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EUA-RÚSSIA | De Trump a Putin: a aliança Atlântica com a Europa em frangalhos

Donald Trump aproveitou as eleições russas para colocar mais lenha na fogueira da fratura exposta com seus tradicionais aliados ocidentais.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quarta-feira 21 de março de 2018 | Edição do dia

Donald Trump aproveitou as eleições russas para colocar mais lenha na fogueira da fratura exposta com seus tradicionais aliados ocidentais. Parabenizou o novamente eleito presidente Vladimir Putin, em telefonema particular, e deixou a mensagem de que uma “corrida armamentista” entre os dois países “não é uma coisa boa”.

Trump ainda prometeu a Putin que pretende organizar um encontro entre os dois “num futuro não muito distante”. É o segundo encontro com rivais que promete realizar, depois da inesperada proposta de um encontro pessoal com o líder norte-coreano Kim Jong-un.

Ver aqui: “Momento Nixon” para Trump: 5 chaves sobre a reunião EUA-Coréia do Norte

Putin foi reeleito com mais de 76% dos votos, um dos resultados eleitorais mais contundentes na Rússia pós-soviética. Putin se esmerou na arte de aproveitar as contradições e debilidades do Ocidente para parecer mais forte do que realmente é. Fez isso na crise da Ucrânia em 2014, na guerra civil síria, e agora em relação à China: com a emergência do gigante asiático, surge uma oportunidade de ouro para travar boas relações com um “competidor estratégico” dos Estados Unidos, enquanto as relações transatlânticas entre a Europa e Washington estão em frangalhos.

Enquanto não seria uma “coisa boa” entrar em más relações com Moscou, na opinião de Trump uma guerra comercial com a União Europeia e seus mais próximos aliados “é algo fácil de vencer”. Essa disparidade de conduta irritou as principais potências europeias, em especial a Alemanha, que precisam lidar com a imposição de tarifas de 25% para importação de aço e 10% para o alumínio. A Alemanha depende excessivamente das exportações para manter estável sua economia, e é o oitavo maior fornecedor de aço para os Estados Unidos.

A congratulação transmitida a Putin torna também mais amarga a relação entre Washington e o Reino Unido, estratégico aliado dos Estados Unidos. Na semana passada a primeira ministra britânica, Theresa May, soltou declarações robustas contra Putin após o duplo agente de espionagem Sergei Skripal ter sido encontrado envenenado em Salisbury. May havia dito que era “tremendamente provável” que Putin estava por trás do envenenamento, e pediu apoio de seus aliados contra Moscou. Expulsou 23 diplomatas russos do território inglês, mas não ouviu sequer uma sonata vinda de Washington.

As relações deterioradas com a Alemanha e o Reino Unido, eixos da aliança transatlântica, revelam as intenções da administração Trump frente aos chamados “valores ocidentais”, como a OTAN e os organismos comerciais multilaterais. A saída da rara avis Democrata do gabinete, o globalista Gary Cohn, e a entrada do ex-chefe da CIA e ultranacionalista Mike Pompeo no cargo de secretário de estado (após a renúncia forçada de Rex Tillerson) dão asas à ala dura do “America First” que mais antipatia nutre pelas velhas alianças tradicionais.

Contornando atritos?

As relações entre Estados Unidos e Rússia estão longe de ser amáveis. A anexação da península da Criméia pela Rússia em 2014 e o apoio irrestrito de Moscou a seu aliado Bashar el-Assad na Síria (país em que a Rússia tem sua única base naval externa a seu território) são constantes fontes de atrito. Frente ao incremento do poderio militar da China e da Rússia, Trump aumentou a dosagem financeira ao Departamento de Defesa, além de manter três generais que fazem parte da nata do gabinete (Jim Mattis, HR McMaster, John Kelly).

O interesse do gabinete de Trump é manter a Rússia afastada tanto quanto possível da China, que para seu pesar acaba de estabelecer um acordo de fornecimento de 60 milhões de toneladas petróleo com Moscou, através das estatais Rosneft e CEFC China Energy. A fixação de Trump para conter a China - um giro agressivo dos EUA - está nos cálculos de cortesia com a Rússia, num momento em que Trump planeja impor tarifas de 60 bilhões de dólares em tarifas sobre produtos chineses.

Já Putin tratará de aproveitar a péssima atmosfera entre Estados Unidos e Europa para incrementar suas reivindicações na Ucrânia contra a Alemanha (tendo cuidado ao pisar no Leste europeu, que agora traz mais a marca “Made in China” do que o hábito de pertencimento à antiga “cortina de ferro”).

O escândalo da intervenção russa nas eleições norte-americanas também não diminuiu no establishment político ianque. John McCain, senador Republicano, criticou Trump dizendo que este “insultou cada cidadão russo que teve negado seu direito a uma eleição justa para determinar o futuro do país”.

Aliança transatlântica em ruínas

Entretanto, o verdadeiramente simbólico dessa relação bilateral é o telefonema de Trump. Este parece querer demonstrar abertamente seu desprezo pela União Europeia diante da mais profunda crise diplomática e comercial em décadas no eixo transatlântico. Nas palavras de Robert Cooper, diplomata veterano do Reino Unido, “Trump não está apenas atacando a Europa, está atacando o mundo que os Estados Unidos construiu. Ele odeia a União Europeia, a OMC, o comércio multilateral. Trata-se da ordem mundial do segundo pós-guerra. Se ele está falando sério, então a coisa é séria”.

Até mesmo “atlantistas” instintivos como a chanceler alemã Angela Merkel defendem abertamente que a Europa comece a tomar conta de si mesma. Estas fricções fizeram com que Bruxelas desse via livre para a proposta de taxação digital que incidirá sobre as gigantes norte-americanas Google, Facebook e Apple. Apesar disso, cada país europeu adota uma conduta distinta diante das tributações de Trump, um revés de magnitude para o projeto que sustenta o imperialismo alemão.

No momento das piores relações em décadas entre Estados Unidos e Europa, volta à tona a perspectiva de que guerras comerciais - "rupturas no equilíbrio instável" da economia mundial - possam se converter em conflagrações de magnitude.




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