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TEORIA REVOLUCIONÁRIA | Contra o autoritarismo judiciário e as reformas: como os marxistas lutam pelos direitos democráticos

Entenda como a apropriação da teoria revolucionária de Trotsky e Gramsci é chave para elaborar uma estratégia capaz de orientar a luta em defesa dos direitos democráticos e contra as reformas.

Simone IshibashiRio de Janeiro

quinta-feira 8 de fevereiro de 2018 | Edição do dia

Eis que esses privilegiados de toga, que não foram eleitos por ninguém, querem agora sequestrar o direito democrático básico do povo decidir em quem votar. Trata-se da continuidade do golpe dado em 2016 que busca degradar ainda mais a democracia burguesa em que vivemos. Impedir essa ofensiva autoritária é fundamental. Para demonstrar porque recorremos nesse artigo algumas lições de estratégia deixadas por Trotsky e Gramsci que armam a necessária luta em defesa das demandas democráticas.

O voto como direito elementar e a luta de classes

O "sufrágio universal" (voto para todos) é um direito básico da democracia burguesa. É um dos poucos, senão o único, direito político dos trabalhadores nessa democracia dos ricos que se degrada a cada dia. E agora a casta do Judiciário quer arrancar das mãos dos trabalhadores e do povo até mesmo esse mínimo direito. A esquerda golpista, como o PSTU, os autonomistas e anarquistas de todos os tipos afirmam que defender o direito do povo de escolher em quem votar seria uma adaptação à democracia burguesa. Nada mais longe da verdade. Os que são incapazes de defender os direitos mínimos dos trabalhadores são igualmente impotentes para armar o combate por suas demandas ofensivas, como a destruição do capitalismo e a abolição da propriedade privada.

Tampouco se pode cair na “defesa”, se é que assim pode ser chamada, desse direito sob a forma que assume na boca dos petistas. Em uma sucessão vergonhosa de entrega de posições sem nenhuma luta, o PT e Lula se ajoelham diante do autoritarismo judiciário e tentam garantir sua candidatura se submetendo à negociação com os próprios golpistas. A mesma receita que possibilitou o golpe. Com isso demonstram como mesmo hoje, seguem temendo mais a mobilização das massas do que o avanço da direita e do autoritarismo, ou bonapartização, do regime burguês.

A questão, portanto, é com que métodos se devem defender os direitos democráticos e com qual fim estratégico. Na contramão das posições acima, os comunistas a começar por Marx, seguido por Lenin, Trotsky e Gramsci não alimentaram ilusões de que os interesses da classe trabalhadora em acabar com a exploração a que estão submetidos no capitalismo se daria através do voto. No entanto, defendiam a universalização do voto como um direito elementar, que se insere ainda no marco da democracia burguesa. Para isso recorriam às exigências aos partidos ditos democráticos, combinando-as sempre com os métodos da luta de classes. Trotsky debatendo o regime político da Inglaterra na década de 1920:

Mas o que é a Câmara dos Comuns? Pode ser qualificada de democrática ainda que só do ponto de vista formal? De nenhuma maneira. Setores importantes do povo estão privados do direito ao voto. As mulheres não votam, só a partir dos 30 anos e os homens a partir dos 21 anos. A diminuição da idade eleitoral constitui do ponto de vista da classe trabalhadora uma reivindicação democrática elementar. (...) Desse modo o atual parlamento inglês constitui a mais escandalosa zombaria da vontade do povo, ainda entendendo-a no sentido da democracia burguesa. A classe trabalhadora tem o direito de exigir, ainda se mantendo no terreno dos princípios da democracia, à atual Câmara dos Comuns privilegiada e usurpadora, a instituição imediata de um tipo de voto verdadeiramente democrático? E se o parlamento responde com um “isso não é possível” (...) teria o proletariado o direito a exigir mediante a greve geral a um parlamento usurpador direitos democráticos eleitorais?[1]

Respondendo positivamente à sua própria pergunta, Trotsky demonstra como os marxistas, ao contrário de renegar a luta pelo voto universal como parte dos direitos democráticos mínimos e formais, devem se lançar decididamente nesse combate, especialmente quando atacado pelo próprio Estado burguês, munindo a classe trabalhadora de uma estratégia da luta de classes. Hoje o Judiciário tem atuado como uma força autoritária, que busca usurpar o direito do povo e dos trabalhadores a votar em quem quiser. Sem semear nenhuma ilusão seja na democracia burguesa ou no voto, deve-se organizar o combate contra todos os ataques autoritários da burguesia e seus representantes, com os métodos da classe trabalhadora, isto é exigindo também uma greve geral que defenda esse direito e o fim das reformas trabalhista e da previdência. Negar isso não é "salvar-se"da capitulação à democracia burguesa. É justamente se adaptar às suas alas mais usurpadoras e autoritárias.

Defender os direitos democráticos é lutar politicamente contra o PT

Um dos argumentos que mais é utilizado para negar a defesa do direito ao voto é o de que isso equivaleria a fazer campanha política para Lula e o PT. Novamente um erro que a todos os que se definem como marxistas e parte da esquerda não é dado o luxo de cometer. Como já dissemos, desde o golpe institucional de 2016 Lula e o PT não cansam de dar mostras da submissão, entreguismo e negociação com os golpistas. Mesmo hoje Lula afirma acreditar que será inocentado, apesar da Lava Jato ter montado um processo que é uma verdadeira aberração. Não se trata de inocência. É a expressão da estratégia do PT que historicamente atuou como um freio para a luta de classes.

Porém, a melhor luta contra a estratégia do PT não é exigir que Lula seja preso sem provas pela casta antioperária do Judiciário que se volta a todo instante contra as organizações de esquerda, num regime que ataca os negros, trabalhadores e pobres. Pelo contrário, a melhor maneira de superar a estratégia do PT é justamente mobilizando os trabalhadores para defenderem até o fim seus direitos democráticos, algo que Lula tem se negado veementemente a fazer. Vejamos o que diz Gramsci a respeito da luta pelas demandas democráticas:

A apresentação e agitação dessas soluções intermediárias é a forma específica de luta que há que usar contra os auto-denominados partidos democráticos que são, na realidade, um dos pilares mais fundamentais da ordem capitalista vigente e como tais compartilham o poder, alternativamente com os grupos reacionários, quando estes partidos estão ligados a setores importantes e decisivos da população trabalhadora, e quando é iminente e grave um perigo reacionário (...). Nestes casos, o partido comunista obtêm os melhores resultados agitando as mesmas soluções que deveriam adotar os supostos partidos democráticos, se esses soubessem dar uma luta consequente pela democracia, com todos os meios que a situação exige. Ante a prova dos fatos esses partidos se desmascaram ante as massas e perdem sua influência sobre elas.[2]

Assim, é obrigatório organizar os trabalhadores para lutarem não pelo PT, mas contra o ataque do autoritarismo Judiciário denunciando ativamente suas tramoias, prisões sem provas, conduções coercitivas, delações premiadas, e discutindo pacientemente como essas não estão a serviço de atacar a corrupção, mas os próprios trabalhadores. Defender a necessidade disso é a melhor forma de demonstrar como Lula não pode ser visto como “mal menor”, pois não se coloca em nenhum nível a tarefa de organizar qualquer luta consequente sequer pela democracia, como diz Gramsci. Quem dirá pela revogação das reformas e dos ataques que estão sendo feitos contra os trabalhadores. Essa é uma tarefa que deve ser levada a frente pelos trabalhadores e o povo, e nisso reside a importância da articulação legada por Trotsky entre a defesa dos direitos democráticos existentes e um programa transicional para a conquista de uma democracia para os trabalhadores e o povo, cuja expressão é um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

A luta pelas demandas democrático-radicais: uma ponte para um governo dos trabalhadores

Vimos como Trotsky e Gramsci jamais negaram a necessidade de defender as conquistas democráticas, mesmo as formais que são parte da democracia burguesa, com os métodos da luta de classes. Mas não encaram essa como uma verdadeira democracia para os trabalhadores. A democracia burguesa baseada no sufrágio universal, em que a cada 2 anos se vota, tem como objetivo manter a separação das massas do governo do Estado. A impossibilidade de revogação dos mandatos dos juízes e políticos, as divisões entre o Executivo e o Legislativo, e a não eleição dos juízes são alguns mecanismos do regime para garantir que assim seja.

Já a democracia dos trabalhadores - historicamente expressa na "democracia soviética" - se baseia no oposto. Atua através de mecanismos que garantem a mais ampla participação das massas no Estado. O legado da Comuna de Paris de 1871 expressa isso, com a instauração da revogabilidade pelos trabalhadores de todos os políticos, juízes e funcionários, o fim dos privilégios, a fusão dos poderes legislativo e executivo.

Trotsky será um dos principais responsáveis por elaborar um sistema que articula as demandas democrático-radicais, como as da Comuna de Paris, criando uma transição entre o regime existente e uma democracia dos trabalhadores, a ser imposta através da luta de classes. Em seu texto Programa de Ação para a França, escrito em 1934 Trotsky defende que:

Somos, pois firmes partidários do Estado operário-camponês, que arrancará o poder dos exploradores. Nosso principal objetivo é o de ganhar para esse programa à maioria de nossos aliados da classe trabalhadora. Mas enquanto a maioria da classe trabalhadora siga apoiando-se nas bases da democracia burguesa, estamos dispostos a defender tal programa de violentos ataques da burguesia bonapartista e fascista. Porém, pedimos a nossos irmãos de classe que adiram ao socialismo “democrático”, que sejam fieis à suas ideias: que não se inspirem nas ideias e métodos da III República, mas nos da Convenção de 1793. [3]

Assim, vê-se como Trotsky defende a democracia burguesa contra os ataques da própria burguesia, mas não com os métodos parlamentares, e sim com os da luta de classes. Isto é, sem deixar de fazer com que sua defesa esteja ligada a preparar as condições para derrubar o regime democrático degradado da burguesia em função de um sistema político superior, sob a hegemonia dos trabalhadores, destruindo o capitalismo.

Nesse sentido, hoje assume uma importância enorme a retomada desse programa. Ligar o combate ao bonapartismo judiciário com as demandas de que todos os políticos e juízes sejam eleitos e revogáveis pelos trabalhadores e pelo povo, que ganhem o mesmo que uma professora, que se eliminem os tribunais superiores, e se instituam júris populares para investigar e julgar os corruptos é essencial. Essas medidas devem ser parte da imposição de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, que revogue todas as reformas e estatize as empresas entregues aos capitalistas, sob o controle dos trabalhadores.

É no calor dessa luta, que inicialmente assume uma forma defensiva contra a reforma da previdência e o ataque bonapartista do Judiciário, que a classe trabalhadora sentirá a necessidade de construir seus próprios organismos de poder, baseados na democracia direta que superarão a democracia degradada atual. Apropriar-se dessas lições teóricas oferecidas por Trotsky [4] é o que pode permitir que se crie uma ponte entre a consciência atual das massas, e a preparação de um partido revolucionário dos trabalhadores, indispensável para superar a tragédia da experiência do PT pela esquerda.

[1] Leon Trotsky, Aonde vai a Inglaterra? pág. 98-99. Editora El Yunque
[2] Antonio Gramsci, “A situação italiana e as tarefas do PCI” pág. 258-259
[3] Leon Trotsky, “Um programa de ação para a França”, pág. 34
[4] Esse esforço da Fração Trotskista do qual o MRT faz parte está condensado no livro de Emilio Albamonte e Matías Maiello, “Estrategia Socialista e arte militar”, cujas reflexões serviram como base para esse artigo.




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