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CHINA | China: apenas uma crise financeira?

Os analistas internacionais estão “às voltas” para interpretar a crise financeira na China, cuja principais Bolsas de Valores, Xangai e Shenzhen, perderam US$3 trilhões em apenas 20 dias.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

sábado 1º de agosto de 2015 | 01:04

Nesta segunda-feira, as bolsas chinesas registraram as maiores quedas desde 2007, 8,5% em Xangai e 7,5% em Shenzhen, algo que obrigou uma investigação da Comissão Reguladora do Mercado de Valores da China, temendo reações negativas dos mercados. Para se ter uma idéia da magnitude desta perda, a NASDAQ (segundo maior mercado de ações do mundo, nos EUA) perdeu US$ 5 trilhões em alguns anos depois do estouro da crise mundial em 2007.

A maioria dos analistas do establishment trata de diminuir a importância destas quedas, sustentando serem “compreensíveis e controláveis”, um efeito normal de desaquecimento de bolhas, como a imobiliária, que acontece em todas as bolsas do mundo e com a qual a China tem de se adequar, modernizando seu sistema financeiro, hoje inflado com ações controladas por cidadãos comuns, abrindo-o para as grandes empresas multinacionais.

Diferentemente do que acontece nos mercados ocidentais, segundo a revista The Economist, as Bolsas chinesas estão expostas a uma forte volatilidade devido a que a grande maioria do volume de negócios está nas mãos de pequenos investidores individuais em vez de fundos institucionais e grandes empresas. Suas decisões responderiam, portanto, a impulsos e rumores, o que mostraria que as fortes quedas não se devam a uma piora da segunda economia mundial. O próprio FMI saiu defendendo que a Bolsa de Xangai segue 80% acima dos níveis do ano anterior, com a economia crescendo a 6,8%, menos do que nas décadas anteriores, mas “sob controle”.

Outros analistas, entretanto, opinam que a queda das bolsas revela maior debilidade da economia e a diminuição do investimento interno na China, que está provocando a queda da demanda por matérias-primas como o mineral de ferro, cobre, alumínio, e outras provenientes da América Latina e da África.

Em relação ao caso brasileiro, a China representa o maior parceiro comercial do Brasil, importando produtos como o minério de ferro. Assim, apesar de o minério ter tido um tímido crescimento de 1,4%, as importações chinesas tendem a se estagnar ou até mesmo cair, se o consumo de aço (motivo da demanda de ferro) continuar não crescer por fruto da desaceleração econômica.

Serão estes indicadores chineses fruto de uma “moderação natural” dos mercados financeiros, ou sintomas de movimentos econômicos mais profundos?

Uma crise das bolsas enraizada na desaceleração industrial chinesa

É inegável que esta redução do objetivo de crescimento se inscreve no lento giro da China para um modelo que busca primar pelo mercado interno e pela inovação em detrimento do esquema de exportações de manufaturas baratas, as exportações do país caíram 2,5% em maio. Os anúncios incluem não só outorgar maior importância ao consumo interno, mas também à intenção de privilegiar o setor de serviços (que na China representa apenas 48,2% do PIB, comparado a 80% do PIB nos Estados Unidos).

A crise das bolsas chinesas é profunda justamente pelos fluxos e refluxos imprevistos que golpeiam regularmente a economia nos últimos 6 meses, e é um fator de turbulência magnífico para os mercados financeiros de todo o mundo, com 1,4 mil empresas deixando de cotizar seus papéis e uma perda acumulada que é três vezes o valor do PIB da Espanha, quase todo o PIB do Reino Unido, e 15 vezes maior que toda a economia grega. Ou seja, não é um detalhe, é algo que se comece a cogitar um possível "1929 chinês" (ainda que não cheguemos tão longe), e que está claramente vinculado à queda na taxa de crescimento industrial da China e fruto da crise mundial.

Nas últimas décadas a China teve a população rural emigrando virulentamente para as cidades, trabalhando nos distintos ramos da indústria - automobilística, de transformação, metalúrgica e siderúrgica, a fábrica do mundo - que acumulou enormes somas de capital na China em poucas décadas como em nenhum outro país na história. Isso ia bem até o momento em que a capacidade industrial chinesa deixou de ser absorvida pelos Estados Unidos e pela Europa depois da quebra do Lehman Brothers em 2008, sendo obrigada a abandonar gradativamente o modelo de crescimento baseado em mão de obra barata e exportação de manufaturas para abrigar um mercado interno mais forte.

Isso fez com que o montante da dívida da China atingisse 282% do PIB, sendo maior que dívida da Alemanha ou dos Estados Unidos.

Analistas econômicos apontam que praticamente todos os dados da economia chinesa estão em queda. Segundo o Financial Times, a produção industrial chinesa atingiu o nível mais baixo desde a queda do Lehman Brothers em 2008, registrando alta de apenas 6,8% nos dois primeiros meses do ano comparado com 2014. As vendas varejistas, um dos principais índices do nível de êxito na conversão de uma economia baseada no consumo interno, teve queda de 2% frente a 2014 (queda de 1,2% no consumo).

Depois de uma década de construção frenética de casas e edifícios em todo o país para abrigar o afluxo de camponeses para as grandes capitais fabris, o setor de bens imóveis também ressentiu-se. A compra de casas caiu 16,3% nos primeiros dois meses de 2015, sendo parte das reivindicações de greves operárias, como a de 5000 trabalhadores da fábrica de sapatos Xing Ang que paralisaram os trabalhos recentemente em Dongguan, o auxílio governamental no pagamento dos altos aluguéis.

A desaceleração chinesa e o aumento dos custos de vida fizeram com que o número de greves dobrasse, de 656 em 2013 para 1378 em 2014, como a monstruosa greve de 40.000 operários nas fábricas de calçados da Yue Yuen, revelando uma nova geração operária que faz suas primeiras experiências de luta.

A China absorveu décadas de investimentos infra estruturais que possibilitaram a extração de enormes quantias de mais-valia absoluta de uma classe trabalhadora semi-escravizada, e foi base da recuperação de fôlego do capitalismo nos últimos 30 anos, oxigenando sua ofensiva neoliberal nos 90. É difícil visualizar um país (ou conjunto de países) que poderiam cumprir o papel da China neste quesito.

Em contraposição à alguns economistas burgueses, que querem colocar como menor a crise nas bolsas chinesas, devemos nos atentar ao fato do papel que exerce a China na contenção da crise de 2008, o país com maiores reservas em moeda estrangeira e alcançando o posto de terceiro maior investidor estrangeiro direto. Dessa forma, esse processo abre caminho para a China se tornar a segunda economia mundial, sendo um motor da economia mundial. Contudo, assim como já discutido no esquerda diário, esse papel depende, sobretudo, de conseguir novos espaços de acumulação, que a desaceleração chinesa já demonstra como insuficiente, os espaços de acumulação atuais. Uma nova batalha pela partilha das áreas de influência mundiais e por um peso maior na economia mundial não pode acontecer de modo pacífico na época de declínio capitalista.

A China passa por uma fabulosa crise industrial e de incapacidade de absorver o excedente criado pela própria economia, o que debilita seu papel de contratendência à crise mundial em seu sétimo ano. Não se trata de um deslize bursátil comum, como querem os analistas liberais, atemorizados com os efeitos da crise chinesa sobre a estabilidade relativa da economia mundial.

Estes dados não significam que a China irá experimentar uma crise financeira incontrolável, mas o certo é que o motor central da economia mundial desde 2010 se debilitará qualitativamente. À medida que a economia chinesa estabilize taxas de crescimento menores, muitos planos de investimento serão reconsiderados, o que, para uma economia que depende tanto da entrada de capital estrangeiro, pode ser mais grave do que o esperado, gerando choques com a nova geração de trabalhadores chineses, muito mais abertos à resistência e à insubordinação.




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