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ESTADO ESPANHOL | Cada vez mais perto de novas eleições gerais

O cenário de fragmentação parlamentar surgido do 20D (20 de dezembro) impõe um acordo para formar Governo. Os cenários são múltiplos, mas nenhum está isento de fortes contradições. A uma semana do inicio da nova legislatura, a possibilidade de novas eleições se torna cada vez mais provável.

Diego LotitoMadri | @diegolotito

quarta-feira 13 de janeiro de 2016 | 01:00

Mariano Rajoy voltou a insistir nesta terça-feira em sua proposta aos socialistas do PSOE para formar Governo de “grande coalizão”. O presidente do Governo disse que não tinha “linhas vermelhas” para chegar a um acordo que permitiria acometer reformas com um “amplíssimo apoio” dos 200 deputados que ambos partidos somam no Congresso.

Embora o PP se encontre em uma posição de extrema debilidade para negociar, Rajoy não poupou advertências ao PSOE pelo risco que acarreta um governo com a “extrema esquerda” –em uma exagerada referência ao Podemos- e os partidos nacionalistas.

A proposta de Rajoy se encontrou novamente com o rechaço do PSOE a qualquer tipo de aliança. O porta-voz socialista no Congresso, Antonio Hernando, rechaçou a oferta e disse que com o PP não haverá “nem grandes coalizões, nem pequenas”. “Não é não”, seguem dizendo os socialistas, à espera de seu turno para tentar formar governo depois do seguro fracasso do PP uma vez que se constituam as Cortes no próximo dia 13 de janeiro.

A posição socialista é compreensível. Uma grande coalizão ao estilo alemão com o PP significaria um suicídio político, em que o PSOE amarraria seu destino ao PP (e vice-versa), e ambos à incerta possibilidade de que a economia espanhola se recupere no próximo período. Além disso, a experiência do PASOK grego, e sua decadência depois do acordo com os conservadores da Nova Democracia, é uma experiência à qual tem pânico os líderes do PSOE. Simbolicamente, uma “Grosse Koalition” deixaria descoberta conspirações entre os bastiões do velho regime para defender seus privilégios.

O eleitorado socialista, maltratado mas resistente, dificilmente defenderia um pacto desse calibre entre Pedro Sánchez e Rajoy, a quem o candidato socialista pouco antes das eleições chamou “indecente” pelos casos de corrupção que respingam nele diretamente. Não precisa ser um grande cientista político para entender que o grande ganhador desta jogada seria o senhor Pablo Iglesias.

Como Rajoy não tem mais saída do que seguir ao PSOE, defendeu sua coalizão como a melhor opção, dizendo que “são maiores as coisas que nos unem do que as que nos separam”. Temos que reconhecer que não está errado na afirmação. Ambos partidos são pilares do Regime de 1978, ambos têm sido eficazes aplicadores de duros ajustes contra a classe trabalhadora e os setores populares, ambos são fiéis representantes dos interesses do grande capital imperialista espanhol. Como representantes do bipartidarismo espanhol e mais adiante de determinadas diferenças ideológicas, PP e PSOE constituem virtualmente o mesmo partido do capitalismo espanhol.

Mas apesar disto, o instinto de sobrevivência do PSOE impede –ao menos por hora- que essa comunhão de objetivos se expresse politicamente em um pacto de governo.

El PSOE, sua crise interna e o “governo de esquerda”

Consciente do perigo de terminar relegado à irrelevância política, o PSOE, sob a voz cantante de Pedro Sánchez, vem defendendo a ideia de uma “ampla coalizão de esquerda” para formar um “governo progressista” junto ao Podemos e necessariamente o apoio ou a abstenção dos setores independentes de ERC (Catalunha) e Bildu (País Basco), os nacionalistas conservadores do PNV e até a Esquerda Unida.

Para reforçar essa ideia, Sánchez viajará nesta quarta-feira por algumas horas para Portugal, para ser entrevistado pelo primeiro ministro português, o socialista António Costa, e conhecer em primeira mão a experiência de seus colegas do Partido Socialista, que estruturou uma inédita e heterogênea aliança com o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e os Verdes, pela qual governam desde novembro depois de expulsar do poder o conservador Pedro Passos Coelho.

É uma clara mensagem interna para os setores mais reacionários a qualquer tipo de acordo com o Podemos, encabeçado pela liderança do socialismo andaluz, Susana Díaz, e uma boa parte dos barões regionais.

Sánchez vê um “giro à esquerda” e parece disposto a tentar seguir os passos de seus colegas portugueses, mas igual àqueles, impondo condições. Em Portugal foi a promessa de que não sairá do euro, respeitará a OTAN e a “disciplina orçamentária” (linhas mestras do pacto de estabilidade que Passos Coelho impôs a Costa). No caso espanhol, algo parecido: sem dúvida a permanência no Euro e na OTAN –duas questões com as quais o Podemos não tem diferença- mas especialmente, a “renúncia” ao direito de autodeterminação ou de posições separatistas, uma “linha vermelha” que unifica a todas as alas da direção do PSOE e por ora dificulta um acordo com o partido de Iglesias.

Entretanto as diferenças dentro do PSOE vão além das distintas posições frente às negociações com o Podemos. Desde o momento em que se conheceram os resultados do 20D, não são poucos os que veem em Pedro Sánchez um líder moribundo no comando de um barco à deriva e que apostam por uma nova “liderança forte”, como o implantado em Andaluzia por Susana Díaz. Em boa medida, o modo em que se resolva a crise política de formação de Governo selará também a resolução para um ou outro lado da crise interna dos socialistas.

A Catalunha no centro da crise política

As dificuldades para a formação de Governo não só residem na aritmética parlamentar das novas Cortes. Na crise política também se deslizam os grandes problemas do regime político, como a questão catalã, que infernizam a situação dos grandes partidos do regime.

Rajoy reafirmou sua proposta aos socialistas no mesmo dia que Artur Más, depois da negativa da CUP de investir nele novamente como presidente, teve que anunciar com resignação que em 10 de janeiro convocará novas eleições autônomas. Isto salvo consiga um apoio de última hora para sua recondução, algo que não está descartado.

A crise do bloco soberanista Catalão está situada no centro das negociações para a formação de Governo a nível estadual, dificultando-as ainda mais. Porque por um lado, a “afronta soberanista” de Mase da CUP vinha sendo o principal argumento do PP para apostar por uma grande coalizão de partidos que defendam a “unidade da Espanha”. Ao decidir pela candidatura de Mase, haveria operado como uma forte pressão sobre o PSOE.

Mas por outro lado, a questão catalã também dificulta a possibilidade de um acordo entre PSOE e Podemos. Pablo Iglesias se pronunciou no dia seguinte ao 20D em favor de um referendo consultivo sobre a independência da Catalunha, uma posição que o PSOE rechaça de imediato. Mas nos últimos dias Podemos tem alterado esta abordagem em seu programa para negociar.

Não é uma “linha vermelha”, disse Pablo Iglesias no domingo passado frente ao Conselho Cidadão estadual. Mas Iglesias tem um problema para ceder neste ponto, visto que uma parte substancial de seu poder político na negociação vem justamento pelos 12 deputados conquistados na Catalunha com a lista Em Comú Podem – integrada por Podem, ICV-EUiA e Barceloona em Comú-, que já adiantaram que não estão dispostos a retroceder uma virgula na suas demandas.

Desde as linhas de Pedro Sánchez creem que o Podemos poderia negociar, mas para alguns barões regionais a possibilidade certa de que haja novas eleições catalãs “perturbam” todo diálogo com a formação da casa. Logicamente, é de se esperar que Pablo Iglesias não se desfaça facilmente de um discurso que nas eleições de 20D lhe permitiu conquistar nada menos que o primeiro lugar na Catalunha.

Por outro lado, a possibilidade de que se convoquem novas eleições autônomas na Catalunha para março, também modificam o calendário da crise interna do PSOE. O congresso federal previsto para fevereiro, em que uma parte do partido está pedindo sua cabeça, previsivelmente seria proposto, dando um respiro a Pedro Sánchez. Se sabem de alguma coisa no PSOE, é como adiar os ajustes de contas para depois de abertas as urnas, e não antes.

Assim as coisas, com um panorama de um pacto PP-PSOE parece impossível e, no imediato, também o é um acordo PSOE-Podemos, a só uma semana do começo da nova legislatura, o incerto cenário político se aproxima cada vez mais da convocatória de novas eleições.

O fator Podemos e os limites do neo reformismo

Depois dos resultados do 20D, Podemos adquiriu um peso extraordinário na vida política espanhola. No marco de um Parlamento hiper fragmentado, seus 69 assentos (sobre a suposição de que todos os assentos conquistados como parte de coalizões com outros partidos como na Catalunha, Valencia ou Galicia correspondem a um mandato comum, algo que ainda se está por ver), o partido liderado por Pablo Iglesias se colocou em uma posição de privilegio para participar nas negociações parlamentares que podem dar lugar ao novo governo.

Podemos passou na última semana pelo estabelecimento de “linhas vermelhas” para a negociação com o PSOE como o referendo catalão, ou a proposta de um candidato independente de consenso, para logo retirar esta última da mesa e suavizar sua exigência sobre a Catalunha. Uma tática errática, cujo objetivo é utilizar as negociações para seguir cavando a base eleitoral socialista, principal fonte de influência de votos para o Podemos.

A última manobra deste tipo tinha sido a divisão interna dos socialistas, diferenciando os “setores sensatos”, prováveis a negociações, do bloqueio “imobilista”, no que Pablo Iglesias situou Suzana Díaz e os barões de Castilla-La Mancha e Extremadura, Emiliano García-Page e Guillermo Fernández Vara.

Podemos está sabendo utilizar o cenário de esquerdização eleitoral e crise dos principais partidos do regime para fortalecer-se. O problema é com que objetivo político o faz. O voto de 5 milhões de pessoas ao Podemos no 20D foi uma expressão distorcida, através de uma formação cuja estratégia é abertamente reformista, das aspirações democráticas insatisfeitas de milhões e o rechaço massivo a uma democracia que só funciona para os ricos.

Porém, o processo de negociação de busca do Podemos para dar lugar a um “novo consenso” como o de 1978, tem o limite de que nos marcos institucionais do regime- e a resistência que vão opor todos os seus agentes a qualquer tipo de transformação política-, nenhuma saída poderá satisfazer as profundas aspirações que se expressam no massivo voto no 20D. Pelo contrário, só pode terminar frustrando, uma vez mais, a resolução das grandes demandas democráticas e sociais pendentes.

Se Pablo Iglesiais e o Podemos se propusessem a conquistar verdadeiramente uma democracia mais “generosa” e não regenerar a ficção de democracia que é a monarquia parlamentarista espanhola, longe de propor um pacto constitucional com um dos pilares do regime como o PSOE para regenerar a democracia capitalista espanhola como estão fazendo, deveriam levantar a necessidade de que se convoque uma Assembleia Constituinte em que se possa discutir e resolver sobre tudo, que seja verdadeiramente livre e cujas decisões sejam soberanas.

Um processo constituinte que permita conceder sem restrições o direito de autodeterminação, que ponha fim à continuidade da Monarquia imposta em 1978, que termine com uma instituição tão reacionária como o Senado e disponha da formação de uma assembleia única que combine os poderes legislativo e executivo, que tome as medidas necessárias para resolver os grandes problemas sociais do trabalho, a precariedade, a moradia, a pobreza ou o desmantelamento dos serviços públicos mediante um programa para que os capitalistas paguem pela crise.

Só um processo assim pode garantir que todas as grandes demandas democráticas, econômicas e sociais pendentes possam ser resolvidas. E isto não virá da mão de um pacto com o PSOE nem de um “governo de esquerda” respeitando a legalidade de 1978. Só poderá ser conquistado através da luta de classes.

Como dissemos recentemente em outro artigo, a nova situação que se abre depois do 20D, apesar das enormes ilusões reformistas, apresenta importantes oportunidades para a esquerda revolucionária de dirigir-se a milhões que questionam os aspectos mais grosseiros desta democracia dos ricos. Preparar-se para novos fenômenos da luta de classes que escorem pelas rachaduras do regime político e a crise do bipartidarismo, fortalecendo uma perspectiva anticapitalista e classista que questione os limites do novo reformismo, é a principal tarefa que tem daqui pra frente a esquerda que defende uma saída operária e popular para a crise capitalista.




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