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DEBATES | Debate com Sakamoto: e se a assembleia constituinte for o grito de uma greve geral?

quarta-feira 24 de maio de 2017 | Edição do dia

Nessa última terça-feira, o conhecido jornalista Leonardo Sakamoto escreveu um artigo intitulado Proposta de nova Constituição não irá “salvar” o Brasil, mas desmontá-lo”. No artigo, discute-se contra a proposta de Renan Calheiros (“e outros calhordas”) de se fazer uma nova assembleia constituinte, na medida em que, para Sakamoto, essa teria o interesse de desmontar os direitos sociais da constituição de 1988. Que Renan e outros tenham esse interesse, não é novidade, mas existe uma falha importante no argumento de Sakamoto.

O jornalista parte do seguinte raciocínio:

‘"Neste momento, em que a democracia representativa está em descrédito, em que políticos defendem os próprios interesses ao invés das demandas e necessidades do povo, a Constituição Federal segue sendo uma boia de salvação num mar de esgoto. Porém, essa boia, que garante um mínimo de dignidade, está na mira de quem quer reduzir o Estado que deveria cuidar dos mais pobres para aumentar o Estado que apoia e financia os mais ricos”.’

Qual o primeiro problema ao se analisar esse argumento: ele pode ser utilizado para as outras “alternativas” em curso. Uma eleição indireta nesse contexto seria um “golpe dentro do golpe”, uma forma de, saindo Temer, deixar nesse Congresso corrupto a decisão sobre o executivo central, e não teria outro objetivo senão atacar todos os direitos presentes na constituição de 1988. E mesmo as eleições diretas, ao nosso ver, ainda que não signifique esse descalabro de deixar na mão do Congresso a decisão, tem a debilidade de não trazer nenhuma grande renovação desse sistema político: na realidade, daria apenas novo fôlego para um sistema que tem como modus operandi, como tem ficado completamente evidenciado, uma relação umbilical entre os grandes empresários e banqueiros e os políticos, sendo estes financiados (ou comprados, para não usar um eufeminismo) por aqueles.

Em qualquer variante política proposta pelos “de cima”, o intuito das classes dominantes será o mesmo: manter as reformas contra os nossos direitos. Nesse sentido, a falha fundamental do argumento de Sakamoto é que não existe um dos atores fundamentais para se pensar qualquer resistência aos retrocessos na superestrutura política: a classe trabalhadora.

E o que isso tem a ver com a constituinte? Tudo, afinal, se os partidos dominantes conseguirão ou não atacar nossos direitos não é uma decisão de personalidades políticas, mas da correlação de forças e, nesse sentido, do quão mobilizados ou não estão os trabalhadores. A constituinte seria apenas um palco, uma nova tribuna, para expressar essa luta que é extra-parlamentar, é a luta que se da em cada fabrica, em cada local de trabalho, em cada universidade, entre as classes.

Para darmos um exemplo do alcance de se pensar a partir desse ponto, devemos dizer que não é verdade que Temer tenha entrado em colapso por iniciativa de Joesley e da Globo. Na realidade, quem feriu de morte o governo foi a Greve Geral de 28 de abril, e levou a divisão dos partidos e grande mídia dominantes.

E quem está resistindo às reformas é esse sujeito e essa é a única estratégia possível. Portanto, são os atos – como o de Brasília – e as greves gerais como forma de criar força necessária que poderão derrotar as reformas e essa silenciosa constituinte que já está em curso contra os trabalhadores, contra seus os direitos de serviços públicos, trabalhistas, previdenciários etc.

Mas queremos ir além: num contexto em que os trabalhadores no dia 15 de março e 28 de abril de 2017 fizeram greves gerais históricas, as maiores em décadas, devemos nos restringir em buscar garantir o pacto de 1988, uma constituição tutelada pelos militares?

O próprio Sakamoto a define do seguinte modo:

‘“A Constituição de 1988 foi um compromisso de equilíbrio, um pacto político que criou regras de convivência entre grupos e classes sociais após o fim da ditadura. O discurso de uma nova e abrangente Assembleia Constituinte, que vez ou outra volta com força ao Congresso, significa repactuar a sociedade. Mas para quê repactuar uma sociedade que não conseguiu colocar em prática o que propôs?”’

Sim, o discurso de Renan e outros pode ser esse, de “repactuar” a sociedade com novas reformas, esmagando as classes subalternas e oferecendo ainda menos direitos como forma de agradar ao conjunto do empresariado e do capital financeiro.
Mas não somos nada céticos com os trabalhares e seu potencial: se os trabalhadores conseguem romper com todos os freios das burocracias que vem impedindo de convocar nova greve geral e conseguem impor a nova paralisação, e as massas operárias entraram novamente em ação, com ainda mais força, num cenário nacional, será que os partidos dominantes chamariam uma constituinte com tranquilidade?

A nossa proposta não é para que eles definam os rumos da constituição no momento que eles acharem melhor. Ao contrário, agora que as massas vão se colocando em ação, é o momento de construir a mais forte greve geral e, em base a uma grande mobilização, buscar impor uma Assembleia Constituinte livre e soberana que se choque diretamente contra esse “mar de esgoto” que é o sistema político brasileiro e coloque na mesa as grandes questões nacionais.

Começando por uma ampla campanha entre os trabalhadores, que se expresse na constituinte com toda a força, que peça a imediata anulação de todas as reformas e leis antipopulares desse governo e anteriores e avançando para discutir os problemas estruturais do país, seja da terra, moradia, independência nacional da influência dos monopólios estrangeiros, o não pagamento da dívida pública etc.

Nisso concordamos com Sakamoto, não é hora de repactuar. Por isso não podemos nos restringir a medidas que sejam de acordos entre partidos dominantes, e sua escolha de um novo candidato para revitalizar o regime – seria pactuar com golpistas. Ao contrário, é hora de levantar a cabeça e apresentar uma proposta dos trabalhadores que coloque em xeque não só esse governo, mas o conjunto do regime político atual. É hora não só de temer Renan, mas de sair na ofensiva com nossas propostas, de não mudar apenas os personagens, mas as regras do jogo, em favor dos trabalhadores. Por isso, arranquemos da demagogia de qualquer político desses partidos da ordem essa proposta: a constituinte deve ser o grito dos trabalhadores frente a essa situação nacional.




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