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FEMINISMO E MARXISMO NORDESTE | Ciclo ‘Feminismo e Marxismo’ com Diana Assunção reúne centenas nas universidades do Nordeste

Marie CastañedaEstudante de Ciências Sociais na UFRN

Shimenny Wanderley Campina Grande

sábado 25 de novembro de 2017 | Edição do dia

O Movimento Revolucionário de Trabalhadores, junto ao grupo de mulheres Pão e Rosas e o Esquerda Diário, promoveram neste mês de novembro as jornadas “Feminismo e Marxismo” no Nordeste. A fundadora do Pão e Rosas no Brasil, Diana Assunção, historiadora e trabalhadora da Universidade de São Paulo, realizou conferências sobre a questão da mulher e a Revolução Russa, que cumpre seu centenário em 2017, em João Pessoa (UFPB) e Campina Grande (UFCG), na Paraíba, e em Natal (UFRN), no Rio Grande do Norte, reunindo centenas de pessoas.

O ciclo de atividades se realizou em distintas cidades do Nordeste: reuniu 90 pessoas na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa; 40 pessoas na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em Natal; e 80 pessoas na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Em João Pessoa, o Centro Acadêmico de História da UFPB e o Centro de Ciências Jurídicas convocaram a atividade como "Revolução Russa e a questão da mulher", um tema abordado em todas as jornadas de discussão.

A ideia central do ciclo de atividades “Feminismo e Marxismo” foi mostrar a necessidade histórica de que a luta pelos direitos das mulheres se unifique com o combate pela destruição da sociedade capitalista adotando a estratégia revolucionária do marxismo. Esta fusão entre o feminismo e o socialismo revolucionário não uma raridade na história, para não ir mais longe: a história da Revolução Russa de 1917 mostrou as mulheres como o estopim da insurreição que derrubou o poder do czarismo e que viria a varrer o capitalismo da Rússia no primeiro Estado operário da história humana.

"Historicamente, o feminismo sempre teve de buscar algum interlocutor do ponto de vista dos debates teóricos e de estratégia. Se a gente for ver o feminismo dos primórdios, os precursores do feminismo começaram em debate com o que era a burguesia em seu momento revolucionário - ainda que toda a primeira onda, que é bastante extensa, vai se chocar depois, no movimento sufragista, com o momento em que a burguesia já não cumpre um papel revolucionário do ponto de vista da transformação da sociedade. E a chamada segunda onda do feminismo, mais ou menos na década de 1960, mas principalmente década de 1970, teve como interlocutor o marxismo. Ou seja, era necessário abordar conceitos como luta de classes, socialismo, exploração, uma série de temas que o marxismo já vinha trazendo como parte de sua experiência histórica e, obviamente, se propunha a uma transformação radical da sociedade. E o feminismo tinha e ainda tem o marxismo como interlocutor".

Na UFPB, em João Pessoa

Nas exposições, Diana explicou que o esforço teórico do movimento feminista historicamente caminhou na direção de tentar unificar os conceitos de classe e gênero, mas, em certos momentos, buscando, colocar uma visão de que o gênero seria uma forma de classe ou seria diretamente uma classe. Ou seja, as mulheres comporiam uma classe social. Essas interlocuções do feminismo mostram uma necessidade concreta, porque o feminismo busca resistir a uma situação de opressão, ainda que possam existir uma série de estratégias. Mas era necessário sempre dialogar com as tendências revolucionárias que estavam colocadas em determinado momento histórico, e no último período se tornou inevitável dialogar com o sentido concreto do que é o marxismo como uma ferramenta da luta de classes.

Diana discutiu que, ainda que a opressão às mulheres e a exploração de classe sejam anteriores à exploração do trabalho assalariado, tanto o feminismo quanto o marxismo surgiram nesse modo de produção capitalista. Então o desenvolvimento do proletariado e a destruição da economia familiar pré-capitalista se encontram na origem da base de ambas as correntes. Ou seja, não tem como, ainda que seja pela negativa, não tratar da relação entre opressão e exploração.

"O ponto de vista do marxismo revolucionário, que é o ponto que eu defendo, considera que a sociedade é dividida em classes sociais onde uma pequena classe, a burguesia, expropria o trabalho de uma classe muito maior, a classe trabalhadora, através da mais-valia, através de deter os meios de produção. Ou seja, a raiz da sociedade é a exploração capitalista. E a opressão é um conceito distinto da exploração, é um conceito que dá conta de pensar que existem grupos socialmente subordinados na sociedade pelo gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, uma série de elementos que configuram um conjunto como grupo social e por conta disso são subordinados em nossa sociedade. A relação entre esses dois conceitos é uma questão muito importante para o marxismo porque a combinação entre opressão e exploração é o que potencializa e renova as formas de exploração e de dominação capitalista no modo de produção atual."

Este é um debate importante, já que certas correntes do feminismo ignoram a distinção entre classes sociais quando tratam da questão da mulher. Um exemplo foi a campanha eleitoral de Hillary Clinton em 2016. Na sua própria campanha utilizou das bandeiras das mulheres, chamando a um voto feminino contra Donald Trump (inútil dizer o quanto é representante dos setores mais reacionários da sociedade). Mas Hillary apresentava justamente a posição de que por ser mulher as mulheres deveriam votar nela. A intelectual feminista estadunidense Nancy Fraser declarou que não votaria nela – tampouco em Trump - porque definia o feminismo da Hillary como um “feminismo para poucas mulheres, um feminismo pra mulheres privilegiadas”. Esse feminismo liberal só poderia ser defendido por correntes que dissociam a questão de gênero da questão de classe.

Na UFRN, em Natal

No caso das feministas radicais, defendem uma visão de que não é possível ter uma mudança social sem uma mudança cultural, que cada um teria que começar a mudar a si próprio para depois mudar a sociedade. Ou seja, em última instância, defendem que as contradições que atravessam o conjunto da sociedade, inclusive as contradições que atravessam os setores de esquerda, o movimento operário, os sindicatos, o movimento estudantil, a academia, que são contradições reais da sociedade, impedem que exista uma mudança radical da sociedade, que teria que começar pelo indivíduo.

Para debater com estas tendências, cumpre retornar às bases teórico-estratégicas do marxismo revolucionário.

Marx e Engels, que dedicaram energias para refletir o problema das mulheres a sociedade moderna, insistiram bastante na definição de que em todas as sociedades com Estado, inclusive as pré-capitalistas, existia a vinculação do patriarcado frente à existência das classes sociais. Há uma passagem bastante emblemática de um dos livros mais importantes do Engels que é “A origem da família, da propriedade privada e do estado”, onde ele coloca o seguinte: “O primeiro antagonismo de classe que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia e a primeira opressão de classe com a do sexo feminino pelo masculino”.

A utilização da opressão pelo capitalismo é muito lucrativa desse ponto de vista porque leva a incutir essa ideia de que é natural que as mulheres tenham de cuidar da comida, da lavagem da roupa, do cuidado das crianças e também do cuidado dos idosos e das pessoas que têm alguma doença na família.

"Sempre termina recaindo como uma situação para as mulheres responderem, e isso leva a uma questão concreta porque, para a classe dominante poder garantir a exploração da força de trabalho, ela precisa que essa força de trabalho tenha condições de trabalhar. Pra isso as pessoas têm que se alimentar, têm que ter um uniforme minimamente limpo pra conseguir estar no trabalho, e utilizando da opressão os patrões não precisam pagar um salário um pouco maior pra garantir que a pessoa possa comer num restaurante, lavar as roupas numa lavanderia. Eles não pagam simplesmente nada porque a mulher vai fazer e vai fazer de graça em casa, vai fazer a comida dela, do marido, dos filhos que vão ser a nova geração proletária pra continuar produzindo e continuar sendo explorados, e não vai receber absolutamente nada por esses serviços socialmente necessários pra reprodução da força de trabalho. Esse é um dos elementos bastante nevrálgicos sobre a relação entre opressão e exploração".

Essa situação imposta pelo capitalismo leva necessariamente a exemplos de resistência; entretanto, por importantes que sejam, levam sempre ao risco da separação das lutas conjunturais com as lutas estratégicas. Ao longo da história da humanidade, a resistência foi um traço marcante em todos os povos. O filosofo Daniel Bensaïd dizia que a resistência é um ato de insubordinação, mas também de conservação. Ou seja, é uma ação para conservar e manter o que já temos, não há grandes aspirações no máximo uma ampliação de direitos que podem ser retirados a qualquer momento com as crises econômicas internacionais. Deste ato de resistência, louvável em si mesmo, vemos então o desprezo pela estratégia, já que não seria necessário vencer, trazendo também um espírito de época vitimista.

Da controvérsia dos diálogos entre feminismo e marxismo desde a década de 1970 vem com uma conclusão, em primeiro lugar, de que, para acabar com tanta injustiça e tanta desigualdade, é necessária uma revolução social. Não é possível existir igualdade em um sistema que pela raiz é baseado na desigualdade, na dominação de um sobre o outro, de uma classe sobre outra. Isso é uma conclusão. Mas fica uma pergunta que é um dos debates fundamentais do feminismo e marxismo que é se essa revolução social é capaz de emancipar as mulheres. Ou seja, se destruindo o sistema capitalista com uma revolução que coloque uma outra sociedade é possível libertar as mulheres.

Na UFCG, em Campina Grande

Para responder essa questão, segundo Diana, é imprescindível votar aos debates de estratégia e à experiência da maior revolução da história humana.

Não é possível existir igualdade em um sistema que pela raiz é baseado na desigualdade, na dominação de um sobre o outro, de uma classe sobre outra. Isso é uma conclusão

Os grandes avanços das mulheres na Revolução Russa

Diana enfatizou que conhecer a história da Revolução Russa lança uma luz sobre como encarar a discussão sobre a libertação feminina no processo da revolução e também sobre o papel das mulheres. Percorreu a história de grandes dirigentes mulheres da revolução e do Partido Bolchevique, histórias desconhecidas de personagens fundamentais para que o poder fosse conquistado pela classe trabalhadora e as grandes questões das mulheres fossem avançadas num Estado de transição.

Exemplos dessas grandes personagens femininas foram Alexandra Kollontai, Inessa Armand, Clara Zetkin, Larissa Reissner, entre outras bolcheviques, que fizeram parte também da batalha contra a posterior burocratização stalinista junto a Trotsky.
Com a revolução Russa as mulheres alcançaram: direito ao divórcio (inclusive por cartão postal), ao aborto, eliminação da potestade marital (domínio do homem sobre a mulher no matrimônio), igualdade entre o matrimonio legal e concubinato (juntada). Direitos mínimos para autonomia do próprio corpo, para a independência das mulheres.

A historiadora estadunidense Wendy Goldman, em seu livro “Mulher, Estado e revolução”, cita o momento em que tem início essas medidas:

“Em outubro de 1918, menos de um ano após a chegada dos bolcheviques ao poder, o Comitê Executivo Central do Soviete (VTsIK), o mais alto órgão legislativo, ratificou um Código completo do Casamento, da Família e da Tutela. O Código captou em lei uma visão revolucionária das relações sociais, baseada na igualdade das mulheres e no ’definhamento’ (otmiranie) da família”.

Desde uma perspectiva comparativa, o código de 1918 que expressou essas enormes conquistas se adiantava notavelmente a sua época. O código varreu séculos de leis, de propriedade e privilégio masculino. Era uma luta também contra o poder da Igreja na vida das mulheres. Apesar das inovações radicais do código, os juristas apontaram rapidamente que esta legislação não é socialista, senão que é uma legislação transicional.

Como marxistas os juristas estavam na posição estranha de criar leis que acreditavam que rapidamente se converteriam em irrelevantes. Alexander Goikhbarg o jovem e idealista autor deste Código dizia “o poder proletário elabora seus códigos e todas as suas leis dialeticamente, para que cada dia da existência deles mine a necessidade de existirem”, ou seja, o objetivo da lei era tornar a lei supérflua. Era claramente uma das legislações mais progressistas da história humana.

Entretanto, a Revolução Russa mostrou uma experiência onde a necessidade de colocar outras bases materiais e econômicas era fundamental para permitir a libertação das mulheres, já que nesse sistema capitalista atravessado pelas questões capitalistas em cada relação social, inclusive nas relações pessoais, é impossível ter uma libertação real. Uma sociedade socialista teria que colocar em primeiro lugar as condições materiais e as condições econômicas para libertar as mulheres da dependência financeira, inclusive, que têm em relação aos homens.

Por isso, um dos grandes debates que ocorreram na Revolução Russa era a impossibilidade de alcançar a libertação e igualdade das mulheres sem ter uma planificação da economia. Porque as mulheres vinham com salários mais baixos, tinham menos acúmulo cultural para conseguir empregos melhores por causa da opressão anterior, ainda mais no caso da Rússia, dependiam muito dos maridos por causa da situação de opressão, da configuração da família como era organizada, dependiam das pensões quando se separavam, ou seja, uma série de relações imbricadas pela questão econômica que sempre transformavam as mulheres em um objeto de opressão e que não permitiam que as mulheres tivessem uma condição de fato igual.

Lenin dizia que era necessário conquistar a igualdade das mulheres perante a lei, e para isso, a planificação da economia era totalmente necessária, mas insuficiente. Ou seja, a revolução operária socialista é a condição necessária e a única possibilidade das mulheres conquistarem isso. Mas a revolução russa mostrou, e a estratégia bolchevique revolucionária (antes da burocratização stalinista) mostrava que era necessário ter um processo profundo após a tomada do poder. Este processo Trotsky chamou de “revolução dentro da revolução” para conseguir, de fato, alcançar o fim da opressão.

Por isso, os bolcheviques diziam que a igualdade perante a lei não era a igualdade perante a vida. Mas por isso também que diziam que a tomada do poder é apenas 10% do processo da revolução. Tanto porque era necessária uma “revolução dentro da revolução pra destruir todos os preconceitos existentes” quanto a revolução somente poderia dar espaço ao comunismo a nível internacional. O contrário do que dizia Stalin.

"Essa dialética é muito profunda no pensamento bolchevique. Ao contrário do reformismo hoje que consegue um direito e transforma isso em sua própria estratégia e no “teto” de aspirações possíveis, todas as coisas que os revolucionários conquistaram eram tratadas por todos como completamente insuficientes. ‘Muito bom esta lei, mas ela não resolve o problema’. É não somente uma forma revolucionária de enxergar a incessante luta pelo comunismo e nossa libertação, como uma visão humilde das próprias conquistas. Estavam todos, homens e mulheres, preocupados com a felicidade da mulher", disse Diana.

O que fez a burocratização stalinista? A partir de 1926 se instituiu novamente o casamento civil como única união legal. Mais tarde se aboliu o direito ao aborto, junto com a supressão da seção feminina do Comitê central e seus equivalentes nos diversos níveis de organização partidária. Em 1934 se proibiu a homossexualidade e a prostituição se converteu em delito. Não respeitar a família se converteu numa conduta “burguesa” ou “esquerdista”. Stalin declara em 1936: “O aborto que destrói a vida é inadmissível em nosso país. A mulher soviética tem os mesmos direitos que o homem, mas isso não a exime do grande e nobre dever que a natureza lhe assinalou: é mãe, da vida”. A proibição do aborto era parte de uma campanha mais ampla pra desacreditar e apagar as ideias libertarias que haviam caracterizado o início da revolução. Instauração da pena de morte a partir dos 12 ano, autorização da tortura. A mulher que tivesse mais de 10 filhos ganhava uma medalha de “Mãe Heróica”. Voltou a condição de filhos ilegítimos. O divórcio se transforma num tramite custoso e cheio de dificuldades.

A burocratização stalinista representou a contrarrevolução na luta de classes, e também na vida das mulheres. As grandes mulheres e homens que batalharam contra essa degeneração das conquistas da revolução, principalmente como parte da Oposição de Esquerda e a posterior IV Internacional dirigida pelos trotskistas, deixaram enormes lições sobre a necessidade de combater as burocracias políticas e sindicais no movimento operário, herdeiras da tradição stalinista.

Lições para hoje

Segundo Diana: “Trata-se de uma luta incessante, arrebatadora e permanente para as mulheres serem verdadeiramente livres, no seu sentido mais pleno. Se trata de uma batalha científica, marxista, dialética e materialista para que as mulheres fossem libertadas da opressão. Esta batalha foi levada adiante pelo Partido Bolchevique. Eles e elas lutaram seriamente para a emancipação feminina, não era somente uma vontade ou um desejo. A Revolução foi uma sangrenta guerra para destruir o velho mundo e criar o mundo novo. Neste caminho, o marxismo revolucionário é nossa ferramenta. A classe operária é o sujeito histórico. O partido revolucionário é nosso meio. Para isso precisaremos de uma estratégia científica pra transformar a sociedade pela raiz, pra lutar seriamente, como lutaram os bolcheviques. Hoje tratamos da Revolução Russa. A Revolução Brasileira vai ter o enorme desafio de com o mesmo método científico extirpar o racismo estrutural existente em nosso país onde as mulheres negras recebem 40% a menos que os homens brancos e onde 18% das mulheres negras são empregadas domésticas”.

O grande êxito do ciclo de atividades foi debater com centenas que é importante ver a questão das mulheres desde essa perspectiva, porque a classe trabalhadora, para se colocar verdadeiramente como sujeito revolucionário, tem que se colocar pela hegemonia do conjunto dos setores oprimidos, levantar as suas bandeiras, colocando que as mulheres trabalhadoras sejam linha de frente da luta contra a exploração e a opressão. Por isso que as experiências históricas de luta, em especial a experiência da Revolução Russa, que é uma das mais emblemáticas inclusive do ponto de vista da questão da mulher, mostram que a revolução é uma condição necessária pra abrir espaço pra libertação das mulheres e dos setores oprimidos.

Ao final das atividades, o Pão e Rosas fez um chamado aos presentes a se oporem à PEC181 que novamente busca criminalizar o aborto, que já é negado à esmagadora maioria das mulheres, um direito elementar que deve ser assegurado de forma livre e gratuita pelo Estado.




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