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DENÚNCIA | DENÚNCIA: Enfermeira de SP relata ter sido demitida após se recuperar de Coronavírus

Frente ao dia 12 de Maio, dia internacional das enfermeiras, colocamos o Esquerda Diário a disposição de cada denuncia e ao lado da luta de todos os enfermeiros que vem demonstrando exemplos de resistência à barbárie que os governos e capitalistas provocada pela sua "gestão" da pandemia, salvando os lucros capitalistas.

domingo 10 de maio de 2020 | Edição do dia

Em denúncia anônima, enfermeira da rede pública de saúde do Estado de São Paulo, que ficou afastada por quase uma semana por ter sido contaminada pela Covid-19 enquanto trabalhava, relata ter sido dispensada da função assim que retornou ao hospital para retomar sua atividade.

É mais um exemplo do descaso e da desvalorização com que esses profissionais são tratados em meio a pandemia de coronavírus no Brasil. Sem EPI’s suficientes, tendo até mesmo de utilizar máscaras descartáveis por até 12 horas seguidas, cuja recomendação de uso são de apenas duas horas, estes profissionais chaves sentem o peso da crise sanitária descarregada sob seus ombros.

Isto na semana em que pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), aponta que no país já morreram mais profissionais da saúde do que na Espanha e Itália juntas, somando 73 óbitos por Covid-19 em todo o território nacional, sendo que São Paulo lidera o ranking por estados, com 18 mortos.

Este número elevado se deve também ao não afastamento de profissionais no grupo de risco, com mais de 60 anos, ou com comorbidades. Se a expansão do novo coronavírus a nível mundial deixou evidente o papel fundamental dos trabalhadores na nossa sociedade, por que são justamente aqueles que produzem o essencial pra subsistência e pro funcionamento da sociedade capitalista, fica muito mais em exposição neste momento o papel estratégico que cumpre todo o pessoal da saúde, incluídos com destaque as enfermeiras. São estas parte essencial da "linha de frente" no combate à pandemia, já que são quase 85% do setor, em que 18% da categoria recebe sub-salários de menos de 1.000 reais por mês.

Reproduzimos abaixo o relato dessa enfermeira, publicada originalmente no UOL, como parte de expressar a voz desses trabalhadores da saúde e de fazer do dia 12 de Maio um dia de ampla campanha de apoio a sua luta por EPIs, testes e cada demanda necessária para que assumam o comando de fato do combate a pandemia?

"Eu atuava como enfermeira assistencial em um hospital da capital paulista e dava treinamentos de covid-19. Quando o ’boom’ dos primeiros casos começou, a minha função era ensinar os demais enfermeiros e técnicos a fazerem a coleta. O ritmo era intenso e tinha semana que fazia até sete coletas todos os dias.

Por mais que nós sejamos treinados para fazer isso, dá um medo muito grande de pegar a doença, já que não sabemos o que vem pela frente. A gente fica muito exposto, quase que o tempo todo, e como eu estava trabalhando diretamente com a covid-19 era ainda mais arriscado.

No dia 17 de abril, comecei a sentir alguns sintomas. Eram dor de garganta leve, espirro e comecei a medicação por conta própria. Fiquei uma semana fazendo isso, mas a tosse foi aumentando e, cinco dias depois, comecei a ter disfunção intestinal. No dia 25 de abril, a dor no corpo estava intensa, chegava a vir para o pulmão e o tórax sempre que eu respirava. A fadiga também apareceu e ficou quase impossível seguir uma rotina normal, no entanto, continuava trabalhando.

Eu pensei que podia ser uma gripe forte e até dengue, mas resolvi ir ao médico, já que os sintomas só pioravam. No hospital, fiz um raio-X que identificou a infiltração bilateral no pulmão. O médico pediu uma tomografia de urgência e como dependo do SUS, fiquei cerca de oito horas para fazer o procedimento. Fiz todos os exames e constataram que eu estava sim com covid-19.

Para me recuperar, o médico me deu seis dias de atestado. Conversei com a minha chefia sobre o ocorrido e falaram para eu ficar tranquila. O ideal seria que eu ficasse cerca de 14 dias até que eu me recuperasse totalmente, mas como estava no período de experiência e com muito trabalho para fazer, pensei em voltar antes.
Os sintomas não passavam e a falta de ar só aumentava. Como moro só com a minha filha, pedi que alguns amigos cuidassem dela e me isolei em casa. Às vezes, no meio da noite, a falta de ar era tão grande que eu pensei várias vezes que ia morrer. Cheguei a falar para um amigo, que também trabalha na área da saúde, para fazer massagem cardíaca se eu tivesse uma parada respiratória e me levasse direto para o hospital.

A falta de ar estava insuportável e fui fazer um novo exame que constatou que meu pulmão ainda estava infiltrado. O médico me deu mais dois atestados, um de três dias e outro de sete, o que totalizou 14 dias.

Na última segunda-feira (4), voltei ao meu hospital e quando fui colocar o dedo no ponto eletrônico, não aparecia mensagem nenhuma, não passava e até brinquei comigo mesma que havia sido demitida. Mas não era brincadeira. Me chamaram na diretoria e falaram que eu estava dispensada.

Achei estranho sendo que nunca havia tido um feedback negativo e elogiavam sempre o meu desempenho. Foi eu me ausentar por cerca de oito dias e, quando eu volto, sou demitida. Me senti descartável, um lixo. Como muita gente fala, somos a linha de frente, mas isso funciona para quem? Adoece para você ver o que acontece.
Fiquei com muito medo de morrer e ainda contaminei minha filha.

Nos primeiros dias em que fiquei com a minha filha, tentei ao máximo não ter contato com ela. Ela foi para o apartamento de um casal de amigos, mas mesmo assim ela também se contaminou. Nesse meio tempo, ela sempre me ligava chorando, fazia chamadas de vídeo e se mostrava muito preocupada. Somos só nós duas aqui em São Paulo, então, imagine se eu morresse.

Ela também fez o exame para covid-19 e deu positivo. Mesmo diante desse resultado, ela estava assintomática e bem.

Ainda estou no isolamento e recebo ajuda do meu amigo que traz algo para eu comer e poder cozinhar em casa.

Foi muito difícil esse processo, porque várias vezes eu achava que ia morrer dentro de casa e ainda mais sozinha. Muitos amigos da mesma idade ou com idades parecidas estão ficando doentes e morrendo, o que me deixava ainda mais apreensiva.

Pouco a pouco estou melhorando e não tenho mais dificuldade para respirar. Segui todas as orientações e tomei as medicações adequadas. Hoje, como ainda não há estudos e nem vacina para a doença, o meu maior medo é de ser contaminada novamente.

A profissão não é valorizada

Quando voltei ao trabalho sabia que ia encontrar um cenário bem ruim e chocante, mas jamais achei que ia ser dispensada. Por mais que eles falaram que não foi 100% pela doença, tudo indica que teve relação. Acho que o atestado médico foi um ponto primordial para o desligamento.

Estamos cada vez mais cansados, exaustos, na linha de frente mesmo, e o profissional não tem o mínimo de valorização. Não tem nada de humano, a desvalorização é nítida. A equipe teve um desfalque de mais de dez profissionais que foram afastados porque ficaram doentes e ninguém vai olhar pela gente?
Ainda não estou apta a trabalhar, mas preciso voltar em breve, pois tenho que sustentar minha filha e pagar contas. E sei que logo já vou conseguir um outro emprego, já que a demanda está alta.

Mas o mercado está cada vez pior, cruel com o profissional e ainda querem contratar com salários inferiores e até enfermeiros como voluntários. Me senti muito injustiçada e tratada com um certo desprezo. Você se sente um zero a esquerda e realmente não há valorização."

Enquanto isto o governo de João Dória, ao mesmo tempo que busca se lançar como oposição racional a Bolsonaro, não consegue garantir condições mínimas de trabalho para os profissionais da saúde dos hospitais de São Paulo; faltam desde leitos de UTI para pacientes até cobertores para aquecer os profissionais de saúde que praticamente moram dentro desses hospitais hoje em dia, e que são a linha de frente no combate à doença. É um descaso completo com a vida da população e com a vida desses profissionais, como mostramos nesta matéria.

Por isso foi muito importante o ato realizado por profissionais do Hospital Universitário da USP, com a paralisação parcial da unidade feita na manhã desta terça feira última, intitulada "Ação pela vida", tanto para cobrar do governo do Estado medidas satisfatórias para que enfermeiros e outros trabalhadores possam enfrentar a situação catastrófica em que se encontram, como denunciar a péssima condição de trabalho em que estão envolvidos. Assim como a criação de um comitê formado pelos próprios trabalhadores eleitos por diversos setores do hospital, para que sejam os próprios a tomar nas mãos o enfrentamento da situação calamitosa em que se encontram seus mais de 2.000 funcionários. Exemplo que nós do Esquerda Diário impulsionamos como fundamental para que a crise sanitária criada e aprofundada por distintos governos que sempre puseram o lucro acima da vida, desde o PT de Dilma Rousseff até Bolsonaro e Paulo Guedes, não seja descarregada nas costas dos trabalhadores, que sejam os capitalistas que paguem pela crise.




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