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INTERNACIONAL | Caracterização da situação internacional: crise econômica e geopolítica da crise

Para pensar cada um de seus movimentos táticos os trabalhadores conscientes devem fazer uma análise científica da situação, como forma de embasar seus movimentos. É partindo dessa premissa e como forma de contribuir com essa caracterização que é escrito esse artigo.

quarta-feira 1º de março de 2017 | Edição do dia

Uma crise econômica estrutural do capitalismo ainda em aberto e suas características

Qualquer caracterização da situação mundial hoje deve partir de avaliação de se a crise econômica estrutural do capitalismo que tem seu marco inicial com a quebra do banco estadunidense Lehman Brothers em 2008 continua ou se foi superada. No presente artigo partimos da caracterização de que sim, a crise continua, apesar das medidas de contenção coordenadas utilizadas pela burguesia a nível internacional e de seu caráter desigual e combinado, que faz com que ela não se desenvolva de forma linear nos diferentes países e nem se aprofunde progressivamente, mas sim se desenvolva a partir de quedas e recuperações parciais.

Após seu momento inicial em 2008 e durante o ano seguinte a crise se caracterizou por um período mais agudo nos países imperialistas centrais, primeiramente EUA depois se espalhando também pela UE, mas as medidas coordenadas das burguesias imperialistas, e seus reservatórios de meios para enfrentá-la, permitiram afastar seus efeitos imediatos mais catastróficos tornando a crise uma prolongada depressão, com a economia dos países imperialistas crescendo a taxas baixas e a crise se espraiando cada vez mais para alguns países semi-coloniais, que antes eram a contra-tedência ao seu desenvolvimento (como o caso do Brasil).

Para entendermos a presente crise é importante relacioná-la as outras grandes crises que ocorreram na história do capitalismo, vendo suas particularidades e analogias. Os historiadores da economia em geral reconhecem 4 grandes crises econômicas que marcaram a história do capitalismo, quatro crises estruturais do sistema: a crise do final do século XIX, entre 1873 e o começo da década de 90 daquele século; a crise de 29; a crise do meio da década setenta do século passado, que tem como marco inicial o ano de 1974; e a presente crise que começou em 2008.

Cada uma dessas grandes crises estruturais do capitalismo é expressão da ruptura nas formas como se estruturava e organizava esse modo de produção naquele momento e sua superação só foi possível com a organização de novas formas e estruturas para a realização da acumulação ampliada do capital. A crise do final do século XIX, por exemplo, teve superação possibilitada pela organização da exploração imperialista moderna, propriamente capitalista, que tem seu desenvolvimento pleno no final daquele século e no começo do século XX; a crise de 29 só foi superada com a massiva destruição de capitais e a possível reorganização do imperialismo permitida pela segunda guerra mundial; a crise dos anos 70 do século passado, que marca o fim do ciclo de crescimento do pós-guerra e já tem sinais iniciais desde o final da década precedente, só foi superada pela combinação da contra-revolução neoliberal e da abertura de novos mercados de investimento e mão-de-obra barata, tanto com a abertura comercial da China quanto a restauração capitalista no leste Europeu.

A grande contradição para a superação da presente crise é que não se aponta a possibilidade da reorganização das formas como se estrutura a reprodução ampliada da acumulação capitalista num curto ou mesmo médio prazo. Parece improvável que possam se abrir novos grandes mercados de mão-de-obra barata ou de fornecimento de matéria prima - formas fundamentais para permitir combater a queda tendencial da taxa de lucro e permitir o investimento produtivo ampliado - sem grandes confrontos entre potências imperialistas e países ascendentes (como China, principalmente, ou Rússia) que reconfigurem a correlação de forças a nível geopolítico, conflitos esses que só poderiam ter conseqüências imprevisíveis (possivelmente catastróficas) e que portanto são afastados no imediato por todos os atores.

Crise econômica e crise geopolítica

O ano de 2014 é um marco na presente crise, pois é momento de inflexão onde a relativa coordenação que existia entre as principais potências imperialistas e os países intermediários (China e Rússia) passa a apresentar fissuras mais expressivas, ainda dentro de uma situação onde não há conflito direto entre eles.

Desde a abertura dos conflitos na Ucrânia naquele ano, passando pelos conflitos na Síria, envolvendo Rússia e os imperialismos ocidentais, até as mais recentes rusgas entre EUA e China nos mares do sudeste asiático se vive uma situação internacional de fricções entre potências como não existia desde o fim da guerra fria. Se ainda não se coloca a possibilidade aberta de um conflito de grandes proporções entre essas potências (dado os efeitos imprevisíveis e possivelmente catastróficos de um conflito assim, como discutido acima) os grandes meios imperialistas há décadas não colocavam essa hipótese como plausível, como estando dentro do “horizonte de eventos’’, com tanta ênfase como no último período.

A eleição de Trump no EUA, contudo, embaralhou cenários que pareciam até então se delinear de forma mais clara. Até então o que parecia se desenhar era uma aproximação entre as potências imperialistas ocidentais, capitaneadas por EUA e Alemanha, apesar das importantes fricções entre ambos os países, em oposição aos países intermediários, que se aproximavam cada vez mais, com a Rússia buscando relações cada vez mais próximas com a China e tentando costurar acordos com o Irã.

A candidata preferida do establishment estadunidense, Hillary Clinton, apontava claramente para essa situação, com sua retórica guerreirista e agressiva. Trump embaralha esse cenário pois passa a levar a frente uma política errática e imprevisível, que contraria parte da política dessa elite imperialista; sua aparente aproximação com a Rússia, as críticas a Otan, as críticas a UE, sua acusação contra manipulações monetárias no euro por parte da Alemanha, suas declarações anti-globalização, um embate mais aberto com a China, etc, todos mostram um cenário mais incerto e imprevisível de como se desenvolverão essas contradições entre as potências no próximo período, tendo como marco que a tendência central é a que elas devam se aprofundar, não sendo possível agora prever em qual sentido.

Trump se aproximará da Rússia, contra o desejo da maioria do establishment estadunidense? Terá uma relação mais conflituosa com a Alemanha? Aprofundará os conflitos com a China? Todas essas, e outras ainda, questões em aberto no marco de uma tensão geopolítica que tende a se aprofundar com ritmos incertos no próximo período, dado o caráter estrutural da crise do qual essas tensões são expressão.

Qual o futuro da ilusão neoliberal? (crise na superestrutura do imperialismo)

A crise estrutural que vivemos também colocou em cheque no último período o discurso neoliberal que permeou toda a etapa da restauração burguesa e que se mantinha até aqui. O Brexit foi uma primeira grande estocada e a posterior eleição de Trump foi mais um grande golpe contrário a ilusão de um desenvolvimento harmonioso por meio da expansão do comércio sob hegemonia do imperialismo yanque.

As medidas protecionistas que apontam esses fenômenos podem ser um fator a mais para aprofundar a crise e impedir a recuperação da combalida economia mundial. A redução dos fluxos comerciais e maiores barreiras ao investimento produtivo podem ser fatores que impeçam ou dificultem a luta comum dos capitalistas contra a queda tendencial da taxa de lucro e na busca por novos espaços para o investimento produtivo ampliado.

Essas transformações na superestrutura em países imperialistas centrais é também fator importante a ser pensado no próximo período, pois cria em torno de si um movimento que busca responder a crise a partir de uma política reacionária. Outros países podem seguir os caminhos apontados por EUA e Reino Unido. Mesmo um país imperialista de primeiro porte como a França já sente essa influência, com a política reacionária Marine Le Pen sendo forte candidata a vencer as próximas eleições presidenciais.

São incertas as conseqüências desse fenômeno de fortalecimento de movimentos políticos populistas de direita e reacionários, mas podem significar uma maior fricção entre os países imperialistas que impeça a resposta coordenada que até aqui foi o que impediu que a crise estrutural se desenvolvesse de forma mais caótica.

Os limites das respostas à esquerda

A resposta à crise teve como marco inicial as mobilizações dos setores e classes subalternos e oprimidos na grande onda de revoluções e movimentos no oriente médio, no que ficou conhecido como primavera árabe. A derrota e desvio desse processo, no entanto, mostrou os limites de uma resposta espontânea e a necessidade de que se busque organizar e construir organizações de vanguarda com um programa e estratégias claros que permitam aproveitar esses grandes fenômenos de politização e mobilização dos trabalhadores e demais oprimidos para conquistar vitórias estruturais, decisivas, sobre as classes dominantes.

Na Europa e demais países ocidentais as grandes mobilizações de trabalhadores, juventude e oprimidos (como as inúmeras greves gerais na Grécia ou as mobilizações na Espanha, pra ficarmos entre os mais conhecidos) foram em geral desviadas para dentro de novas formas de organização política, os chamados partidos neo-reformistas, como o Syriza grego e o Podemos espanhol.

Partidos sem clara delimitação de classe, sem estratégia clara e com um diluído programa reformista essas organizações são expressão superestrutural do baixo nível de recomposição da consciência de classe que ainda afeta o proletariado na maioria dos países desde a profunda derrota sofrida com a queda do muro de Berlin, mesmo após o fim da etapa da restauração burguesa.

As importantes lutas do proletariado, cujo último grande exemplo foram as mobilizações da classe trabalhadora francesa ano passado, ainda não conseguem passar do marco reivindicativo e econômico-corporativo para passar para um caráter conscientemente político, o que pressuporia a organização de partidos com claro caráter classista.

A grande contra-tendência a esse fenômeno global é a FIT em nossa vizinha Argentina, uma frente de partidos que se colocam como revolucionários e que parte de um programa classista e que conseguiu superar uma condição de marginalidade para ser um fator, ainda minoritário, na política nacional do país. O exemplo da FIT mostra como uma política classista não está inerentemente relegada a marginalidade, como tentam argumentar centristas e reformistas para justificar sua adaptação (como se ela fosse a única forma de superar a marginalidade) mas está ligada tanto a uma situação política específica quanto a uma tática inteligente de utilizar todos os espaços legais para propagandear e agitar idéias revolucionárias.

Através da FIT e de sua política classista é possível ao PTS propagandear e agitar uma política revolucionária que impacte e alcance setores de massas. Sem buscar reproduzir de forma mecânica seu exemplo é necessário que os revolucionários no Brasil estejam atentos ao exemplo argentino, pois ele é uma demonstração de que é possível chegar a amplos setores sem ceder ao neo-reformismo e seu progressismo ‘’desclassado’’, ao contrário, defendendo uma política claramente classista e revolucionária.


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