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Bolsonaro e as disputas do regime: os ajustes do discurso para fortalecer sua base

Passado um período de relativa defensiva, contando com baixa exposição e silêncio, para além de seu pronunciamento que proferiu em rede nacional, Bolsonaro retomou um discurso forte contra o lockdown e os governadores, volta imediata ao trabalho e vacinação. Em meios aos sobressaltos da última semana, quais o motivos desse novo discurso de Bolsonaro?

quinta-feira 1º de abril de 2021 | Edição do dia

Passado um período de defensiva, trocas ministeriais e relativo silêncio, em especial nos discursos direcionados a sua base mais dura (embora seus filhos a estimulem periodicamente), Bolsonaro retomou um discurso forte contra o lockdown ontem, 31/04, para se relocalizar com suas bases e dar um gás nos seus próprios elementos mais ideológicos. Se por um lado, o evento da troca das Forças Armadas deixou os bolsonaristas isolados nas redes sociais, por outro 1/3 do eleitorado mantém apoio ao presidente, de acordo com a pesquisa do DataPoder, realizada nos dias 29 a 31 de março, indicando alta na rejeição para 59% e estabilidade de 33% na aprovação.

Atacando os governadores que adotam medidas restritivas e apelando para o retorno às atividades dos setores empobrecidos na pandemia, querendo se utilizar do desespero dos trabalhadores que estão desempregados e da pequena burguesia cujos negócios ruíram durante os últimos meses e defendendo o novo auxílio - absolutamente insuficiente- e uma chula reivindicação da vacinação. Mas, afinal, quais são os objetivos de Bolsonaro com seu último discurso?

Naturalmente, comecemos por elencar as crises que o governo vêm passando. A mais evidente catástrofe é sanitária. Com Eduardo Pazuello à frente da Saúde, Bolsonaro se firmou em um fiel escudeiro e a maior conta, que é a dos mortos, chegou. Um setor grande de empresários, a impopularidade crescente do presidente, o colapso na saúde, o desgaste de Pazuello e a insatisfação do centrão empurraram Bolsonaro para a troca de ministro, uma gestão mais "responsável" com coesão entre governadores e inclusive a criação de um comitê contra a pandemia, um verdadeiro giro para se estabilizar.

Após esses episódios, eis que vem uma nova avalanche com as investidas do centrão contra o núcleo mais duro do bolsonarismo no Planalto, senão ele, Ernesto Araújo. A queda dele foi a de maior peso depois de Weintraub, que cultivou desafetos profundos no STF no início 2020. Araújo, negacionista, altamente ligado com a extrema direita trumpista e seu representante, e seu discurso anti-china, viu-se com apoio basante corroído dada a entrada de Biden ao poder e as críticas do imperialismo democrata para derrubar as figuras mais extremistas do governo brasileiro. Por último, saiu com castigos desferidos pelo centrão na sua atuação diplomático, além do mal-estar que provocou com o Katia Abreu, a líder do agronegócio, pilar que apoia fortemente Bolsonaro.

Se não bastante tanto, houve a troca de ministros, ou então a dança de cadeiras, da qual quem se apoderou das mudanças das bases de apoio do governo foi o Centrão, mais uma vez, em detrimento dos militares que passaram a uma nova remessa de crises quando vieram as trocas dos comandantes da Forças Armadas. Depois da saída do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa, das três forças, Exército, Marinha e Aeronáutica entregaram seus cargos ao novo ministro, General Braga Netto. Para além do grande estardalhaço da grande mídia, se valendo de um discurso ampliado de uma iminente crise entre os generais defensores da constituição e Bolsonaro mais autoritário em polos opostos, o que se preserva solidamente é preservar a imagem do exército e seguir dando sustentação ao governo, escondendo o máximo possível as intenções e as divisões reais que atravessam o Alto Comando e os generais da reserva, como melhor discutimos aqui.

Depois desses giros, recuos de Bolsonaro, ofensiva do Centrão, o general Paulo Sérgio vem a ser o novo comandante do Exército, o mesmo que o presidente queria demissão após o mesmo reivindicar na Força o uso de máscaras, distanciamento, isolamento, testagem em massa. Bem, este fato reafirma, como destacado no artigo acima linkado, que não há ruptura brusca do Exército e Bolsonaro, embora existam as divisões internas dos militares, apontando que a instituição segue sendo um dos pilares que sustentam e legitimam o governo.

O reacender de Bolsonaro e as novas contrapartidas contra governadores

Depois dessas turbulências, ontem, dia 31 de março, em meio às comemorações do Golpe Militar de 64, com homenagens de militares e até do vice (Mourão), Bolsonaro discursou inflamado para sua base que ficou um pouco isolada após os últimos dias de debilidade, com destaque à troca dentro das Forças Armadas. Sua maior aposta foi jogar contra o lockdown que alguns governadores vem aplicando, como é o caso do seu rival João Dória, em “Não é ficando em casa que nós vamos solucionar esse problema”. Retomou novamente o apelo entre os mais pobres, em “A fome mata muito mais do que o próprio vírus. Temos que enfrentar a realidade", isto é, é preciso voltar a trabalhar imediatamente.

Porém, agora, Bolsonaro discursa apoiado no comitê contra a pandemia, no qual é liderança, bastante voltado inclusive para a vacinação em massa (uma mudança até então para seu negacionista), também no novo auxílio emergencial e numa crescente taxa de descontentamento da população com os lockdowns e o próprio cansaço da pandemia, necessariamente, puxando o apoio de sua base pequeno burguesa, médios empresários, donos de academia, autônomos, e pequenos comerciantes como manicures e outros setores que vieram se manifestando abertamente contra as medidas restritivas que aprovam fechamento comercial em grandes cidades, como é o caso de São Paulo, das quais resistem particularmente arruinados.

Por outro lado, Bolsonaro usa o recurso mais populista de apelo às massas que decaíram em miséria durante a pandemia, se apropriando inclusive do discurso econômico que prevalece a ênfase no curto período de auxílio emergencial, com um valor insignificante, valendo que o governo não pode bancar os custos por muito tempo, um óbvio interesse em cooptar camadas empobrecidas que não podem trabalhar, por conta do desemprego, e se alojam na extrema pobreza da qual o governo, governadores, o Congresso, são totais responsáveis.

Enfraquecido, o presidente busca, sob os novos contornos que tomou a situação econômica e social, e seu desgaste com as baixas do Planalto e a impopularidade da população com a gestão catastrófica da pandemia, reagrupar sua base sob o argumento de necessidade da volta ao trabalho e movimentação da economia em crise. E isso afirma que as correlações de forças da extrema direita ainda têm bastante energia para recomposição, levando em conta que se ampara no 1/3 de aprovação do eleitorado para se fortalecer e que, portanto Bolsonaro não está tão isolado, embora mais submisso ao centrão, como afirma e tenta passar os discursos da grande mídia. O que impõe uma saída independente dos trabalhadores e a necessidade da entrada em cena da luta de classes contra toda esse regime que degrada cada vez mais a condições de vida dos mais pobres.




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