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Corrida militarista | China flexiona músculos nucleares com descoberta de centenas de silos para mísseis balísticos

A administração Biden está forçada a encarar um país que apresenta um desafio nuclear de outro tipo: a China. Desde junho, especialistas descobriram mais de 200 silos de mísseis em construção nos remotos desertos ocidentais da China, nas províncias de Xinjiang e Gansu.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

quinta-feira 5 de agosto de 2021 | Edição do dia

Desde o final da Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos enverga seu manto demagógico sobre a “contenção do perigo nuclear” no mundo, enquanto reserva a si mesmo o direito exclusivo de armazenagem de bombas nucleares. Já finda a Guerra Fria, não sendo possível eliminar o montante adquirido pela Rússia, o imperialismo norte-americano decretou retaliações e sanções a qualquer país (Irã, Coreia do Norte, etc.) que buscasse frustrar seu predomínio inconteste na posse de ogivas nucleares, usadas como força de dissuasão na conquista de seus interesses globais, mediante intervenções e bombardeios.

Mas agora a administração Biden foi forçada a encarar um país que apresenta um desafio nuclear de outro tipo: a China. A burocracia reacionária de Pequim, encabeçada por Xi Jinping, colocou o programa nuclear em primeiro plano de importância para os engenheiros militares do Exército de Libertação Popular. Desde junho, especialistas descobriram mais de 200 silos de mísseis em construção nos remotos desertos ocidentais da China, nas províncias de Xinjiang e Gansu.

"Durante muito, muito tempo, falamos da China como um problema futuro. Agora, a China é claramente um problema nuclear", disse David Santoro, presidente do Fórum do Pacífico, com sede no Havaí, e co-organizador do diálogo nuclear semi-oficial EUA-China por 15 anos até 2019. "Sabemos há algum tempo que a China está em uma situação de acumulação nuclear. O que está acontecendo agora é um acúmulo mais rápido".

Matt Korda e Hans Kristensen, os especialistas em armas nucleares que na semana passada revelaram um campo de construção de silo de mísseis de 800 km² em Xinjiang, disseram que foi "a expansão mais significativa do arsenal nuclear chinês de todos os tempos". Segundo os dados, a China está construindo 10 vezes mais silos para mísseis balísticos intercontinentais (Intercontinental Ballistic Missiles, no acrônimo inglês ICBM) do que tem em operação atualmente. De acordo com seus cálculos, a expansão excede o número de ICBMs armazenados em silos da Rússia e equivale pelo menos à metade da força total de mísseis balísticos intercontinentais dos EUA.

Desde seu primeiro teste atômico em 1964, a China aderiu a uma política de "dissuasão mínima", comprometendo-se a não adquirir mais capacidade nuclear do que a necessária para retaliação contra um ataque e afirmando que nunca tomaria a iniciativa no uso de armas nucleares. Como resultado, acredita-se que a China tenha cerca de 350 ogivas nucleares, de acordo com o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), uma fração das 5.550 ogivas em posse do imperialismo norte-americano.

Silos nucleares em construção na província de Gansu

Ao contrário dos EUA e da Rússia, a burocracia do Partido Comunista Chinês tem tradicionalmente mantido uma grande parte de suas armas atômicas em alerta baixo, estando a maioria das suas ogivas em armazenamento central separado de seus lançadores. Essa organização do aparato nuclear é um sinal para a chamada “comunidade internacional”: estando separadas dos lançadores, o governo indica que não tem intenção de utilizá-las, sendo artefatos de dissuasão. Isto se devia à sua política de atacar somente após um míssil inimigo ter atingido o território chinês.

Mas essas pedras angulares da doutrina nuclear chinesa estão sendo erodidas. Pequim vê o desenvolvimento de sistemas de defesa antimísseis em Washington como uma ameaça, porque poderia tornar inútil sua capacidade mínima de retaliação, ou de “segundo ataque”, na terminologia militar. A China também se preocupa com as atividades de reconhecimento dos EUA ao longo de sua costa, onde possui ativos estratégicos, bem como com os ativos militares norte-americanos baseados no espaço.

Especialistas descobriram mais de 200 silos de mísseis em construção nos desertos remotos da China.

Os especialistas acreditam que Pequim está caminhando para uma postura de "lançamento em alerta". Em vez de se preparar para absorver o primeiro ataque nuclear de um adversário antes de retaliar, a China lançaria um contra-ataque assim que tomasse ciência de que um ataque contra eles estava em curso.

Enquanto isso, o Exército de Libertação do Povo adquiriu mais mísseis balísticos intercontinentais móveis, o que torna mais difícil para um adversário detectar armas nucleares. O ELP também construiu mais ogivas e mísseis balísticos em seus mais sofisticados submarinos (como os da classe Jin, capazes de carregar mísseis nucleares), adequados tanto para munições convencionais quanto nucleares, como o Dongfeng-26 (DF-26), um míssil que pode atingir Guam, o território do Pacífico dos EUA.

Com efeito, a celebração do 70º aniversário de fundação da República Popular da China, em 2019, havia sido feita na medida para exibir as novas proezas balísticas que a China adquirira. Xi Jinping, parecendo um senhor da guerra da China imperial, observava com orgulho a parada militar de mísseis móveis que advertiam o mundo que a China deixara de ser uma pequena potência. A jóia da coroa foi o Dongfeng-41, um míssil balístico intercontinental com alcance entre 13 mil e 15 mil quilômetros (deixando, portanto, os Estados Unidos dentro do seu alcance de fogo), capaz de carregar consigo até 10 bombas em sua ogiva. Outro dispositivo militar exibido pela primeira vez na ocasião foi o Dongfeng-17, um míssil balístico que ao ser disparado pode lançar, de dentro de sua cápsula, um drone hipersônico para o ataque final.

A descoberta dos novos silos, que impressionam pelo tamanho, mas especialmente pela longa preparação prévia a fim de colocar em comissão tal capacidade de armazenagem, explica a recente visita do autocrata chinês na região separatista de Xinjiang, em que o PCCh mantém milhões de muçulmanos Uigures em campos de concentração e de trabalhos forçados, não ficando para trás das atrocidades cometidas pelos Estados Unidos na prisão de Guantánamo, ou dos europeus diante dos imigrantes afro-asiáticos que ingressam no continente pela Itália e a Grécia.

Mas mais que isso, a China busca elementos de contenção de possíveis ataques estrangeiros em represália a iniciativas que quer tomar, e que considera parte do “Sonho Chinês” de rejuvescimento nacional. Aqui, o alvo evidente é Taiwan. Pequim trabalha de maneira dual. Ao mesmo tempo em que acelera os preparativos para colocar-se à altura de reunificar militarmente Taiwan à China continental, Xi Jinping busca acumular suficiente armamento nuclear para dissuadir os EUA de intervir em nome do governo de Taipei. Taiwan, como viemos discutindo, é estratégica para Pequim, tanto por sua capacidade de fornecer acesso às águas profundas do Oceano Pacífico (que a China não tem), quanto pela posse de infra-estrutura tecnológica avançada, sendo a casa produtora dos semicondutores de última geração mais valiosos do mundo - a empresa Taiwan Semiconductor Manufacturing Company.

"Considerações de nível técnico motivaram a modernização das forças nucleares da China nos últimos anos, mas isto é maior", disse Zhao Tong, especialista em política nuclear do Centro de Políticas Globais da Carnegie-Tsinghua em Pequim, sobre o programa de mísseis. "A expansão do arsenal nuclear da China é cada vez mais impulsionada por uma mudança na perspectiva geopolítica", disse ele.

"Há um pensamento popular na política chinesa de que um arsenal nuclear maior poderia ajudar a China a combater a hostilidade estratégica percebida pelos EUA", acrescentou. "Eles argumentam que a Rússia tem sido muito firme em aumentar seus interesses, e que a Rússia é respeitada, então eles pensam que um arsenal chinês maior também faria o Ocidente nos respeitar".

Isso reflete o pensamento da cúpula do PCCh. Logo após Xi Jinping assumir a liderança do Partido, ele descreveu a Força de Mísseis, braço específico do ELP, como "o apoio estratégico para o status do país como uma grande potência", dando às armas nucleares da China um papel geopolítico de alto nível que nunca haviam desempenhado antes. Em março, Xi exortou os militares a "acelerar a criação de um sistema estratégico de dissuasão reforçado e sistemas de combate conjuntos".

Analistas australianos argumentam que, "pela distância afastada" do Ocidente, nos desertos da China, o armamento não representaria ameaça. Uma maneira nem tão inteligente de esconder as preocupações existentes entre os aliados de Washington na Ásia.

Trata-se de sinais mais explícitos de apoio de alto nível para acelerar o desenvolvimento das forças nucleares do país. A idéia de um desenvolvimento pacífico da China, justificado pela formação distinta de seu Estado, introvertida e não beligerante, desenvolvida por autores como Giovanni Arrighi ou, com uma visão menos sofisticada e mais grosseira, pelos grupos stalinistas, não são congruentes com a época de crises, guerras e revoluções, em que as disputas interestatais podem adquirir caráter beligerante em nome da preeminência capitalista.

O conflito entre Estados Unidos e China se insere nessa época, e sua corrida nuclear responde a objetivos contrários aos interesses das massas. Um eventual desenlace militarista só pode trazer consequências reacionárias aos trabalhadores da China e de todo o mundo, a única força capaz de, com um programa independente, deter novas atrocidades por parte das potências exploradoras.




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