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SEMANÁRIO

Crítica ao livro da LIT/PSTU sobre a Frente de Esquerda argentina

André Barbieri

Crítica ao livro da LIT/PSTU sobre a Frente de Esquerda argentina

André Barbieri

Crítica ao livro “Sobre a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) na Argentina e as propostas de frente de esquerda no Brasil”.

O PSTU publicou um livro, assinado por Jerônimo Castro, intitulado “Sobre a Frente de Esquerda e dos Trabalhadores (FIT) na Argentina e as propostas de frente de esquerda no Brasil”. Consideramos muito importante que os companheiros do PSTU tenham dado atenção ao tema e dedicado energia para dialogar com o que compreendem da experiência da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores - Unidade (FITU) na Argentina.

Ainda mais importante à luz dos resultados históricos da esquerda argentina nas eleições do 14N. Tema central do livro publicado pelo PSTU, a Frente de Esquerda consolidou-se como terceira força política nacional, obtendo os melhores resultados desde sua fundação em 2011. Com 6% dos votos nacionais, conquistou mais de 1,3 milhão de votos a nível nacional (aumento de 20% em relação às eleições prévias), colocando 4 deputados federais no Congresso Nacional, e inúmeros parlamentares provinciais e municipais. Eleita deputada federal pela capital Buenos Aires, Myriam Bregman do PTS é a primeira parlamentar da esquerda na capital em 20 anos, tendo Nicolás del Caño do PTS e Romina del Plá do PO sido eleitos pela Província de Buenos Aires (PBA). No conurbano bonaerense, coração do proletariado argentino e bastião do peronismo, a Frente de Esquerda conquistou entre 8-10% dos votos, justamente nos distritos mais pobres (La Matanza, Merlo, Morón, Moreno, José C Paz, etc.), arrancando influência do peronismo e provavelmente conseguindo de maneira inédita de 8 a 11 vereadores (os resultados ainda estão se contabilizando). A eleição de Alejandro Vilca, gari socialista de origem kolla e dirigente do PTS, obtendo 25% dos votos para o Congresso Nacional pela província de Jujuy, é um fato inédito de grande significação para a esquerda latino-americana, algo ressaltado pelo próprio PSTU argentino em seu site em espanhol onde dizem que "a eleição, pela primeira vez, de um trabalhador e deputado de origem indígena como Alejandro Vilca é digna de comemoração". Ressaltamos que a conquista de Vilca dá sequência à tradição de lutadores e deputados operários do PTS na FITU como Raúl Godoy, Andrés Blanco e Claudio Dellecarbonara.

Tudo isso foi conseguido mediante a agitação de um programa anticapitalista e socialista, de ataque aos lucros empresariais, especialmente as consignas de rechaço ao regime ajustador do FMI (pactuado por todas as forças políticas burguesas) e da redução da jornada de trabalho, para 6 horas e 5 dias da semana (contra a discussão pública e nacional dos partidos burgueses de aplicar uma reforma trabalhista). Essas ideias, parte do arsenal da FITU desde 2019, foram conhecidas por setores de massas nessas eleições, debatidas na televisão todos os dias, para além do resultado final em votos. Essa agitação permanente é uma grande conquista que, como deixamos expresso nessa entrevista, mostra à esquerda brasileira e mundial que é possível lograr influência em setores ampliados da vanguarda (e em perspectiva de massas) sem rebaixar o programa, levantando pontos transicionais que semeiem ideias para que a classe trabalhadora emerja como sujeito político independente diante da crise.

Do ponto de vista do PTS, vamos batalhar para que esse apoio eleitoral esteja em função da construção de um partido revolucionário dos trabalhadores; ademais, essas posições conquistadas devem servir para fortalecer a agitação da independência de classe e o impulso da luta de classes extraparlamentar, como é característico da FITU. Diante da renovada crise do governo peronista, abre-se um importante desafio para multiplicar nossas forças militantes e nos preparar para eventos maiores na luta de classes, onde as próximas etapas da crise serão resolvidas.

Trata-se, portanto, de um debate de primeira ordem na vanguarda brasileira, já que a ausência de uma política de independência de classe no Brasil torna a experiência argentina um tema crucial para a esquerda. Por isso queremos dialogar com alguns argumentos utilizados no livro.

Reconhecendo a importância dos pontos programáticos levantados pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores - Unidade da Argentina, o PSTU realiza uma crítica a ela. É importante ressaltar que a organização irmã do PSTU na Argentina, com mesmo nome, tem participado da FIT-U com candidatos nestas eleições e em anteriores, inclusive agora candidaturas importantes por se tratarem de presos políticos, como são Daniel Ruiz e Sebastian Romero.

Aqui vamos debater com essas críticas apresentadas pelo PSTU à FIT-U com o intuito de fomentar a reflexão, e mais ainda, de tomar essas lições para abrir a discussão sobre a construção, junto a correntes da esquerda brasileira, de uma frente política de independência de classes que parta de uma aliança para resistir, na luta de classes, aos ataques do governo Bolsonaro, do regime golpista e de todos os capitalistas.

Sobre as origens da Frente de Esquerda dos Trabalhadores na Argentina

Uma das primeiras definições que o PSTU aponta sobre a FIT-U é que: “Esta tática, de juntar-se numa frente eleitoral com outras organizações com certa proximidade programática para se defender de uma legislação restritiva, não é algo ilegítimo como tática”. Será assim? Vejamos.

A FIT se conformou como um bloco político-eleitoral cuja função era agitar a independência de classe, e a perspectiva de um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo. Assim consta no jornal do PTS do ano 2011 (previamente à existência da Rede internacional La Izquierda Diario). As forças políticas da FIT, que então era composta pelo PTS, pelo PO e pela IS (a partir de 2019 ingressa o MST, e a frente passa a ser FIT-U), acordaram uma Declaração programática que começa com: “A Frente de Esquerda se constitui em defesa da independência política dos trabalhadores contra os diferentes blocos capitalistas expressos pelo governo, seus oponentes patronais e as diferentes variantes de centro-esquerda. Faz esta política a partir de uma proposta operária e socialista, de independência de classe, levantando um programa de promoção da mobilização dos trabalhadores e setores explorados contra o governo e os patrões. A Frente de Esquerda se apresenta como uma referência política para aqueles que lutam pela independência dos sindicatos e pela expulsão da burocracia sindical e de suas gangues, e pela independência de todos os movimentos populares do capital e de seu Estado”.

A comprovação de que a FIT-U é uma frente político-eleitoral, e não apenas “eleitoral” por fora de um programa claro, está nas inúmeras declarações políticas feitas frente a cada fato de importância política nacional ou internacional, ou data importante como o 1º de maio, ou no dia 24 de março, aniversário da ditadura militar na Argentina. Essas declarações se encontram simplesmente olhando os jornais das forças políticas que a compõem. A FIT, desde seu início, desempenhou um papel altamente progressista. Apesar de nossas diferenças, junto com os camaradas do Partido Obrero e da Izquierda Socialista, temos levantado uma alternativa de independência de classe, lutando contra todas as variantes patronais, a partir de um programa que culmina na luta por um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo, única saída fundamental para acabar com o atraso e a decadência nacionais [1].

A FIT-U em cada oportunidade, não só nas eleições, agita uma política revolucionária para as massas, partindo de que o proletariado argentino, mesmo sendo muito combativo, também tem uma consciência atrasada, que segue o seu partido histórico, que funciona como contenção e desvio de qualquer caminho revolucionário: o peronismo, um partido burguês. Portanto, os trabalhadores jamais tiveram qualquer experiência de independência de classe, nem sequer de um partido operário-burguês. Nesse marco político, a FIT-U é um polo de independência de classe muito progressista, com legisladores que são verdadeiros tribunos do povo, presentes em cada luta dos trabalhadores e do povo pobre, e que nessas eleições tem como um de seus eixos de campanha “Trabalhar 6h, 5 dias na semana”, sem redução salarial, dividindo as horas de trabalho entre empregados e desempregados, lutando pela nacionalização dos bancos e do comércio exterior, contra o imperialismo e as burguesias locais, incluindo as experiências pós-neoliberais que administraram o capitalismo na década de 2000, apresentando a unidade operária e socialista da América Latina.

Acreditamos que a forma exacerbadamente auto proclamatória com que o PSTU reivindica a si mesmo como um fator que “tornaria desnecessária” uma política audaz de agitação da independência de classes (discutiremos isso adiante) é equivocada em seus fundamentos. Dentre as muitas razões que contra isso poderíamos apresentar, uma se destaca: a política do PSTU no Brasil está longe de exibir a inflexível independência de classes que a frente de distintos partidos trotskistas na Argentina oferece (dentro da qual o PTS tem consideravelmente mais peso na vanguarda operária e juvenil do que possui o PSTU no Brasil, algo que não utiliza como “cláusula” para evitar a existência da FIT-U).

O teste da luta de classes

No 1° de maio de 2016 na Argentina, o PTS (organização irmã do MRT) fez um ato frente à embaixada do Brasil em Buenos Aires. O eixo político fundamental foi contra o golpe institucional em curso no Brasil. O MRT tinha convocado também aos atos da CUT e CTB, PSOL, MTST e pela Frente Povo sem Medo, pois apesar da paralisia cúmplice que as centrais oficiais como a CUT e a CTB têm imposto ao movimento de massas, estes seriam os únicos atos contra o golpe; isso foi decisivo para o que aconteceria no Brasil no próximo período. Os outros dois partidos, o PO (ainda com Jorge Altamira) e a IS, não quiseram fazer um ato político tomando como principal objetivo se declarar contra o golpe institucional.

Naquele momento, a Unidade Internacional dos Trabalhadores (UIT), que no Brasil é representada pela CST, terminou capitulando à posição golpista. O PSTU chegou a discutir se iria ou não às manifestações pelo Fora Dilma que acabaram no golpe institucional, que como bem denunciamos como Fração Trotskista, à qual pertencem o MRT e o PTS, foi orquestrado pelo imperialismo ianque.

Isso, a respeito da luta de classes internacional, que ainda envolve o apoio aos processos de luta na Catalunha pelo direito à autodeterminação dos povos, o repúdio ao golpe militar na Bolívia em 2019, e o apoio aos processos de revolta no Chile e no Equador. Dentro da Argentina, a participação da FIT-U na luta de classes é permanente, em especial pelo peso que o PTS tem em diversas fábricas, empresas, nas escolas e universidades, com a orientação explícita de que as bancadas parlamentares só têm sentido se estiverem a serviço de impulsionar a luta de classes extraparlamentar, em sintonia com as diretrizes da III Internacional de Lênin e Trótski.

Portanto, a afirmação de que a FIT-U dá “ênfase cada vez maior e prioritária na luta institucional e parlamentar do que na ação direta e auto-organização dos trabalhadores” não tem nenhum fundamento real. Trata-se apenas de uma infeliz tentativa do PSTU de ocultar a enorme diferença da atuação da FIT-U, encabeçada pelo PTS, frente à esquerda brasileira que possui postos parlamentares, como o PSOL (algo curioso, já que ajudam o PSOL a esconder sua atuação puramente parlamentar, com uma política muito próxima do PT).

Isso não exclui que, em cada um desses processos, se expressem diferenças e lutas políticas sobre como atuar, em especial no que diz respeito às batalhas sistemáticas do PTS contra os métodos burocráticos (pela democracia operária e auto-organização dos setores em luta) e contra o corporativismo sindicalista (pela unidade de todos distintos setores da classe trabalhadora, empregados e desempregados, e dos distintos setores da juventude, o movimento estudantil e a que vive na pele o trabalho precário).

Ocultamento do próprio programa, ou divergências abertas entre as forças da FIT-U?

O PSTU diz que a proposta feita pelo PTS, em 2018, às demais organizações da FIT para debater programática e estrategicamente as possibilidades de um partido unificado da esquerda socialista seria contrária aos métodos do trotskismo. Pelo contrário, a proposta exploratória do PTS estava baseada nas sugestões do próprio Trótski em suas obras da década de 1930, que dirigiu inúmeras tentativas de enlace, coordenação e fusão com grupos centristas que rompiam à esquerda com a II e a III Internacionais (como ficou marcado na carta do Bloco dos Quatro, em agosto de 1933, em que a OEI [2] assinava um documento comum com o SAP alemão, a OSP e o RSP holandeses). O método histórico do trotskismo é a utilização de materiais comuns de debate, buscando atingir balanços comuns sobre as principais lições estratégicas e programáticas da luta de classes, a partir das intervenções concretas (e não um “acordo geral sobre a revolução permanente e o programa de transição”, como diz o PSTU).

A proposta para abrir o debate se realizou num ato massivo realizado a 6 de outubro do 2018, e depois numa carta pública intitulada “Avancemos para um partido unificado de esquerda, da classe operária e socialista”. Na proposta de partido revolucionário unificado, também incluímos um programa, baseado nos acordos prévios já conquistados pela FIT, e em particular o PTS aportou um Projeto de Programa atualizado que tinha votado numa conferência desse ano. O objetivo é “um partido onde possamos debater franca e fraternalmente nossas diferenças e alcançar uma disciplina comum na ação para atacar com um só punho na luta de classes.” Isso está expresso no artigo Seremos capazes de construir um partido unificado da esquerda revolucionária e socialista?.

Essa seriedade na concepção da própria proposta, que já não é parte da política presente do PTS, opõe-se pelo vértice à “adesão a formas de construção neorreformistas”, como parece sugerir o PSTU. De fato, ao abandonar a independência de classe como critério balizador (como é para o PTS na FITU), a LIT/PSTU se adapta a fenômenos oportunistas como a Lista del Pueblo no Chile, que com um programa frentepopulista de defesa da Constituição e da ordem (sic!) desapareceu em tempo recorde depois de tentar aproveitar a política de desvio do regime de Piñera com a convenção constituinte. Como explicamos aqui, a LIT/PSTU sequer deu fundamentos para qualquer balanço sério desse fracasso de sua política.

Outra invenção do PSTU sem qualquer fundamento é que o PTS “não defende seu programa”, e sim uma plataforma de esquerda em geral, em função da unificação das forças numa plataforma comum da FIT-U. Quando a realidade torna difícil as manobras “críticas” do PSTU, basta desfigurá-la, para inventar uma posição com a qual “polemizar”. O PTS busca batalhar no interior da FIT-U para imprimir a marca de seu programa transicional nesta tática político-eleitoral, que como dissemos é a única no mundo que agita de fato (e não só de palavras) a independência de classe e se encontra em cada luta operária, com candidatos operários (como Alejandro Vilca e Raúl Godoy) que defendem a perspectiva de um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo. Trata-se, quer o PSTU queira ou não, de uma frente absolutamente progressista.

O argumento de que as correntes não defendem seu próprio programa é reduzir a realidade ao absurdo, para facilitar esconder a verdade. As concepções programáticas e estratégicas não apenas seguem sendo defendidas pelos partidos, que são distintos no interior da FIT-U, como isso se dá de maneira polêmica entre as correntes, publicamente aos olhos da vanguarda.

Na arena internacional, há múltiplas polêmicas entre as correntes que compõem a FIT-U, e o PTS organizou de maneira escrita as divergências políticas, táticas e estratégicas com o PO, MST, e IS em países como França, Brasil, Peru, Chile, entre outros (ver artigo de Christian Castillo). Nos marcos da Argentina, as diferenças não são menos claras, nem menos públicas. Por exemplo, o MST, que é parte da FIT-U, saiu no país inteiro com uma chapa própria nas eleições prévias, contra as outras três forças (PTS, PO e IS); o MST, ademais, defende com insistência a ampliação da FIT-U a forças que não defendem a independência de classe, algo com que o PTS se diferencia abertamente. No âmbito das eleições prévias, o PO também saiu com chapa separada em Córdoba. No movimento sindical, o PTS publicizou, em inúmeras ocasiões, suas críticas à forma como o PO (e também o MST) desenvolve uma política clientelar no âmbito do movimento piqueteiro (administração burocrática de planos sociais estatais, bloqueando a autoorganização dos setores que influencia nesse movimento social), distante de uma política revolucionária (ver aqui). Essas diferenças apareceram em grande smomentos da luta de classes, como na atuação no movimento de ocupação de terras, que teve seu símbolo em Guernica, em 2020. No movimento sindical, as polêmicas que desenvolvemos com o PO e a IS, contra os métodos burocráticos que debilitam a autoorganização dos trabalhadores no Plenário Sindical Combativo, são também de conhecimento público em toda a vanguarda (ver aqui). Os debates entre as correntes adentram o terreno da opinião que cada uma possui sobre a orientação das demais, e o PTS deu publicidade às contribuições do PO e da Tendência de Jorge Altamira a sua última Conferência Nacional, respondendo a cada uma delas (ver aqui e aqui). Entre muitos outros exemplos.

São organizações distintas com interesses distintos, interesses que são expressos de maneira polêmica publicamente entre aquelas forças que fazem parte da FIT-U. Ao contrário do que o PSTU pensa, essa maneira de tratar franca e publicamente as polêmicas entre as correntes que são parte da FIT-U é uma das características mais progressistas dessa frente política, dentro da qual ninguém esconde o que realmente defende. Essas diferenças não impedem, entretanto, que exista uma coalizão que agite a independência política dos trabalhadores, com um programa transicional, há 10 anos na Argentina, e que conquiste setores de massas, debilitando o próprio peronismo nas zonas que fazem parte do coração da classe operária argentina (a Província de Buenos Aires), como mostra a imprensa burguesa (ver aqui e aqui). Consideramos uma conquista, nesse marco, que o MST, uma organização que durante anos esteve à reboque da centro-esquerda, tenha aderido a um programa de independência de classe marcado já na FIT-U.

Partimos de importantes acordos expressos no programa da FIT-U, bem como de suas declarações, que são uma base muito importante para a conformação de um programa claramente anti-imperialista, anticapitalista e socialista que o partido que queremos construir deve ter. As fantasmagorias que o PSTU cria para tentar diminuir a importância da FIT-U não resistem sequer ao primeiro exame.

Uma e mil vezes mais, polícia não é trabalhador

O autor diz que o MRT/PTS “está contra todas as greves da PM por princípio.” Isso é verdade, e é de público conhecimento na vanguarda brasileira e internacional. Em verdade, enquanto o PSTU segue defendendo os motins da polícia - destacamento especial de homens armados nesse Estado burguês, como explicam Engels e Lênin - vivenciamos em 2020 um dos maiores processos de rechaço à polícia e exigência a sua dissolução, o Black Lives Matter nos Estados Unidos (que teve repercussão na França e diversos países). A função da polícia é proteger a propriedade privada, os capitalistas e sua ordem, através do uso da violência contra os trabalhadores, a juventude, e o povo, sobretudo os pobres e negros, como explica Simone Ishibashi em sua nota Ataques do pezão no rio e a polícia.

O PSTU faria melhor aprendendo com o marxismo, do que continuando uma triste linha de apoio ao aparato repressivo do Estado, que o levou inclusive a apoiar motins milicianos bolsonaristas no Ceará.

A propósito, não há nenhum sentido em fazer analogias com as “21 condições” para entrar na Internacional Comunista, votadas no Congresso de 1920. Esse documento se refere a divulgar as ideias comunistas com atividades de propaganda sistemática no exército, que naquela época tinha em suas bases muitos soldados camponeses pobres e trabalhadores.

Mais uma vez sobre o NPA...e o surgimento de uma nova extrema esquerda na França

O PSTU critica a Fração Trotskista por ter trabalhado no interior do NPA, e mistura esse fenômeno, surgido em 2009 fruto da liquidação da ex-Liga Comunista Revolucionária (LCR) na França, com formações como o PSOL no Brasil, o Proyecto Sur na Argentina e a Frente Ampla no Peru. Para uma organização com cada vez menor existência a nível internacional, basta grosseiramente eliminar todas as diferenças e igualar todos como “farinha do mesmo saco”.

No momento de seu surgimento, o NPA representava um fenômeno contraditório, fruto do aparecimento como organização centrista (uma caracterização política de um grupo que oscila permanentemente entre a reforma e a revolução), que representava um polo de atração para a vanguarda da esquerda que se politizava com o estouro da crise mundial de 2008. Por um lado, expressava na direção da antiga Liga Comunista Revolucionária (LCR) um giro à direita, rumo a um partido “anticapitalista” sem definição estratégica, para tratar de capitalizar a simpatia que havia gerado a candidatura de Olivier Besancenot nas eleições presidenciais de 2007. Por outro, ao se colocar numa localização independente dos partidos reformistas, o NPA representou um terreno possível de intervenção. Permitindo o ingresso tanto de novos membros independentes, como de tendências organizadas, o NPA teve uma explosão militante inicial, ultrapassando os 3 mil, aproximadamente, que tinha a LCR naquele momento, e chegando a mais de 9 mil membros, que buscavam uma saída “à esquerda da esquerda” do PS e do PCF.

Os companheiros simpatizantes da Fração Trotskista na França, naquele momento, organizaram com outros militantes a Corrente Comunista Revolucionária (CCR) e se incorporaram ao NPA, criticando desde o início as bases programáticas fundacionais do partido, indicando que tinha que ser um partido revolucionários de trabalhadores, sem ambiguidade estratégica, e defendendo o direito a uma publicação própria para batalhar por essa perspectiva. A direção mandelista passa por uma crise com sua orientação de diluição no espaço político de Mélenchon; para seguir seu caminho oportunista, os mandelistas violaram todos os preceitos democráticos mais básicos e excluíram a CCR, que saiu com uma forte coluna de 300 militantes para construir o Révolution Permanente, agora batalhando para conquistar a candidatura presidencial do operário ferroviário de origem imigrante Anasse Kazib, que se tornou o pesadelo da extrema direita, e cujo lançamento contou com mais de 450 pessoas, grandes referências dos movimentos sociais, do movimento negro e contra a repressão policial (como Assa Traoré), sindicalistas e personalidades do mundo do trabalho.

Fruto da batalha política prévia que se deu, surge uma nova extrema esquerda com independência de classe, operária e internacionalista, que pela primeira vez em décadas na França está preparada para aproveitar uma das crises recorrentes do mandelismo. O que o PSTU tem a dizer sobre isso? O silêncio em sua imprensa é revelador.

As discussões sobre unidade no Brasil

Grande parte do livro se dedica a uma discussão específica com o MRT tanto sobre as diferenças políticas que tivemos com o PSTU nos últimos anos, mas também sobre a proposta que o autor atribui ao MRT de que propomos uma FIT-U no Brasil ao PSOL.

A começar pelas discussões políticas, o debate não é novo. Mais uma vez os companheiros insistem na equivocada posição política de que, para se diferenciar do PT, é necessário fazer coro com a direita golpista. Em suas palavras: “O PTS/MRT tem uma opinião de que a queda de Dilma foi fruto de um “golpe parlamentar” e que desde então vivemos uma situação defensiva (reacionária?). Nesse contexto, a prisão de Lula teria sido uma arbitrariedade completa e teríamos de fazer parte do movimento “Lula Livre”. A nossa opinião é que a queda de Dilma é mais um fruto do ascenso aberto em 2013 que levou, por um lado, a uma ruptura progressiva das massas com o PT e, por outro, à perda de funcionalidade do PT diante da burguesia, que o descartou usando uma medida jurídica. Após a queda de Dilma, a crise burguesa se aprofundou. Esteve colocado o “Fora, Temer!” e novas eleições, mas jamais o “Fica, Dilma!”, como os arautos do “golpe” defenderam de fato contra a esmagadora maioria da classe trabalhadora e do movimento de massas, para alegria da burguesia. A situação da luta de classes se acirrou de tal maneira, a ponto de ter ocorrido a maior greve geral em 2017 desde muitos anos; de se ter ocupado Brasília no meio do mesmo ano num dos atos mais radicalizados desde a redemocratização, com um enfrentamento com a polícia que durou mais de quatro horas; e de, em 2018, uma greve de caminhoneiros ter parado o país por dez dias. Aliás, nessa greve, estivemos também de lados opostos. O MRT, seguindo a cantilena de uma parte do PT e do PSOL, acusava os caminhoneiros de bolsonaristas e, com esse discurso, colocaram-se contra a greve. Tampouco temos acordo com a caracterização de que Bolsonaro é um fruto direto do impeachment de Dilma, da prisão de Lula e da debacle eleitoral do PT. Bolsonaro é também fruto do fato de que as organizações que em tese deveriam estar à esquerda do PT e ser uma alternativa a ele e à frente popular foram arrastadas pela narrativa petista do golpe institucional (que, para o PT, é fruto de 2013), da perseguição a Lula e aos principais dirigentes desse partido, “passando pano” para a corrupção, o estelionato eleitoral de Dilma e o governo social-liberal e privatista que o PT realizou por 13 anos, abandonando a classe trabalhadora em ruptura com o PT. O PSOL, o MST e o MTST foram os campeões dessa narrativa pelo seu peso e tamanho. Mas o MRT deu sua parcela de contribuição como a ala esquerda dessa campanha”.

Mais uma vez precisamos apontar o erro da análise dos camaradas que não somente faz com que inexista na análise todas as instituições do regime que foram parte desse golpe institucional como o Congresso Nacional e o STF como terminam embelezando o papel das burocracias sindicais. Retomam as experiências de ações da classe trabalhadora em 2017 sem apontar justamente o desmonte feito pelas direções burocráticas, que culminou na aprovação da reforma trabalhista pelo governo golpista de Temer. Nós fizemos muitas discussões com os companheiros do PSTU para tentar convencê-los de que era possível ter uma política independente do PT rechaçando o golpe institucional - inclusive o autor confunde nossa posição com a posição do MES que usa o termo “golpe parlamentar” para isentar o papel do judiciário, quando nós fomos a organização que mais denunciou o papel do STF e de operações como a Lava Jato.

Essas discussões que fizemos na época tiveram eco dentro do PSTU no momento em que o partido se dividiu ao meio (dando origem ao MAIS, que se tornou Resistência). Mas infelizmente nem os setores que ficaram no PSTU e nem os setores que saíram do PSTU chegaram a uma política correta em relação ao regime do golpe institucional, cometendo erros simetricamente opostos. O PSTU, insistindo que não se tratava de avanço da direita, que a situação era revolucionária e que era preciso levantar a consigna Fora Todos (o que na prática incluía o grito da direita e da extrema-direita por Fora Dilma); e por outro lado a atual Resistência, que para rechaçar o golpe institucional se subordinou à política do PT. O MRT combateu ambas as políticas, adotando a política de rechaçar o golpe institucional de forma independente do PT. A posição dos companheiros do PSTU de que tudo se tratava de um avanço das massas fazendo experiência com o governo do PT não lhes permite explicar a ascensão de Bolsonaro, tanto que dizem que nada teve a ver com o impeachment, a prisão de Lula nem nada disso, e chegam ao cúmulo de praticamente culpar a esquerda, incluindo o MRT, pela ascensão de Bolsonaro (sic)...

Este debate já segue há 6 anos. Mas suas raízes remetem a posições históricas do morenismo e da revisão teórica feita pela LIT em relação ao que podemos chamar de “etapismo” no processo revolucionário, que tem como consequências assumir adaptar-se aos fenômenos políticos tais quais são, apoiar qualquer direção para qualquer mobilização “antigovernamental”, mesmo que essa direção seja burguesa, apenas seguindo o movimento “objetivo” das massas, sem importar o conteúdo e caráter deste movimento. Essa “teoria da revolução democrática”, herdada de Nahuel Moreno e exacerbada a píncaros inacreditáveis, levou a posições trágicas da LIT em toda a Primavera Árabe, para não dizer de processos como o da Ucrânia em 2014 (em que se alinhou com a extrema direita do Euromaidán), ou na questão venezuelana (em que ficou junto à direita “esquálida”). Como viemos debatendo, entretanto, neste momento de difícil situação de ataques e com um novo marco estratégico rumo a 2022, consideramos que a continuidade desses debates não impede de avançarmos em unidade como estamos fazendo agora em comum construindo o Polo Socialista e Revolucionário.

Também como parte das discussões que o autor nos interpela está o debate sobre a reprodução de uma FIT-U no Brasil. Todo o desenvolvimento da argumentação é que seria impossível uma frente dessas características no Brasil, porque seria somente o PSTU o único partido capaz de levar adiante uma FIT-U, e por isso não faria sentido. Essa discussão se faz em polêmica, na realidade, com a CST que defende uma FIT-U no Brasil com PSOL, PSTU, PCB e UP, algo que consideramos que seria a negação da FIT-U, já que a majoritária do PSOL está subordinada politicamente ao PT. Mais incoerente ainda o chamado a correntes stalinistas no Brasil, como o PCB, que por mais que em palavras digam defender a “independência de classes”, os atos não correspondem ao discurso (a defesa do stalinismo é incoerente com qualquer tipo de independência política, ainda mais observando as movimentações dos stalinistas no apoio ao impeachment). A unidade dos trotskistas para esclarecer essas questões junto à vanguarda, sem sectarismo, é fundamental, para que o chamado à defesa da independência de classes e da revolução seja coerente.

Portanto, ainda que o autor tente misturar posições, essa não é nossa política. Não estamos fazendo uma discussão organizativa e sim de conteúdo: o exemplo que queremos trazer para o Brasil é do programa de independência de classe da FIT-U, e especialmente a prática política na luta de classes que o PTS, organização irmã do MRT, leva adiante como parte da Frente de Esquerda. Inclusive, em nossa visão, o avanço que estamos dando com um Polo Socialista e Revolucionário, que na nossa visão deve priorizar a intervenção nos processos de luta em curso de forma unitária, pode ser uma importante base para uma frente política eleitoral no próximo ano, inspirada no programa e na experiência da Frente de Esquerda argentina. Seria muito importante os companheiros do PSTU opinarem sobre como vêem essa questão.

Mais ao final da elaboração o autor abre um debate chamativo sobre um suposto “partido comum” entre PSTU e MRT, discussão que, a nosso modo de ver, não está colocada em lugar algum. Ainda que aparece em forma de “negativa” é curioso que em determinado momento do livro surja a seguinte frase “(...) Só essa diferença já seria motivo para dizermos que neste momento é impossível termos um partido comum com o MRT e que, se tal partido existisse, viveria uma eterna crise e paralisia. Ou o MRT e seus militantes, após discutirem cada um desses pontos e ficarem em minoria sobre tais questões, estariam dispostos a aplicar, de forma centralizada, a política que a maioria votasse?”. Não sabemos, ao certo, a qual discussão os companheiros precisam responder para negar esta “unificação”. A transposição mecânica do debate aberto de um partido unificado na Argentina em base a experiência de mais de 10 anos da FITU Argentina para o Brasil é um tanto forçada, levando a discussões que expressam receios ainda não muito claros e desembocam em posições sectárias como o questionamento a organização de Conferências internacionais, como a última realizada virtualmente, da qual o PSTU e a LIT se negaram a participar.

A discussão de partido, portanto, está mal posta pelo autor. Há que encarar de frente o problema de superação do PT pela esquerda, sem mesquinharia. Qualquer discussão séria nesse terreno deveria começar por discutir qual atuação ter no movimento operário, já que um pilar inescapável para construir um partido revolucionário no Brasil é a defesa sistemática de correntes antiburocráticas e anticorporativas em cada sindicato, verdadeiras frações revolucionárias no sentido leninista, e também no interior dos movimentos da juventude trabalhadora desprovida de organização sindical, que lutem pela auto-organização, pela democracia operária e a unidade contra as burocracias sindicais.

Neste sentido, também todas as críticas em relação ao pedido de entrada do MRT no PSOL, com nossas próprias bandeiras são extremamente frágeis já que a direção majoritária do PSOL justamente não permitiu a entrada do MRT pela força dos nossos quadros e pelo peso que tem o Esquerda Diário para disseminar uma posição de independência de classe dentro do próprio partido, avançando em alas revolucionárias, como em algum sentido ocorreu no NPA francês - ainda que com uma formação bastante distinta daquela do PSOL.

Por fim, a conclusão dos companheiros é que o PSTU quer uma unidade, mas isso não pode se dar em base a transposição mecânica de uma tática eleitoral. Na nossa visão não se trata de transposição mecânica e sim de tomar o exemplo de um programa de independência de classe. Façamos da experiência com o Polo Socialista Revolucionário uma plataforma de debates e atuação comum para ser base de uma frente política e eleitoral que tome o programa da FIT como exemplo e se coloca a serviço da luta de classes, aglutinando mais setores da esquerda independente do PT. Acreditamos que essa seria uma forma de avançarmos na unidade que os companheiros dizem defender.

Para abrir o debate

Colocamos esses elementos para a discussão. Como dissemos no início, esperamos fomentar a reflexão, e tomar essas lições conferidas pelo grande exemplo da FIT-U para abrir a discussão sobre a construção, junto a correntes da esquerda brasileira, uma frente política de independência de classes que parta de uma aliança para resistir, na luta de classes, aos ataques do governo Bolsonaro, do regime golpista e todos os capitalistas.


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FOOTNOTES

[1A luta eleitoral da Frente de Esquerda está a serviço de organizar e elevar os trabalhadores à luta pelo seu próprio governo”. Declaração programática.

[2Oposição de Esquerda Internacional.
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André Barbieri

São Paulo | @AcierAndy
Cientista político, doutorando pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é editor do Esquerda Diário e do Ideias de Esquerda, autor de estudos sobre China e política internacional.
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