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MULHERES NEGRAS 2016 | Cadê as mulheres negras na escola?

segunda-feira 25 de julho de 2016 | Edição do dia

Ano passado durante as aulas de geografia propus para a sala a seguinte atividade: pegar todos os livros de geografia e história utilizados na escola do 6º ao 9º ano, bem como o material didático do governo do Estado de São Paulo, e pesquisar quais os conteúdos de todo esse material que tem relação com a questão negra. A turma se animou com a proposta de atividade e se organizaram em grupos para realizar a pesquisa. Ao termino da atividade estavam impressionados ao descobrir que de todo o conteúdo que aprendem na escola durante todo o ciclo II do Ensino Fundamental, apenas 9% - de acordo com as contas feita por dois estudantes - de tudo aquilo que estudaram fala sobre a população negra. Em discussão com a sala foram me relatando que ainda assim, desses 9% boa parte é sobre a escravidão e fala sobre os castigos que os negros recebiam e as condições que viviam, mas não trazia quase nada sobre a luta e revoltas dos negros e negras, as fugas e formação de quilombos.

Continuando a atividade pedi para que desses conteúdos que identificaram como referentes a população negra, buscasse o que era ensinado especificamente sobre as mulheres negras. O resultado surpreendeu novamente. Não tinha nenhum conteúdo, nenhum texto, nenhuma linha em nenhum dos livros utilizados como material didático naquela escola que fazia qualquer referencia as mulheres negras. A pergunta que fica é: cadê as mulheres negras na escola?

Em 2003 foi aprovada a lei nº10.639 e em 2008 a lei nº 11.465 que definem a obrigatoriedade do ensino da história da Africa e cultura afro-brasileira; e da história e cultura afro-brasileira e indígena respectivamente em todas as escolas de ensino regular. Essas duas leis foram conquistas do movimento negro que reivindicam a necessidade do estudo sobre a questão negra no país de maior população negra fora da África.

Entretanto, nenhuma dessas leis conseguiram garantir que a história dos negros e negras fossem estudadas nas escolas, visto que a aprovação da lei não acompanhou um projeto de formação para que as professoras e professores pudessem incluir esses conteúdos em suas aulas, a inclusão de disciplinas com esse conteúdo nos cursos de licenciatura - que no geral nem ao menos discutem o racismo durante o curso – ou a inclusão desses conteúdos nos materiais didáticos utilizados pelas escolas, o que as tornam leis cosméticas, que servem apenas para maquiar o racismo estrutural mas não garantem de fato sua aplicabilidade.

Estas leis não podem ser de fato aplicadas porque as escolas são um aparelho ideológico do Estado, que serve, assim como o próprio Estado, como meios de garantir a manutenção da classe de burgueses. No caso da escola através da educação de nossos corpos e de nossas mentes para cumprir uma função que sirva para a manutenção da ordem, e no caso das escolas públicas - que é onde são educados os filhos dos trabalhadores - educa para que seus corpos e mentes aprendam a ser explorados e oprimidos sem reclamar ou se organizar.

Um dos meios para se fazer isso é retirando os exemplos históricos que possam ser referencia que nos faça aprender que existem outras possibilidades e que podemos nos organizar. No caso do Brasil, que tem a formação da classe trabalhadora extremamente inter ligada com a própria formação da identidade negra, tanto que são nas escolas públicas que estudam a maior parte dos negros e negras, torna-se necessário apagar qualquer traço histórico de resistência negra, pois a luta consequente contra o racismo levará necessariamente à luta contra o capitalismo.

Não colocar nenhuma referencia durante toda a história de uma mulher negra em um país onde as mulheres negras se organizaram das mais variadas formas desde os primeiros momentos em que foram sequestradas de seus países e trazidas como escravas, seja através da confecção de Abayomis para conservar uma memória coletiva de resistência, através dos abortos forçados para não gerar um filho escravo, do sincretismo religioso usado para conservar sua cultura, mitologia e rituais religiosos, da liderança de quilombos como Tereza de Benguela no quilombo de Quaritete e de revoltas como Luíza Mahin na revolta dos Malês, ou seja por meio da resistência cotidiana de cada mulher negra, que até hoje sofre com a soma do racismo com o machismo, sendo educadas para negar e odiar seus corpos, deixadas pelos seus companheiros educados por um padrão que coloca as mulheres negras como não sendo para estabelecer relacionamento estável, tendo seus filhos com os corpos e a própria existência ameaçada pela violência policial, vendo os corpos de suas filhas e os seus próprios sendo alvo de estupro e violência sexual com legitimação do Estado, vendo seus terreiros perseguidos e queimados pela intolerância religiosa, ocupando os piores e mais precarizados postos no mercado de trabalho, sendo a maioria entre as trabalhadoras terceirizadas, significa uma ação consciente com o objetivo de apagar exemplos de organizações e lutas que nos armem para nos organizarmos contra a situação de exploração e opressão que vivemos.

Ao mesmo tempo que nos negam qualquer referencia histórica de resistência a qual possamos nos apoiar, a escola mantêm uma estrutura que nos educa para naturalizar e nos responsabilizar pela violência que sofremos, odiar nossos cabelos crespos, a cor de nossa pele e os traços de nossos rostos, não nos reconhecermos em nada que seja bom ou bonito, marginalizando e criminalizando qualquer expressão artística ou cultural da população negra; e ideologicamente para acreditar em um discurso meritocrático, que desconsiderando as condições materiais de desigualdade em que vivemos, diz que a democracia burguesa possibilita oportunidades iguais e tudo só depende do esforço individual.

O projeto Escolas Sem Partido vem no sentido de fortalecer esse projeto de educação, aumentando a repressão as professoras e professores que se colocam contra essa estrutura de escola e projeto de educação que serve à manutenção da ordem dos exploradores, entendendo a necessidade de combater o racismo, o machismo e todas as formas de opressão, prevendo penas que vai de pagamentos de multas à prisão de até dois anos.

Apesar de todo o esforço da burguesia e seus governos a escola é um espaço em disputa e é possível transformar. Experiências de aulas e atividades dentro da escola que busque resgatar a história das mulheres negras, da classe trabalhadora e de todos os setores oprimidos são importantes, mas não garantem uma transformação da estrutura da escola, já que esta serve a manutenção do capitalismo. Portanto, sua transformação depende de uma luta contra o próprio capitalismo.

Essas práticas pedagógicas só cumprem um papel de combater de fato o racismo, se estiver ligada a uma preocupação de que o resgate dessas experiências sirva para apontar caminhos por onde estudantes, professoras e professores, negras e negros, trabalhadoras e trabalhadores, e todos os setores oprimidos possamos nos organizar para combater essa ordem que nos impede de ensinar e por uma escola onde possamos construir de maneira livre um conhecimento que não esteja à serviço do mercado de trabalho.

As ocupações de escola nos mostra o caminho. No final do ano passado em São Paulo e Goiás e este ano no Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Goiás e Rio Grande do Sul estudantes ocuparam centenas de escolas, contra projetos que previam mais ataques à educação, como medida para fazer com que as trabalhadoras e trabalhadores paguem pela crise. Durante as ocupações e manifestações de rua ficou visível a quantidade de mulheres negras na linha de frente dessa luta.

Foi no espaço das ocupações também, que se desenvolveram práticas pedagógicas que nos apontam para aquilo que as escolas podem ser. Ao mesmo tempo que tomaram as escolas em suas mãos, e se organizaram através de assembleias e comandos de ocupações, mostrando que se essa estrutura autoritária e repressiva não garante com que as professoras e professores consigam ensinar, uma escola onde estudantes, professoras/es, demais funcionárias/os e comunidade possam gerir para atender suas próprias necessidades se torna uma espaço onde é possível produzir conhecimento.

Nas escolas ocupadas foram desenvolvidas diversas atividades artísticas e debates, que por meio de várias formas e linguagens nos educam para combater as opressões. Foi possível criar um germe daquilo que poderia ser, no momento em que as escolas estavam tomadas contra esse projeto de educação e as/os estudantes em combate direto com o Estado.




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