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DOSSIÊ: DIA INTERNACIONAL DA MULHER NEGRA, LATINO-AMERICANA E CARIBENHA | De que serve a arte para as mulheres negras, latino-americanas e caribenhas?

Nesse texto pretendemos brevemente refletir enquanto mulheres, artistas e militantes uma das perspectivas da arte dentre muitas das ferramentas de luta das quais podem e têm se armado as mulheres hoje e historicamente para denunciar as contradições impostas às nossas vidas, utilizando como exemplo a exposição "Elas e Nós, Luto e Luta", organizada pelo coletivo de artistas Elas e Nós.

Grazi RodriguesProfessora da rede municipal de São Paulo

Thais SilvaArtista Visual e pesquisadora sobre questão indígena pela PUC Campinas

terça-feira 25 de julho de 2017 | Edição do dia

Registro após performance da artista Andrea Mendes, no Ateliê Vivaz (Campinas). Sobre os casos de feminicídios registrados ainda em 2017.

Olhando somente para o nosso continente já teríamos incontáveis e brilhantes exemplos de mulheres artistas que atribuíram a arte, essa via tão potente de expressão função social, política e mesmo subjetiva, para expressar e denunciar muitas das contradições colocadas diante da vida das mulheres hoje e historicamente, e outras tantas que foram mais longe e colocaram sua arte à serviço da transformação dessa sociedade.

Inspiradas por essas mulheres que ousaram responder ao machismo, ao racismo e ao conjunto das opressões descarregado sob as mulheres e setores oprimidos - como é o caso de Rosana Paulino, brasileira e referência enquanto artista plástica na sua abordagem sobre as mulheres negras brasileiras e a violência despejada sob essas mulheres, desde a invasão do Brasil. Seu trabalho caminha para um lugar de descolonizar nossa história e memória em uma poética que traduz o apagamento e o silêncio das mulheres negras da terra.

E Regina Galindo, guatemalteca que se utiliza da performance e seu corpo para falar do peso que ela como mulher latino-americana carrega.

"Sobre o corpo das mulheres latino americanas está inscrita a história da humanidade. Sobre seus corpos conquistados, marcados, escravizados, objetificados, explorados e torturados pode-se ler as nefastas histórias de luta e poder que formam nosso passado. Corpos frágeis somente na aparência. É o corpo da mulher que sobreviveu a conquista e a escravidão. Que como pedra guardou o ódio e o rancor em sua memória para transformá -lo em energia e vida.” (Galindo, 2013)"

Clara Ianni e Débora Maria da Silva, respectivamente artista e militante do Mães de Maio, que em parceria levaram à 31ª Bienal o vídeo apelo que denuncia o genocídio da juventude e do povo preto pelas mãos da polícia assassina e aparato de repressão do Estado; ou mesmo Frida Kahlo a referenciada pintora mexicana e mulher revolucionária que ousou resistir artisticamente à uma vida de dores físicas e subjetivas, pintando obras-primas que refletem seu universo e a consagraram enquanto ícone de gerações de mulheres.

Idealizamos e realizamos - eu, Thais Silva, Ariane Venturini, Andrea Mendes, Aline Silva, Julia Stanciolle, Veronica Cristoni, Jéssica Enoki e Beatriz Beraldo - durante todo primeiro semestre a exposição itinerante "Elas e Nós, Luto e Luta", como via de efetivação de um anseio coletivo de dar voz através da arte a uma série de fatos, reflexões e questionamentos acerca delas ​(na pluralidade do que compreende essa palavra) e nós​, que sempre resistimos, convertendo luto e dor em luta.

“Como você pode ser um artista e não refletir os tempos?”.
Nina Simone

Nina Simone é uma das grandes mulheres que nos provoca e nos instiga a utilizar a arte como função e meio de levantar nossas vozes, trazendo à superfície o que fica submerso. A exposição já recebida pelo Ateliê Vivaz e pela Casa Torta em Maio e Junho deste ano, como bem refletiram Ariane Venturini e Thais Silva aqui, busca dentro desse processo de encontros como coletivo cheios de semelhanças e diferenças, e resgatar as lutas que se dão tanto de forma coletiva, como no âmbito singular, subjetivo e próprio de cada sujeito no mundo. A arte se mistura às relações já vividas e memórias subterrâneas são trazidas à superfície por cada artista de forma muito particular. A linguagem recoloca nossa dor e memória no mundo. A luta e o luto estão presentes além do espaço em que se determina a exposição. Afinal, o acontecimento abarca consigo o momento, os entre-lugares que cada mulher ocupa.

Dentre tantos entre-lugares, a exposição organizada por nós, mulheres brasileiras, latino -americanas que carregamos tantas diferenças e semelhanças dentro da amplidão que nos compreende, contou com performances realizadas pela artista Andrea Mendes, militante do mov. negro, sobre o feminicídio e posteriormente um happening trazendo a luz uma reflexão sobre os nomes animalescos utilizados como via de ofensa às mulheres; e pela artista Thais Silva sobre identidade e apagamento da mulher indígena com a participação autoral de Hortência Lopes, indígena da etnia Guarany Nhandeva. Hortência que como mulher indígena carrega diretamente em sua ancestralidade e na sua história, cinco séculos de opressão e resistência.

Foto da performance “Eu existo, nós existimos” de Thais Silva e Hortência Lopes, durante ativação de obras na segunda itinerância realizada na Casa Torta (Campinas).

A artista Andrea Mendes durante o happening realizado na segunda itinerância da exposição “Elas e Nós, Luto e Luta”, também na Casa Torta (Campinas).

Junto as fotos dessa experiência, nesse dia 25/07 que se pretende refletir a luta e a resistência das mulheres negras, latino-americanas e caribenhas, nosso chamado é para que na pluralidade
de nossas lutas e militâncias, nós mulheres tomemos a arte em nossas mãos como veículo de transmissão dessas batalhas que travamos existindo e resistindo.

“Quero gravar aqui o seu nome”, série de serigrafias de Grazieli Rodrigues, trazendo em seu conteúdo o nome das nove mulheres mortas pela chacina feminicida na noite de réveillon em Campinas.

proposta da artista Beatriz Beraldo, discutindo esquecimento e cura, num diálogo entre a artista e o público da exposição.

Instalação da artista Jéssica Enoki.

obra de Thais Silva discutindo apagamento da mulher indígena e as narrativas não oficiais pelas quais essa história vai sendo reconstituída sob a óptica dos oprimidos.

Instalação de Aline Silva e Julia Stanciolle, “Até onde o corpo aguenta”.

“Ruído”, instalação de Ariane Venturini.

Artistas do Coletivo Elas e Nós, durante a primeira itinerância da exposição.




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