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ANÁLISE | Cinco questões sobre a origem do Estado Islâmico e a responsabilidade do Ocidente

O que é o Estado Islâmico? Em que contexto surge? Como é financiado? Qual é a responsabilidade dos Estados Unidos e da Europa? Alguns fundamentos sobre o Estado Islâmico.

Josefina L. MartínezMadrid | @josefinamar14

quinta-feira 19 de novembro de 2015 | 00:30

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Não se pode entender o surgimento do Estado Islâmico, nem o que ocorre atualmente no Oriente Médio sem retomar as consequências profundas e de longo prazo das guerras do Iraque e do Afeganistão.

A invasão e a guerra do Iraque, entre 2003 e 2011, foi liderada pelos Estados Unidos em aliança com o Reino Unido, o estado Espanhol e outros países.

O principal argumento para justificar a guerra era que Saddam Hussein estava construindo armas de destruição em massa, o que constituía um perigo para os aliados dos EUA na região e para sua própria segurança. Diferentes investigações demostraram que isso era uma completa mentira, e que os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido ocultaram informação para poder justificar a guerra.

A invasão ao Iraque formava parte da estratégia de “guerra contra o terrorismo” que George Bush desferiu com as mãos dos neoconservadores norte-americanos, com o objetivo de tentar reverter a decadência hegemônica dos Estados Unidos, construindo um novo “inimigo”, o “eixo do mal”. Se nutria da ideologia do “choque de civilizações” desenvolvida pelo conservador Samuel Huntington.

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Os Estados Unidos buscaram “redesenhar o mapa do Oriente Médio”, e “modernizar o Iraque” segundo o modelo norte-americano, o que implicava a promessa de privatizações e imensos negócios para as multinacionais com o petróleo.

Porém, a guerra deixou o país completamente devastado, destruindo completamente as infraestruturas fundamentais e as bases de poder de Saddam Hussein, em consolidar um novo poder estável.

Calcula-se que morreram como consequência da guerra ao menos 150 mil pessoas (algumas fontes afirmam que seria o triplo desse número), com milhões de refugiados e desabrigados. No fim da guerra houve uma intensificação da luta entre frações rivais religiosas, incentivada pelos Estados Unidos que apoiou a maioria xiita, oprimida pelo regime de Saddam, contra a minoria sunita que havia controlado até então o Estado. A queda do regime de Saddam deixou 400 mil membros do exército e do Partido Baath sem trabalho de um dia para o outro, e muitos deles terminaram em prisões como Abu Ghraib, onde ocorreram todo tipo de torturas.

Uma vez retiradas as tropas norte-americanas, o governo xiita reprimiu brutalmente os sunitas e outros setores da oposição. Nesse pano de fundo, de ódios e ressentimento, cresceu uma força completamente reacionária que terminou constituindo a Al Qaeda do Iraque e posteriormente o Estado Islâmico, recrutando ex membros do exército de Saddam Hussein, junto a islamistas sunitas radicalizados.

Como diz a jornalista Olga Rodriguez, as prisões iraquianas durante a invasão norte-americana, com suas torturas e abusos foram “escola” para muitos milicianos do Estado Islâmico, que recrutaram milicianos movidos pelo ódio contra o Ocidente.

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O Estado Islâmico do Iraque e o Levante (no território ocupado pela Síria e Líbano) depois conhecido como Estado Islâmico, se consolidou desde 2013, conquistando grande parte do território do Iraque e da Síria. Em 2014 anunciaram a constituição de um “Califado Islâmico”.

A ideologia do Estado Islâmico é teocrática e completamente reacionária, e não aceita nenhum desvio em relação ao que considera o cumprimento estrito do Islã. O método das decapitações é usado em castigos aplicados na Arábia Saudita, em que se castiga com a prisão ou decapitações aqueles que questionem os valores tradicionais, bebam álcool ou se atrevam a dirigir um carro, no caso das mulheres. O Estado Islâmico também realizou mutilações em mulheres acusadas de adultério.

O ISIS proclama uma “guerra contra o Ocidente” e uma “guerra contra os infiéis” que são aqueles muçulmanos que segundo eles se desviam das leis do Islã.
O recente atentado em subúrbio popular em Beirute reivindicado pelo Estado Islâmico, mostra que seus atentados e métodos reacionários são utilizados (na maioria dos casos) contra a população árabe e muçulmana, como também contra os curdos e outros setores da população na Síria e Iraque.

O Estado Islâmico é uma força contrarrevolucionária e burguesa, com uma ideologia regressiva e métodos aberrantes contra as populações que controla. Não é uma organização como o Hamas na Palestina e outras, que apesar de ter uma ideologia teocrática, expressam a sua maneira os movimentos de libertação nacional.

Sua fonte de financiamento se encontra entre alguns setores ricos das burguesias petroleiras da Arábia Saudita e Qatar, algo que esses governos deixam de fazer. Também se baseia no controle do território, sequestros, roubos e especialmente no usufruto das refinarias de petróleo, que capitalizam no mercado ilegal.

Segundo alguns analistas, contam com mais de 20 mil combatentes estrangeiros no EI, dos quais 3500 provém de países ocidentais. 1200 franceses, 600 britânicos, belgas e de outros lugares. A situação de precariedade, islamofobia, e repressão em que vivem grande parte dos muçulmanos nos países da Europa, semeia ódios dos quais essa organização se nutre, ao que se somam as intervenções e bombardeios de países como a França e os Estados Unidos.

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A guerra na Síria, que em quatro anos provocou mais de 250 mil mortes, é outro cenário em que se dá o crescimento do Estado Islâmico.

Os interesses locais, regionais, e das potências imperialistas que se cruzam no conflito, preparam o terreno para o avanço do Estado Islâmico.

Arábia Saudita, Qatar e Turquia apoiaram diretamente, ou deixaram atuar, as milícias jihadistas que combatem contra Al Assad, como Al Nusra na Síria e o Estado Islâmico. O enfrentamento da Arábia Saudita com o Irã é uma coordenada chave do conflito, que favoreceu a expansão do Estado Islâmico, uma força que enfrenta aos xiitas e iranianos. No caso da Turquia a ofensiva do Estado Islâmico em relação aos curdos, também cumpre um papel crucia.

Um documento de inteligência militar norte-americana mostrava que os Estados Unidos conheciam que se ia proclamar um “califado” sunita na Síria, mas considerava que poderia servir para evitar um fortalecimento de Assad (sustentado pela Rússia e Irã).

Por outro lado, os bombardeios da coalizão encabeçada pelos Estados Unidos e os países árabes não servem para derrotar o Estado Islâmico, mas ninguém está disposto pelo momento a embarcar numa operação massiva terrestre. Algo que depois do desastre do Iraque é muito custoso repetir.

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O fracasso das “primaveras árabes” é outra questão que explica o curso contrarrevolucionário que tomou a situação no Oriente Médio, com o fortalecimento das forças reacionárias como o Estado Islâmico, a guerra na Síria, a nova ofensiva do Estado de Israel contra o povo palestino e o curso repressivo e bonapartista de Erdogan na Turquia contra os curdos e a esquerda.

O atual curso beligerante de Hollande na França, a intensificação dos bombardeios na Síria, e o aumento das tendências xenófobas e islamofobicas na Europa, não fazem mais que fortalecer esse curso reacionário.




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