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USP | “Contra a Reitoria, com chuva ou frio!” Sobre a greve da Letras USP

sexta-feira 29 de julho de 2016 | Edição do dia

Dia 12 de maio. Esta foi a data de início da greve dxs estudantes de Letras da Universidade de São Paulo. O sindicato dxs trabalhadorxs (Sintusp) havia declarado greve já no dia anterior. Uma semana antes, a paralisação geral dxs estudantes e trabalhadorxs informara a população uspiana sobre o indicativo de greve e, naquele momento, ficou muito nítido quem seria e quem não seria apoiadorx do movimento. Muitxs docentes da Unidade mostraram-se contrárixs à interrupção das aulas, alegando prejuízos irreversíveis aos/às estudantes, outrxs, mais progressistas, ainda aguardavam a decisão de sua própria categoria para fazer alguma declaração. Mesmo em meio a um cenário de dúvida e medo que pairava no ar, xs estudantes perceberam que havia alguma, ou muita, coisa errada na forma como o curso era gerido, sendo a previsão de falta de professorxs a constatação mais alarmante de todas, e que, portanto, algo precisava ser feito urgentemente. Desse modo, foi no dia 11 de maio que a categoria estudantil votou greve em uma assembleia com mais de 600 participantes, somando-se xs representantes do período diurno e noturno do curso.

Porém, essa estava longe de ser uma greve comum. Ao mesmo tempo que xs estudantes ansiavam por mudanças, havia uma preocupação de que, ao cessarem as aulas, houvesse um esvaziamento do espaço, como fora de costume nas paralisações anteriores, as famosas “greves de pijama”. Por essa razão, um novo método que, de fato, mobilizasse as pessoas era premente e fundamental, logo, inspiradxs pela luta dos secundaristas, que de forma muito madura e organizada reivindicaram seu direito à educação pública e de qualidade, xs estudantes votaram pela ocupação do prédio da Letras, um movimento ímpar na história do curso. Com o lema “façamos como os secundaristas”, estudantes de outros cursos sentiram-se encorajados para lutar e, aos poucos, outras unidades declararam greve. Apoiando o forte movimento que acontecia na Letras, a Escola de Comunicação e Artes (ECA) também aderiu à ocupação, sendo a última unidade a ser violentamente desocupada, por motivo de forte repressão policial. Xs estudantes dos cursos de História e Geografia também aderiram brevemente à ocupação, indicando que o diferente método estava inspirando novas formas de luta e resistência. Assim como xs alunxs da Veterinária, Física e outros cursos ocuparam partes de seus prédios.

Certamente, o movimento de ocupação na Letras cumpriu o objetivo pelo qual havia sido proposto, que era o de possibilitar que o período de greve não significasse o afastamento das pessoas, mas, ao contrário, oferecesse um rico espaço de formação, especialmente, formação política, que tanto faz falta no currículo das Universidades e que só poderia ser feito de forma satisfatória por meio da convivência entre os pares e sua ação conjunta. Assim, devido ao encontro daquelxs que lutavam, dentre outras coisas, pela qualidade do ensino universitário, foi possível a concretização de aulas públicas, oficinas, apresentações de filmes, debates, vivências corporais, produção de documentários, saraus, celebrações e, claro, muito estudo. Mas a revolução não é feita apenas de teoria e como não poderia ser diferente, outras atividades além dos muros da ocupação fizeram parte do extenso e intenso calendário da greve. Atos, passeatas, enfrentamentos, assembleias, comandos de greve... práticas que não poderiam faltar em uma militância séria e comprometida com o rompimento de um sistema hegemônico de burocracia universitária.

Desde o início da ocupação, o Centro Acadêmico Oswald de Andrade foi desintegrado, dando vez e voz a todxs que quisessem compor o espaço de debate e decisão sobre os rumos da greve. Obviamente, toda aprendizagem envolve erros e, sendo a ocupação um método novo, alguns equívocos foram cometidos, ocasionando certos desencontros na organização do movimento, principalmente no que diz respeito às estratégias de comunicação que impossibilitaram um maior envolvimento dxs estudantes que não estavam participando ativamente da greve e, também, da população em geral, que continuou alheia à precária realidade da USP. Existe um projeto reacionário e neoliberal em curso na USP que, se corretamente comunicado a estes setores, certamente promoveria maior adesão e apoio a causa, porém, mesmo com algumas tentativas de escancarar os absurdos institucionais, houve um momento em que a ocupação foi se desocupando e seu funcionamento passou a depender de poucxs e já cansadxs representantes, desgastadxs não só pela pesada rotina que uma ocupação impõe, mas, principalmente, pela intransigência da reitoria, que respondia às exigências do grupo com muita violência e repressão.

Se por um lado houve erros, por outro, foram muitos os acertos, sendo o maior deles o apoio incondicional dxs estudantes da Letras aos/às trabalhadorxs da USP, que lutavam contra o desmonte da Universidade representado, dentre outros projetos, pela precarização do trabalho efetivada pelo congelamento das contratações, gerando o consequente aumento de atribuições e o elevado número de lesões e afastamentos por problemas de saúde. Um grande ciclo sem fim. Desse modo, xs trabalhadorxs lutavam, acima de tudo, pelo seu direito à dignidade enquanto pessoas humanas. E, assim, estudantes e trabalhadorxs permaneceram lado a lado nessa árdua batalha, acordando muito cedo para participar dos piquetes. Mas, infelizmente, a repressão foi tornando-se cada vez mais dura e a resistência mais difícil. A desocupação da Letras tornou-se moeda de troca para o não corte dos salários dos funcionárixs e, mesmo nesse cenário tão absurdo, elxs apoiaram a continuidade da ocupação. Nesse momento foi possível perceber o sentimento de companheirismo que a greve é capaz de proporcionar. "Sabiamente, xs estudantes decidiram desocupar, mas isso não foi suficiente para evitar o crime em outras unidades, e ele foi cometido. A reitoria passou por cima do direito de greve e ordenou o corte de salários."Mesmo assim, xs trabalhadorxs resistiram bravamente e com uma postura exemplar e inspiradora, mantiveram-se na luta até quando a resistência tornou-se insustentável pela falta de dois meses de um salário que é fundamental para a manutenção de suas famílias. Porém, mesmo humilhadxs e sem dinheiro, xs trabalhadorxs ofereceram um churrasco aos/às estudantes em forma de agradecimento a todo o apoio oferecido durante o período de greve. Uma atitude surpreendente e emocionante.

A greve da Letras continuou, porém, agora sem ocupação. Estava visivelmente enfraquecida. Algumas reuniões de negociação aconteceram, mas poucos itens da pauta de reivindicações foram atendidos. Mais do que chegar a um acordo, as reuniões contribuíram, majoritariamente, para revelar o caráter opressor dessa Universidade, que humilha, que silencia, que nega à sociedade os seus direitos mais básicos, como o acesso à educação. As cotas não foram implementadas. No seu lugar, situações de racismo foram identificadas em uma das reuniões de negociação por parte de um dos chefes de departamento, e foi respondida com um escracho coletivo, afinal, racistas não passarão. Algumas conquistas foram alcançadas, como a implementação de cotas pelo Sisu, a não punição dxs alunxs grevistas, a reposição das aulas interrompidas com a greve... E, assim, sem muitas perspectivas de novas reuniões de negociação e com uma força menor, xs estudantes avaliaram que estava na hora de recuar. Foi então que no dia 27 de julho chegou ao fim a greve estudantil da Letras. Mas a luta continua. Afinal, dentre os pontos positivos da greve está a formação de um exército que foi muito bem formado para lutar contra o devastador projeto neoliberal de sociedade, e que tem como maior exemplo a luta dxs funcionárixs. O maior saldo da greve foi o treinamento prático da militância e a própria aliança com xs trabalhadorxs. Preparem-se, a greve foi apenas o início.




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