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A falência estratégica do capitalismo negro | Capitalismo Negro e “Movimento Black Money” - Parte 1

A lógica de acumulação de capital faz com que a classe trabalhadora de conjunto seja explorada cada vez mais em benefício da Burguesia, que lucra se surrupiando do trabalho alheio. Esse processo de acumulação faz com que esse sistema seja intrinsecamente produtor e herdeiro de desigualdades, explorações e opressões. Em momentos de crise, como vivemos agora com a pandemia de covid-19 e também sob os efeitos da crise de 2008 essas tensões são maximizadas, para manter o lucro desses capitalistas, que são os produtores dessas crises. Um peso que cai diretamente nas costas da classe trabalhadora e de seus diferentes segmentos.

Renato ShakurEstudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF

segunda-feira 19 de julho de 2021 | Edição do dia

IMAGEM: Elineudo Meira

Assim, para maximizar a exploração, é utilizada a identidade da multidiversificada classe trabalhadora para explorar mais uns do que outros, dividir a classe trabalhadora e, acima de tudo, pagar baixos salários e extrair mais-valia. É desta forma que o racismo se torna uma ferramenta da burguesia para explorar ainda mais a classe trabalhadora. Nesse sentido, afirmamos que a relação entre racismo e capitalismo é estruturante para o modo de produção capitalista, e como esses dois não andam separados, não é possível um capitalismo sem racismo. Isso porque os capitalistas pagam menores salários para os negros, as mulheres negras, imigrantes que tem suas vidas de conjunto precarizada e portanto, na lógica capitalista necessitam de menos para a reprodução da força de trabalho; ao mesmo tempo eles enriquecem quando não pagam por parte do trabalho, isto é, quando roubam essa trabalho não pago. A questão que se coloca é: como é possível no sistema onde o trabalhador é roubado por não receber por parte de seu trabalho haver a possibilidade de se criar uma capitalismo que favoreçam os negros, justamente, nesse sistema de exploração a classe que tudo produz sempre vai ser roubada no final do mês por um capitalista?

A burguesia goza de dispositivos para manter a sua posição sob a classe trabalhadora, dispositivos que têm efeitos tanto objetivos quanto subjetivos. Desta forma, fazem com que camadas exploradas e oprimidas deste sistema acreditem e defendam o seu funcionamento. Faz com que acreditem na ilusão de um desenvolvimento cumulativo de bens individuais, sem exploração, seja possível. Produz a ilusão de que este sistema ainda possa dar algo de bom para aqueles que sofrem com ele. É nesse sentido que ideologias como do “Capitalismo Negro” surgem.

O que é o capitalismo negro?

A grosso modo, é o pensamento de que é possível combater o racismo que existe no modo de produção capitalista, produzindo um ecossistema onde o capital passaria pelas mãos da população negra. O capital que estaria majoritariamente nas mãos do “homem branco” deveria ser Igualmente repartido por pessoas negras. Em última instância, no entendimento dessa corrente, o problema do capitalismo está na falta de representatividade negra nas suas camadas mais “altas”, ou seja, nas classes dominantes. Isto vem de uma análise parcial da situação do negro no interior do capitalismo. Uma análise na qual prioriza a dicotomia Branco x Negro, não levando em consideração a origem policlassista que pode existir apesar das identidades.

Marx define o capitalismo como “um mundo de mercadorias", onde estas tomam dentro das relações capitalistas, papel de sujeito das relações, as mercadorias se tornam indivíduos, enquanto as pessoas se tornam “coisas”. O acesso a essas mercadorias, dentro do mundo aparente do capitalismo, é o que garantiria uma melhor "experiência" neste mundo, claro que isto se torna cada vez mais complexo quando a forma mercadoria se apossa de toda e qualquer forma de trabalho. Assim, bastaria abrir espaço na esfera do consumo entre população negra, para que se possa, aos poucos, produzir uma suposta igualdade, já que as mercadorias estariam estariam circulando entre os negros. Desta forma, ignoram por completo a violência policial, o desemprego e subemprego que pega em cheio a população pobre e os trabalhadores.

Esta estratégia que nada tem a ver com os objetivos da classe trabalho que é justamente por fim a este sistema de exploração, vem tendo cada vez mais espaço na grande mídia, e é utilizada pela própria burguesia a seu favor, abrindo espaço para uma representatividade nas posições de poder, uma representatividade controlada e que limita a força explosiva da população negra em sua luta contra o racismo e a exploração. Desta forma, essa ideologia pretende, de certa forma, criar a ilusão de que é possível combater o capitalismo sem se enfrentar com a burguesia e que é possível num país como o Brasil de profundas desigualdades sociais, econômicas e raciais para um trabalhador negro se tornar um pequeno empresário ou um burguês.

O que é o Movimento Black Money?

Assim, nascem movimentos que pretendem “acabar” com o racismo desta forma. No Brasil, um destes movimentos é o “movimento Black Money”, empreendimento que definido por uma de suas fundadoras, Nina Silva, da seguinte forma:

“Nossa política é pautada na circulação de capital por mais tempo dentro da comunidade negra, acelerando assim o processo emancipatório da nossa comunidade para o fortalecimento o empoderamento negro coletivo e não individual”

Assim, o Movimento Black Money, nasce com inspiração em uma das vertentes do Pan-africanismo defendido por Marcus Garvey no início do século XX, justamente que defendia o capitalismo negro, e tem como fim, a circulação por maior tempo possível de capital dentro das comunidades negras, se atrelado diretamente ao capital financeiro, por forma de oferta de crédito barato para a comunidade negra. Tendo em vista isto, criaram o “D’Black Bank”, uma empresa de serviços financeiros no qual ofereceria créditos de maneira mais fácil para a população negra, possibilitando o “empreendedorismo negro”. Estes “Black Banks” aparecem como Bancos antirracista, mas que continuam com a mesma função que qualquer banco tem no capitalismo, a gestão do capital da burguesia e processo de endividamento da classe trabalhadora. E é bem importante ressaltar, ao mesmo tempo que esses bancos negros surgem para incentivar o empreendedorismo negro, a polícia continua matando nas favelas como foi a recente chacina do Jarecazinho, mulheres trans negras seguem morrendo com o transfeminicídio e a fome se torna cada vez mais um problema que assola milhões de famílias no Brasil.

Criam também o Afreektech, uma instituição com fins educacionais para o ensino de gestão e negócios, com o fim de incentivar o empreendedorismo para saída da crise para jovens negros; o StartBlackUp, que é um encontro de jovens para juntar os profissionais mais “qualificados” para incentivar a entrada no mercada financeiro. Entre os apoiadores desta empreitada está o fundo Baobá, uma ONG que incentiva a filantropia de empresas com fim de incentivar a equidade racial que tem entre os seus financiadores, o Instituto Ford, a Coca-Cola, o Citibank, Google e a J.P. Morgan. Estas são empresas multinacionais de diferentes setores, mas que lucram rios de dinheiro com a exploração capitalista, nada tem a ver com a luta antirracista.

Assim, qual é a saída apresentada pelo Movimento Black Money para a população negra? O empreendedorismo. O movimento, quando fala de seu norte ideológico, fala sobre ter uma descrença com o Estado para resolver as questões do racismo estrutural que ceifa vidas diariamente da população negra, e pretende incentivar o “afroconsumo” e livre associação de empreendedores negros que, por fim, resultaria em uma melhoria para o conjunto da população negra.

Esses argumentos vêm dos dados incontestáveis da realidade. Segundo dados apresentados no site oficial do movimento, 56% da população brasileira é negra, sendo que 75% dos 10% mais pobres do país são negros. Ainda, afirmam que pessoas negras movimentam mais de 1,73 trilhões de reais por ano em bens de consumo e são 51% dos proprietários de negócios. Desta forma, a intenção do movimento seria de que parte destes 1,73 trilhões de reais movimentados pela população negra circule mais entre as comunidades negras, assim, abrindo espaço para maior concentração de renda dentro desta comunidade.

Assim, produzir um ecossistema de “afroconsumo” e de empreedendorismo negro levaria a que uma parcela da população negra se tornasse mais rica, fazendo com que o conjunto da comunidade negra supostamente se emancipasse. Ainda, argumentam que neste momento de crise, com um nível de desemprego altíssimo entre a população negra, é difícil a inserção da população negra no mercado de trabalho, pois as “oportunidades” não são ofertadas de forma equilibrada, por isso, a melhor escolha para a população negra seria empreender. Quando na verdade, a saída para o conjunto dos trabalhadores negro é a igualdade salarial entre negros e brancos, a incorporação dos trabalhadores terceirizados sem necessidade de concurso público e o fim das operações policiais nas favelas e periferias.

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Há saída para o racismo por dentro do capitalismo?

Marx fala, retomando a descoberta de Galileu do movimento dos astros, de não tomarmos o movimento aparente como o movimento real, e desta forma, não podemos entender o capitalismo unicamente dentro da esfera da circulação de mercadorias e do consumo como é proposto por este movimento, e pela quase totalidade dos economistas liberais. O movimento Black Money, em última instância, confia que a mão invisível do mercado acabará com a desigualdade promovida pelo racismo se a população negra entrar em seu jogo.

Assim, a suposta elevação de uma burguesia negra faria com que o sistema fosse mais igualitário. Nada mais falso do que isso, dentro do sistema capitalista não há saída para a nossa miséria. O 1,7 trilhão de reais que circula entre a população negra, não significa uma real possibilidade de enriquecimento, pois, como Marx demonstrou no Capital, o segredo da acumulação de capital não está neste nível, no nível das trocas entre as mercadorias, mas sim no âmbito da produção. A acumulação de capital é apenas possível com a extração de mais-valia, nas horas de trabalhos não pagos pelos capitalistas. Esse montante apresentado, na verdade, é uma forma camuflada da exploração da força de trabalho negra no qual o racismo aparece como uma ideologia para legitimar um maior nível deste.

Com a crise do Covid-19 se tornou ainda mais clara essa condição. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE de 2020, a desigualdade entre negros e brancos é cada vez maior. O salário médio de uma pessoa negra é de R$1.663 enquanto de uma pessoa branca é de R$2.884. A população negra é a maioria em situação de rua ou desabrigada, é a que está em maior número de situação de inadequação domiciliar, a que está mais em situação de miséria, e a que está em maior número na informalidade. Informalidade que não deve ser embelezada com o nome de empreendedorismo, como os aplicativos como a Uber, Ifood e 99 tentam apresentar, mas que demonstra a condição de maior exploração onde estes trabalhadores são colocados.

Proporção de pessoas de 16 anos ou dias de idade ocupadas nas semanas de referência em trabalhos informais por cor ou raça SIS IBGE

No Brasil onde vimos o assassinato de Marielle Franco, onde vimos recentemento a chacina de Jacarezinho e a morte de Kathlen pelas mãos da policia assassinado do Rio de Janeiro, onde o Governo Bolsonaro e Mourão esbanja racismo atacando a identidade negra, com uma burguesia oriunda dos senhores de escravos que deseja ver os negros em posições subalternas, não podemos ter ilusão que este sistema nos possibilita algo. A ideologia do empreendedorismo coloca no âmbito individual a solução da miséria do capitalismo. Não é resposta colocar em uma educação financeira a solução dos baixos salários recebidos pela classe trabalhadora, principalmente em um momento de crise como o que vivemos agora, com alta nos preços dos alimentos básicos que impacta diretamente na qualidade de vida do conjunto da população. Não há saída dentro do capitalismo, a luta do povo negro, junto com a classe trabalhadora é por uma sociedade onde não existam desigualdades, que todo o conjunto da população tenha direito a vida e que seus destinos estejam em suas mãos.

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