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Negacionismo e saúde privada | Bolsonaro e Prevent Senior causaram a morte de pacientes ’cobaia’ com remédios ineficazes

Dossiê elaborado por médicos e ex-médicos da Prevent denuncia uma série de irregularidades, denunciando acordo entre o governo Jair Bolsonaro e a Prevent, que permitia usar pacientes como ’cobaia’ para remédios ineficazes contra Covid-19. Nove pacientes ’cobaias’ morreram durante a pesquisa, mas os autores de estudo da empresa só mencionaram duas mortes.

quarta-feira 22 de setembro de 2021 | Edição do dia

Imagem: Divulgação/Prevent; Alan Santos/PR

De acordo com áudios e planilhas, a Prevent Senior, uma das maiores operadoras de saúde do país, usou em pacientes que estavam com Covid-19, sem autorização, um medicamento destinado para o tratamento de câncer.

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Em um dos audios se ouve que os médicos da rede deviam recomendar flutamina e enbrel aos doentes. O remédio é recomendado para artrite reumatóide, portanto não sendo indicado para tratamento de Covid. Já a bula da flutamina diz que o medicamento é indicado para câncer de próstata.

"Falem com os médicos. As primeiras 24 horas é: bloqueio androgênio com flutamida e enbrel pros pacientes que vão ser transferidos, tá? ", disse em aúdio o diretor da operadora, o cardiologista Rodrigo Esper. "Eu comprei mais de 800 doses pra ser feitas", diz a gravação.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2004, já havia alertado sobre a flutamina depois que a droga foi usada no tratamento de acne e queda de cabelo em mulheres. Na época, quatro pessoas morreram depois de falência do fígado após o uso do medicamento.

A planilha online, usada por médicos da Prevent Senior, mostra que pelo menos até julho deste ano a flutamida foi prescrita para pacientes com Covid.

Uma médica que trabalhava na operadora nessa época e foi demitida por discordar em receitar os medicamentos disse que os pacientes não sabiam que estavam sendo submetidos a um estudo, "que eles estavam sendo cobaias". Também não foram informados sobre os malefícios dos remédios.

A Prevent Senior disse que a compra de flutamida passou de cem caixas em média, por mês, no começo deste ano pra 22 mil em abril.

Alguns pacientes, que foram tratados com os medicamentos sem eficácia da Prevent, chegaram a falecer. Nove pacientes morreram em um estudo sobre cloroquina, mas a operadora ocultou sete óbitos.

Um dos pacientes foi Rogério Ventura, que morreu em 25 de abril de 2020, aos 83 anos, de forma repentina. Ele participou do estudo da cloroquina, mas ele e os familiares jamais souberam disso. Só ficaram sabendo depois da reportagem da GloboNews, que teve acesso à planilha da Prevent, entrarem em contato com eles.

Apesar de ter sido incluido no experimento para testar a cloroquina, Rogério não foi submetido a testes necessários para saber se de fato ele estava com Covid, conforme mostra o prontuário.

A família de Rogério diz que a Prevent nunca apresentou a ele ou aos familiares o termo de consentimento para o uso da medicação e participação do estudo. A assinatura do termo é uma exigência legal para participação em pesquisas e é uma regra do protocolo da própria operadora.

As informações que estão no prontuário mostram que no dia 27 de março ele recebeu hidroxicloroquina e azitromicina pela primeira vez. A filha e o neto, que acompanharam Rogério durante toda a internação, dizem que em nenhum momento os médicos e enfermeiros avisaram que Rogério tinha tomado cloroquina e azitromicina. Segundo a filha, também não lhes foi informado que o pai começaria a participar de um protocolo ou estudo novo.

A família confirma uma orientação dada pelo diretor da Prevent Senior, Fernando Oikawa, em mensagem enviada em grupos de aplicativos de mensagem de médicos da operadora. A mensagem era uma orientação para o início do protocolo de testagem da cloroquina. Há um alerta dizendo “Iremos iniciar o protocolo de HIDROXICLOROQUINA + AZITROMICINA. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, (sic) sobre a medicação e nem sobre o programa.”. A mensagem foi enviada no dia 26 de março, um dia antes de Rogério ter recebido as medicações.

Em abril de 2020, contrariando a recomendação do Ministério da Saúde, a Prevent Senior orientou os médicos da rede a prescrever cloroquina em tratamento para pacientes que relatavam sintomas respiratórios e febre, mas sem confirmação de coronavírus. A recomendação era feita em consultas feitas por telemedicina.

O prontuário mostra ainda dois diagnósticos incompatíveis para o uso de cloroquina. No campo “hipótese diagnóstica”, aparece “arritmia cardíaca”. No campo “diagnóstico confirmado” aparece “hipertensão”.

De início, a Prevent Senior disse que só iriam participar do estudo pacientes com diagnóstico de Covid-19 confirmado, mas, para conseguir arregimentar mais pacientes em menos tempo, a operadora afrouxou as exigências. Bastaria se enquadrar em algum sintoma de Covid para que o paciente fosse incluído na pesquisa. Portanto, havia não só pacientes com Covid, mas também suspeitos.

No entanto, na declaração de óbito de Rogério a operadora não menciona que se tratava de um caso suspeito de Covid. Aparecem, entre as causas da morte, “insuficiência respiratória aguda, pneumotórax espontâneo, doença obstrutiva pulmonar crônica, cuidados paliativos, senilidade.”

Veja mais: Prevent Senior ocultou mortes em estudo apoiado por Bolsonaro sobre hidroxicloroquina

Mas, como não foi feito o teste de Covid, é impossível afirmar se Rogério estava ou não com a doença.

Essas informações fazem parte de um dossiê com uma série de denúncias de irregularidades, elaborado por médicos e ex-médicos da Prevent. O documento informa que a disseminação da cloroquina e outras medicações ineficazes contra a Covid-19 foi resultado de um acordo entre o governo Jair Bolsonaro e a Prevent.

Vemos nesse caso mais um exemplo das consequências mais nefastas do fato de que no capitalismo o lucro está acima do interesse da manutenção da vida. A combinação de um governo negacionista, mancomunado com uma empresa milionária do ramo dos planos de saúde privados não pode atender aos interesses da grande maioria da população que sofreu e sofre as piores consequências da pandemia. Por isso é necessário estatizar e colocar sobre controle dos trabalhadores da saúde toda a rede privada da saúde, seus hospitais, laboratórios estejam à serviço da população e não à serviço do lucro.




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