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ANÁLISE | Coronavírus: entre a pandemia e a irracionalidade do sistema capitalista

Por trás da paranoia que alimentam Governos e grandes meios de comunicação, se escondem muitas coisas.

quinta-feira 12 de março de 2020 | Edição do dia

Foto: EFE

Esta quarta-feira, já tarde da noite, Donald Trump se rendeu à evidência dos fatos. A medida drástica de suspender as viagens entre Europa e EUA busca fugir de um cenário como o italiano. Desafiando os pedidos de cooperação que invadem o éter mundial, o morador da Casa Branca chuta o tabuleiro internacional. As consequências incertas deverão ser calibradas nas próximas horas.

No país norte-americano, até o último sábado, apenas 1.700 pessoas haviam se submetido a exames para testar se carregavam o vírus. As razões de fundo se sustentam em um sistema sanitário que deixa à margem milhões de trabalhadores e trabalhadoras. A nação apresentada historicamente como “terra das oportunidades” não concede sequer o direito a ter febre.

O cenário italiano se mostra dramático. Ao fechamento desta edição, se contabilizam 827 mortos e mais de 12.000 infectados. O país inteiro se encontra em quarentena. Sessenta milhões de almas são friamente confinadas a uma prisão a céu aberto.

Se exploram razões, hipóteses, explicações. As respostas vão desde a idade das pessoas até a crise de seu sistema de saúde. Um dado é evidente: na última década, os governos daquele país reduziram o orçamento de saúde em 37 bilhões de euros. A cifra é astronômica. Equivale a menos leitos, menos médicos, menos enfermeiras, menos tudo.

Benjamin Cowling, professor de Epidemiologia da Universidade de Hong Kong, disse à BBC que, na Itália, “os hospitais estão muito ocupados e não há médicos e enfermeiras suficientes. Será um problema que afetará muitos outros países, não ter equipamentos, medicamentos e médicos suficientes”. Os dados estão ao seu lado: no Estado Espanhol, o setor sanitário sofreucortes de entre 15.000 e 21.000 milhões de euros na última década.

A austeridade fiscal não nasceu do nada. Foi a “herança recebida” logo depois que os Estados capitalistas salvaram conjuntamente os bancos. Aqueles que em 2007-2008 levaram o mundo à borda do precipício.

Um filho legítimo da anarquia capitalista

A raiva de Bruno Canard [virologista do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, N.d.T.] é evidente. Transparece em cada linha da carta que publicou há uma semana atrás. O pesquisador francês trabalhou durante anos na cepa dos coronavírus, mesmo após o surto de SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave) em 2002. A falta de recursos e pronto atendimento deixou-o à deriva: “Com minha equipe, continuamos trabalhando, mas com fundos escassos”.

Peter Hotez sofreu a mesma decepção. Em 2016, com sua equipe do Colégio de Medicina de Houston, esteve a ponto de alcançar uma vacina contra o coronavírus. Cortou-se o financiamento justo quando deviam passar da realização de testes em animais para a realização em humanos.

Duas experiências, dois fracassos. Milhares de quilômetros de distância. O coronavírus não era imprevisível. Desde o começo do século, com o SARS no meio, poderiam ter sido assentadas as bases para criar vacinas de prevenção. Muitas vidas poderiam ter sido salvas. O “tempo perdido”, que hoje lamentam os cientistas, não foi contingência, mas o resultado das opções políticas do Estado burguês.

A irracionalidade do mundo capitalista - nascida da busca incessante do lucro - provê outras aberrações. Enquanto há vacinas que não se desenvolvem porque não garantem renda imediata, há pandemias que se “promovem” desde os grandes laboratórios.

Assim ocorreu com a propagação do vírus H1N1, que foi popularmente conhecido como Gripe A. Chegado ao mundo em 2009, rapidamente converteu-se em um negócio excepcional para os grandes laboratórios. Em julho daquele ano, a farmacêutica Roche se orgulhava de ter ganho USD 937 milhões apenas no primeiro trimestre. A britânica Glaxo, por sua parte, projetava lucros de USD 1,6 bi. nos seguintes seis meses. Enquanto isso, a OMS omitia informar que três de seus especialistas mantinham laços financeiros com ambos laboratórios.

Por trás da fria contagem de contágios e mortes, estão os interesses dos donos do mundo, suas operações e suas manobras. Por trás das encenações, encontramos as tentativas de torcer a vara em favor de seus negócios.

Alternativas

Há poucas semanas atrás, o filósofo Giorgio Agamben escreveu “parece que, tendo exaurido o terrorismo como causa de medidas excepcionais, a invenção de uma epidemia pode oferecer o pretexto ideal para estendê-las além de todos os limites”.

A pandemia realmente existente se alastra como uma sombra. Assedia aqui e ali. Se multiplica em vozes e palavras. As grandes corporações midiáticas militam ativamente: fabricam e distribuem o discurso do terror e da paranoia. Populistas e liberais demandam um Leviatán que imponha ordem e controle sobre o conjunto do território.

A sociedade é convertida em um gigantesco panopticon onde, em nome do “bem comum”, todos podem ser submetidos a uma férrea e constante observação. Racismo e xenofobia caminham de mãos dadas, apenas um passo atrás.

Porém, o Estado gendarme que vigia a porta de cada casa é o grande ausente na hora da prevenção e dos cuidados. Consequentemente, não pode garantir a saúde das grandes maiorias. As medidas de emergência que eventualmente tome têm um limite pré-definido: o umbral da grande propriedade privada capitalista.

Diante de grandes catástrofes, são necessárias medidas radicais, capazes de alterar realmente a ordem existente. Para garantir que essa nova crise não recaia sobre as grandes maiorias, é preciso atingir os lucros das minorias privilegiadas. Aqueles que lucram com a saúde e com a enfermidade, como ocorre com os grandes laboratórios, clínicas privadas ou bancos, entre muitos outros.

Vírus evitáveis; pandemias “propagandeadas”; países inteiros aprisionados. A cada instante é possível visualizar a violenta irracionalidade do capitalismo, sua decadência. A luta por superar seu miserável horizonte se encontra justificada.

Tradução: Caio Reis
Texto originalmente publicado em La Izquierda Diario.




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