×

POEMA | Coração de frango

Luiza RomãoAtriz, poetisa. São Paulo.

quinta-feira 23 de abril de 2015 | 01:19

e o coração,
quanto pesa?
perguntou ela,
moça magrela
de expostas costelas,
ao homem bigodudo
detrás do balcão.

depende,
de boi ou de frango?

intrigada
não entendeu,
pois era do dela
que tratava.

sabia que pouco valia,
era carne fraca
sangue de anemia
que batia mais por inércia,
do que serventia.

na verdade,
queria fazer uma barganha,
trocar seu coração
por, quem sabe,
um naco de picanha.

o homem não estranhou a proposta
da moça de costelas expostas.
era a terceira vez
que vinham lhe oferecer
aquele estranho produto
já conhecidamente sem uso.

mas por pena ou caridade
lhe ofereceu em troca
duas asas de frango.
o que era muito,
comparado ao seu tamanho.

faminta,
aceitou sem demora.
lambuzou-se com as asas alheias,
visto que ela,
bicho terreno,
não conhecia tais atrevimentos.

até hoje não se sabe:
se foi a gordura espessa
ou a carne fibrosa
(tão desconhecidas a seu corpo de menina)
que lhe causaram alucinação.

fato é que
munida da carcaça das duas asas,
uma em cada mão,
acreditou-se ave,
ave maria,
e do parapeito da janela,
estufou o peito externo.
de um só golpe
sentiu o corpo leve.

o voo foi breve.
o baque, surdo.
a carne mole,
moída na calçada,
parecia que indagava:

e meu corpo,
quanto vale?


Temas

Cultura



Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias