiona o bloco partidário com os governadores e bancadas parlamentares do PT para defender o impeachment de Bolsonaro, que resultaria em nada menos que a posse do general Mourão como novo presidente da república. Tampouco questionam a adaptação do PSOL à trégua das burocracias sindicais do PT diante dos brutais ataques do governo Bolsonaro. Ao contrário, na prefeitura de Belém do Pará, o prefeito do PSOL ameaça implementar uma reforma previdenciária.

Como o Movimento Revolucionário de Trabalhadores (organização-irmã do PTS no Brasil) tem insistido, é necessário construir um polo de luta comum pela única política capaz de enfrentar o regime golpista como um todo e construir uma alternativa revolucionária ao PT e à direção do PSOL: unir forças em torno da agitação de um programa anticapitalista para enfrentar a crise econômica e sanitária, ligando a organização da vanguarda operária à luta para impor, com a mobilização das massas, uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana que acabe com o legado golpista e debata um programa para que os capitalistas paguem pela crise.

Mas essa necessidade não tem importância no debate interno do PSOL, em que domina o fio condutor das longínquas eleições de outubro de 2022. Como não existe a possibilidade de coalizões eleitorais para cargos legislativos no Brasil (há apenas coalizão para cargos executivos), o que está em jogo na "grande disputa" no interior do PSOL é qual seria a melhor via para conquistar o que na Argentina se conhece como "corte de boleta" [expressão em espanhol para divisão de votos em siglas partidárias, NdT]. Um fenômeno generalizado que já verificamos nas eleições de 2018, quando o candidato à presidência do PSOL, Guilherme Boulos, obteve 0,58% dos votos; enquanto os candidatos a deputado obtiveram mais de 8% no Rio de Janeiro e mais de 4% em São Paulo, por exemplo, elegendo 10 cadeiras em todo o país. Ou seja, parte importante dos votos de seus deputados foi obtida a partir do petista Fernando Haddad, o que também foi viabilizado pelo sistema de votação eletrônica no Brasil. Falando em termos simples: no quadro de que ambas as alas pressupõem muito “corte de boleta”, uma opina que poderia se sair melhor direto com Lula e outra, com candidatura própria. Ao mesmo tempo que ambas as alas concordam em rejeitar Bolsonaro no segundo turno de qualquer forma, mesmo que a alternativa signifique uma consolidação da herança do golpe institucional.

Coerente com essa indistinção de ambas as alas na aliança estratégica do PSOL com o PT e os seus objetivos estritamente eleitorais, o Manifesto de lançamento da pré-candidatura de Braga para 2022 não diz uma só palavra sobre o papel dos sindicatos e movimentos sociais dirigidos pelos petistas na trégua que impede o desenvolvimento de qualquer resistência séria aos ataques em curso. É o que se esconde atrás da “grande luta pela independência de classe” que o MST, a IS e o NMAS postulam em apoio à candidatura de Glauber Braga no Brasil. Tanto por seu programa, por sua trajetória, e por não ter a menor relação com as organizações dos trabalhadores, é uma verdadeira farsa afirmar que se trata de uma candidatura de “independência de classe”.

Ver também: A esquerda brasileira diante da crise terminal do NPA e os partidos amplos

Oportunismo e sectarismo: duas faces da mesma moeda contra a independência de classe

Mas não se trata apenas de apoio externo a uma política de conciliação de classes. Nas últimas eleições municipais do Brasil, na cidade de Santo André (São Paulo), uma das poucas em que tem alguns militantes, a corrente brasileira do NMAS, Socialismo ou Barbárie, integrou com sua candidata a vice-prefeita uma chapa encabeçada pelo partido golpista "Rede". Sim, integrou uma chapa com o partido de Marina Silva, que, como explicamos acima, foi uma neoliberal apoiada pelo Banco Itaú e outros grandes monopólios capitalistas nas eleições presidenciais de 2014.

Seguindo a máxima de Trotski, para quem oportunismo e sectarismo são duas faces da mesma moeda, complementando a integração oportunista das alianças de centro-esquerda do PSOL que apontamos anteriormente, tanto na França quanto na Argentina o NMAS rejeita a possibilidade de fortalecer a luta pela independência de classe.

Na França, como debatemos neste artigo, o NMAS - com militantes soltos que não pertencem, lá, a nenhuma corrente política - declara seu rechaço ao apelo da CCR para que todas as correntes que reivindicam a independência de classe dentro do NPA lutem juntas para refundá-lo como um partido da luta de classes. Em contrapartida, o NMAS apoia a política de L’Etincelle (ex-Fração da Lutte Ouvriere - FLO), Anticapitalismo e Revolução (A&R) e Democracia Revolucionária (DR), que preferem defender uma “candidatura unitária de consenso para não romper o partido”, embora na prática isso signifique defender a subordinação de todo o NPA ao curso de conciliação de classes de sua ala direita, já que nem mesmo propõem outra candidatura alternativa que se oponha ao projeto mandelista. Ao mesmo tempo, o NMAS se cala sobre a política de expulsão da CCR, com o impedimento da participação de seus militantes em plenárias comuns nas quais se votam os delegados à conferência eleitoral, por medo dos resultados que tais plenárias poderiam ter.

Na Argentina, vemos uma atitude com pontos em comum que é o outro lado da moeda. O NMAS tem rejeitado sistematicamente os apelos do PTS para formar uma frente eleitoral única que unifique todas as correntes que lutam pela independência de classe, para fortalecer a luta contra a política do governo peronista e da oposição de direita para descarregar a crise nas costas das maiorias populares.

Na França, o oportunismo do NMAS se expressa em uma política que fortalece as frentes de conciliação de classes orquestradas pela ala direita do NPA. Na Argentina, o partido de Manuela Castañeira não se importa se a consequência de seus interesses sectários é que termina beneficiando os inimigos da classe trabalhadora. Oportunismo e sectarismo: duas faces da mesma moeda contra a independência de classe.

Mas o NMAS não está sozinho em sua empreitada. A ele juntou-se a corrente denominada Política Obrera, fundada por Jorge Altamira depois que este acabou fora do partido que fundou. Juntos integraram uma frente eleitoral em Salta para competir com a FIT-U. A oligarquia da província agradece. Justo Altamira, que sempre teve a língua tão afiada para criticar as “capitulações” do PTS, e que vai inventando argumentos de “esquerda” para criticar a FIT-U, acabou se aliando aos que compõem as listas de conciliação de classes no Brasil e se adaptam ao mandelismo na França. Para justificar interesses de seita, os princípios são muito maleáveis.

Continuamos insistindo no chamado a que revejam essa política para que a esquerda possa formar uma só frente classista unitária para enfrentar o peronismo, a oposição de direita e a centro-esquerda nas próximas eleições.

Partido Obrero, memória curta e nacional trotskismo

O Partido Obrero e Altamira passaram a vida criticando o Secretariado Unificado (SU, corrente à qual pertence o mandelismo francês) como quase "contrarrevolucionário". Em particular, dedicaram-se a atacar qualquer atuação dentro de partidos amplos como o NPA e o PSOL como um abandono da independência de classe, sem importar o contexto de cada país e o conteúdo da política.

Agora que se dividiram em dois partidos diferentes na Argentina, o que se conhece como “PO oficial”, em face da crise do NPA, encontra-se cultivando relações diplomáticas com a tendência “L’Etincelle”, ex-Fração da Lutte Ouvrière, ou seja, a corrente do "centro" do partido que mais capitula à política dos mandelistas.

A situação atual tanto do PO oficial como da ruptura de Altamira no terreno internacional, onde não têm mais do que relações meramente diplomáticas com correntes dessa natureza, é o resultado de uma concepção de construção internacional baseada em declarações circunstanciais, como complemento ao nacional trotskismo indiferente à política real que cada corrente tem em seu próprio país.

Da mesma forma, no caso do Partido da Causa Operária (PCO) do Brasil com o qual o PO rompeu há mais de 15 anos, nunca se soube sequer o motivo da ruptura depois de compartilharem a mesma “corrente internacional” por décadas. Isso no quadro em que o sócio brasileiro passou anos dentro do PT, embora este já tivesse participado ativamente do pacto de transição que permitiu à burguesia sair da ditadura evitando a ação independente das massas. A única explicação pública é de que em determinado momento o PCO deixou de cotizar para a corrente internacional. Anos depois, o PCO se tornou o principal partido satélite do PT, muito mais lambe-botas do que o PSOL.

Já os partners italianos do Partito Comunista dei Lavoratori (PCL) acabaram se separando em 2017 por divergências em torno da caracterização do “catastrofismo” (uma discussão teórica) e por nunca quererem lançar seu próprio jornal. Durante toda sua trajetória anterior, recusaram-se a delimitar-se da centro-esquerdista Rifondazione Comunista, dentro da qual militavam e para a qual chegaram a eleger legisladores (um partido que tinha entre seus dirigentes Armando Cossutta, o mais reconhecido agente stalinista da KGB na Itália). Quando em 2006 foram finalmente expulsos por não apoiarem o bombardeio da Itália como parte da OTAN nos Balcãs, romperam como um pequeno grupo, fruto de passar tantos anos diluídos no reformismo, que mais tarde se dividiu e do qual uma parte foi para a Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) e outra - a juventude - anos depois constituiu a FIR como uma seção italiana da Fração Trotskista.

No caso de seus aliados do DPI turco, buscam “reconstruir a IV” com um partido que se propõe a refundar a III Internacional com o programa IV. Uma espécie de versão extemporânea de propostas como a de Isaac Deutscher, com sua crítica a Trotsky por ter fundado a Quarta Internacional para lutar contra o stalinismo.

No caso de seus atuais apoiadores de Luta pelo Socialismo no Brasil, basta dizer que apoiaram o petista Haddad já no primeiro turno das eleições de 2018 e agora fazem parte da campanha petista pelo impeachment de Bolsonaro que implicaria que assuma o General Mourão.

Qualquer semelhança com relação à atuação das correntes trotskistas dentro do NPA ou do PSOL que temos criticado não é mera coincidência. A dispersão total do que há tempos foi a organização internacional do PO (a CRCI) demonstra que a diplomacia internacional como complemento do nacional trotskismo levou essa corrente a uma derrota em toda linha no terreno internacional.

Partidos amplos, tática e estratégia

Quando no NPA francês, a FLO, A&R e a DR optam por aceitar as condições da ala direita do partido em vez da aliança com a CCR, demonstram que o princípio da independência de classe para eles é uma questão tática subordinada à estratégia de conciliação com a ala direita do partido, mesmo quando se unem aos reformistas e centro-esquerdistas. Sejamos claros: as correntes de centro e de esquerda do partido juntas teríamos a maioria na direção nacional do partido, como demonstram várias resoluções aprovadas, motivo pelo qual se trata de uma decisão (não uma “imposição da relação de forças”) aceitar a política da ala direita mandelista. Nessa subordinação dentro do NPA francês, vemos o princípio norteador com que essas correntes trotskistas atuam dentro dos chamados “partidos amplos”.

Apesar de a Esquerda Socialista, o MST e o NMAS não terem militantes na França, vemos exatamente os mesmos critérios na atuação de suas correntes-irmãs dentro do PSOL brasileiro. Lá, o abandono da independência de classe em função da aliança com reformistas tornou-se algo comum. É assim que essas correntes compartilharam o entusiasmo pela campanha municipal de Guilherme Boulos em São Paulo, apesar de sua confraternização com empresários bolsonaristas. Em particular, a CST, atual irmã da IS, integrou as chapas legislativas do PSOL do Rio de Janeiro como parte de uma campanha eleitoral cujo candidato a vice-prefeito foi um ex-coronel da Polícia Militar. O que não é surpreendente quando vemos sua atuação no Peru, onde participam da Frente Ampla, um engendro de centro-esquerda à direita do NPA e do PSOL, semelhante ao que foi o Proyecto Sur, com o qual o MST compartilhou anos na Argentina, antes de ingressar na FIT-U. São debates que já fizeram parte da Conferência Latino-americana e dos Estados Unidos realizada em meados de 2020 e devem ter continuidade.

Ao todo, são anos (em alguns casos, mais de uma década) de subordinação à política de um partido dirigido por parlamentares, com alas direitas que se impõem internamente por fraudes e métodos stalinistas e clientelistas. Uma trajetória que demonstra a decisão estratégica de conviver pacificamente com reformistas que defendem e praticam a conciliação de classes. Uma decisão que, além de implicar no abandono da luta pela independência de classe, nem sequer resultou em atalhos para uma construção oportunista de suas correntes, que vêm sistematicamente retrocedendo diante do avanço das alas direitas dentro desses partidos.

Por que para os camaradas do IS e do MST os princípios da independência de classe só se sustentam na Argentina? Será porque aqui o PTS considera inaceitável qualquer acordo que não seja baseado na independência de classe? Por algum motivo, conseguiu-se que o MST, depois de ter se aliado à Sociedade Rural na crise do campo em 2008 e compartilhado frentes políticas com Pino Solanas e Luis Juez, terminasse após um longo período de decadência aderindo aos critérios de independência de classe da FIT. Porém, para as correntes que a compõem hoje, a luta pela independência de classe não deveria ser uma peculiaridade nacional, como o mate ou um bom churrasco...

Junto com a adaptação do PO e do MST à administração clientelista da assistência estatal por parte de seus próprios partidos, sem lutar pela unidade das fileiras operárias nem pela democracia dentro do movimento dos desempregados, a política internacional da esquerda trotskista argentina é só um dos principais obstáculos para que a conquista da Frente de Izquierda - Unidad como coalizão eleitoral de independência de classe, como não existe em nenhum outro país do mundo, possa avançar estrategicamente para a construção de um partido revolucionário comum.

A luta da Fração Trotskista pela independência de classe

A luta para influenciar os trabalhadores e jovens que alimentam expectativas nos "partidos amplos" com uma política revolucionária, nem oportunista nem sectária, pressupõe a luta incondicional pela independência de classe, ligada à batalha pela fusão do marxismo com a vanguarda operária de cada país. Esse caminho seguido pela CCR na França não é reconhecido por nós, mas sim pela própria ala direita do NPA, que o diz nos fundamentos de seus ataques para buscar nossa expulsão, nos quais destacam os avanços da nossa construção na vanguarda operária dos principais processos de luta de classes e a luta independente do jornal Revolução Permanente como grandes obstáculos ao curso de conciliação de classes que pretendem impor ao partido.

No Chile, onde o PTR, organização-irmã do PTS, lamentavelmente é a única referência do trotskismo a nível nacional, as recentes eleições para a Assembleia Constituinte refletiram os primeiros passos dessa fusão com setores da vanguarda que protagonizaram a enorme rebelião ao final de 2019. Foram 87 mil votos em candidatos que refletiram a luta por desenvolver as demandas da rebelião por meio da mobilização de massas, contra a busca do regime de contê-las em reformas cosméticas de um constituinte fraudada e restrita. Votos que se concentraram especialmente na região de Antofagasta. Lá, Lester Calderón obteve quase 13% como candidato a governador; e Natalia Sánchez foi eleita vereadora. Ele, dirigente sindical daquela que é a maior concentração de trabalhadores do país, especialmente do proletariado mineiro e portuário. Ela, médica do Hospital Regional de Antofagasta, integrante das brigadas de saúde que atendiam as vítimas da repressão durante a rebelião. Ambos foram organizadores do Comitê de Emergência e Resguardo, uma instituição que durante a rebelião coordenou sindicatos, organizações territoriais, profissionais, estudantes, ativistas sociais, entre outros setores, que desempenhou um papel fundamental na eclosão e inclusive conseguiu impor à burocracia da CUT uma mobilização unitária com mais de 25.000 pessoas, no contexto da greve geral de 12 de novembro de 2019.

Ao contrário da luta pela independência de classe no Chile, os poucos militantes da Liga Internacional dos Trabalhadores, organização internacional do PSTU brasileiro e argentino, lançaram candidatos pela Lista del Pueblo, que defende "respeitar cabalmente a constituição chilena" e "respeitar o regime democrático e a ordem pública". Um punhado de militantes da Esquerda Socialista no Chile juntou-se ao PTR para lançar seus candidatos, apesar de reivindicarem a vitória da Lista del Pueblo, mostrando mais uma vez que a independência de classe é um problema "à la carte". Por sua vez, as duas candidaturas independentes de simpatizantes do MST argentino fizeram uma campanha de propostas adaptadas à constituinte restrita e manipulada. Os cerca de 5 simpatizantes do grupo de Altamira apoiaram a candidata da LIT na frentepopulista Lista del Pueblo; e os apoiadores do “PO Oficial”, se existem, não se manifestaram a favor das candidaturas do PTR. É realmente surpreendente que, depois de 50 anos de existência, uma organização que se diz revolucionária na Argentina não tenha feito nada para colaborar com a construção do trotskismo no Chile. Aqui, uma vez mais, há muito oportunismo com aqueles que defendem a conciliação de classes e sectarismo com aqueles que lutam pela independência de classe.

No Brasil, ainda que no marco de uma situação reacionária em que retrocedem todas as correntes que reivindicam a independência de classe junto com a classe trabalhadora, o MRT tem mostrado como é possível ter uma política audaz para influenciar os trabalhadores e jovens que se sentem atraídos por uma partido amplo como o PSOL, sem que isso signifique ceder um milímetro na luta intransigente pela independência de classe. Foi assim que, enquanto o PSOL era um partido de oposição aos governos do PT e poderia canalizar eventuais processos de ruptura pela esquerda do movimento de massas com este partido, o MRT pediu para se constituir como corrente interna para lutar por um programa e estratégia revolucionários. Por que o PSOL rejeitou nosso pedido de entrada? Porque não há democracia interna alguma e, como todo partido amplo, é dirigido pelos parlamentares. Nossa entrada teria questionado esse monopólio político, pois com o Esquerda Diário atingimos centenas de milhares por mês em todo o país, jornal que compete em acessos com os principais portais do chamado “petismo crítico”, atingindo uma audiência cinco vezes mais ampla do que o site oficial do PSOL. Uma mídia que a cada dia atinge dezenas de milhares de pessoas com as lutas que damos em cada local de trabalho e estudo para que a vanguarda operária emerja na luta contra as burocracias políticas e sindicais do PT é o oposto da subordinação que todos as correntes internas têm nesse status quo imposto pelos parlamentares.

Mesmo assim, o MRT, diante do restritivo e antidemocrático sistema eleitoral brasileiro, participou das últimas três campanhas eleitorais como parte de um acordo com o PSOL para usar sua personalidade jurídica com candidatos que defenderam sua própria política (o que chamamos de "candidaturas democráticas”, porque se vota em separado, sem necessidade de apoiar outras candidaturas do partido). Acordo este que nunca nos impediu de lutar contra a política de conciliação de classes desse partido, rejeitando claramente as candidaturas do PSOL que aliaram-se a partidos burgueses, ou que tinham uma história de participação em governos e partidos burgueses. Assim, em 2016 não apoiamos Erundina nem Freixo; em 2018 renunciamos a lançar candidatos onde o PSOL se aliou ao PT, partidos burgueses ou ex-policiais como no Rio de Janeiro; e novamente em 2020 renunciamos a ter candidaturas onde esses critérios se repetiam, incluindo a renúncia da "candidatura democrática" a vereadora da professora Maíra Machado nas listas do PSOL de Santo André (SP), onde o NMAS era vice em uma lista encabeçada pela Rede de Marina Silva.

Ao contrário das demais correntes da esquerda argentina, que retrocederam por sua política de adaptação à conciliação de classes no terreno internacional, a fusão com a vanguarda operária que a FT pode mostrar na França e no Chile são os frutos que colhemos de uma política consequente de luta pela independência de classe em todos os lugares. Essa questão não aparece em declarações diplomáticas uma vez a cada tantos anos, como costuma acontecer na tradição nacional trotskista que fecha os olhos para a prática política real, mas pode ser acompanhada dia a dia em uma rede de jornais internacionais em 14 países e 7 idiomas. Para quem quiser nos conhecer melhor, convidamos a conhecer nosso site e o Manifesto “O desastre capitalista e a luta por uma Internacional da Revolução Socialista”. A partir desses resultados práticos, chamamos as demais correntes da esquerda argentina a refletirem sobre sua política de adaptação à conciliação de classes no cenário internacional.


veja todos os artigos desta edição
CATEGORÍAS

[NPA]   /   [PSOL]   /   [Internacional]

Matías Maiello

Buenos Aires

Daniel Matos

São Paulo | @DanielMatos1917
Comentários