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segunda-feira 24 de setembro de 2018 | Edição do dia

Por Venâncio Favero, de SP

“Cada qual sabe amar a seu modo; o modo pouco importa; o essencial é que saiba amar. ”

Machado de Assis.

Muitas pessoas, inclusive de dentro do movimento LGBT, questionam se existe mesmo “bifobia”, isso é, um tipo de preconceito genuíno que atinge especificamente pessoas bissexuais. Antes de discorrermos sobre, vale frisar que, por bissexuais, entende-se todo aquele ou aquela que não estabelece distinções afetivas entre os gêneros, ou aquele que se sente atraído por mais de um gênero, isso é, ao contrário de uma visão limitada e tacanha da bissexualidade, associada a uma rústica e limitada concepção binária de gênero. Sendo assim, são bissexuais todo aquele ou aquela que não se encaixa no padrão monossexual, sendo abarcado, por assim dizer, pelo guarda-chuva da bissexualidade, pansexuais, polissexuais, etc.

Assim, é inegável a existência de pessoas bissexuais, de pessoas que se relacionam com pessoas, não importando o gênero ou o sexo como mecanismo de atração, no entanto, que tipo de preconceito sofrem essas pessoas? Existe um preconceito específico para as pessoas bi’s?

Bifobia existe?

Para começarmos a conversa, vale dar luz ao significado etimológico do termo “fobia”, que vem do grego, “phobos”, que significa algo como "medo" ou "aversão", sendo uma característica patológica que, irracionalmente, leva um indivíduo a ter reações agressivas de diversas formas.

Todo processo de descoberta de toda e qualquer sexualidade possuí seus desafios, no entanto, as pessoas bissexuais contam com a “invalidação”. O que isso quer dizer? Quer dizer que, quando uma pessoa se declara hétero, ninguém a questiona acerca da possibilidade de existência de sua sexualidade, no máximo, o questionamento é acerca da pessoa ser verdadeiramente heterossexual, e não homossexual. Quando uma pessoa se declara homossexual, não existem, também, questionamentos acerca da possibilidade de existência de sua sexualidade, o questionamento que existe é sobre sua “legitimidade”, a luz da heteronormatividade, do certo, do bom, do moral e do divino: ser homossexual é errado, diz a heteronormatividade, mas não é inexistente.

O Bissexual, como já dissemos, lida com a invalidação, pois, é próprio do movimento heteronormativo suprimir para se afirmar. Esse movimento de supressão acontece porque é impossível provar uma máxima por sua negativa e, uma vez que a heteronormatividade impõe ao heterossexual que a todo momento prove ser hétero, que reafirme sua heterossexualidade, então aí é preciso que a bissexualidade seja tratada como algo que não existe, pois, se não fosse assim, seria impossível que a heterossexualidade se provasse de forma certa e segura, e portanto se reafirmasse tal como se pretende. Existe, aqui, portanto, um movimento próprio de supressão imposto pela hetenormatividade a pessoa Bi e, dentro desse movimento, existem taxações específicas que vão acometer essas pessoas.

Por exemplo, no imaginário das pessoas monossexuais, a pessoa bissexual deve, a todo momento, estar com pessoas de ambos os sexos para afirmar sua sexualidade e, justamente por isso, a pessoa bissexual é sempre promiscua, incapaz de fidelidade ou de um relacionamento fechado. Assim sendo, a pessoa bissexual é também, no imaginário comum da monossexualidade, vetor de doenças, pois, ao serem promiscuas, seriam as responsáveis por fazer a ponte das doenças que normalmente só acometeriam as lésbicas e os gays. Nesse contexto, o bissexual sofre o preconceito homofóbico de que só pessoas homossexuais contraem doenças, e ainda “ganha” o título de vetor dessas doenças, isso é, como o responsável por trazer essas doenças aos heterossexuais.

Assim, categoricamente se diz: Bifobia existe sim!

A Bifobia na vida das mulheres Bi’s.

Se a sexualidade da mulher lésbica já é comumente invisibilizada, a da mulher bi é ainda mais: quando esta se relaciona com um homem, todo seus relacionamentos anteriores com mulheres serão questionados do começo ao fim, suas vivências e seus amores serão, todos, um por um, esquecidos ou ao menos relativizados.

Como se não bastasse, são alarmantes os dados que se seguem sobre mulheres Bi’s, aproximadamente, vítimas de 61% dos casos de violência física, estupro e perseguição conjugal, sendo que, quase metade das mulheres Bi’s, isso é, 49,3%, são, em algum momento, vítimas de violência íntima grave de seus companheiros. Isso acontece porque a bissexulidade feminina foi, pela heterormatividade, transformada em fetiche masculino, onde as mulheres bi’s são especificamente transformadas numa categoria específica do tesão masculino.

Outros números, mostram que em comparação a mulheres lésbicas, as mulheres bi’s têm 64% mais chances de desenvolverem transtornos alimentares, 37% mais chances de acometerem alguma violência contra o próprio corpo, 26% mais probabilidade de terem depressão e 20% mais chances de desenvolverem ansiedade.

A bifobia na vida de homens Bi’s

Os homens bi’s sofrem tanto a invisibilidade de sua sexualidade, que não faltam relatos de quantas vezes ouvem “ainda não saiu do armário”, inclusive, muitas vezes, de outros homens gays. Quando estão perto de outros homens héteros e, ao se dizerem bi’s, são comumente questionados, quando não agredidos, esses questionamentos e essa agressão são resultados direto do desconforto que a presença de um homem bissexual traz a outro heterossexual que precisa se afirmar clara e distintamente.

Nisso, os números também preocupam: aproximadamente 40% dos homens bi’s já consideraram o suicídio, sendo que esse número é 4x maior em relação a pessoas heterossexuais, e duas vezes maior em relação a pessoas homossexuais. Outro triste dado é que apenas 28% dos homens bi’s assumem (ou revelam) sua sexualidade para as pessoas importantes em suas vidas, enquanto esse número é de 77% para homens gays.

Pela Visibilidade Bi!

Um ponto a ser destacado é: ninguém está dizendo que é pior ou melhor ter uma sexualidade em relação a outra, mas que existem formas particulares de como a opressão afeta e se manifesta cada um. É preciso, e urgente, que o ativismo LGBT fale, cada vez mais, em bissexualidade. É preciso que se fale em bissexualidade para que o número de meninos e meninas, que frequentemente desenvolvem doenças como ansiedade e depressão por não terem referencial seguro daquilo que são e sentem, diminua.

Falar em bissexualidade, hoje, é salvar a vida de centenas de milhares de jovens que se matam por não encontrarem explicações as duras paredes que a heteronormatividade impõe ao seu caminho.

É preciso exigir, inclusive leis, que obriguem as emissoras de rádio e TV, produtoras de filmes, de novelas, de séries e histórias, que insiram em suas tramas pessoas bissexuais, que livremente são bissexuais e não apenas personagens que reforçam o esteriótipo: de homens e mulheres casados com parceiros de sexo distintos mas que depois “se descobrem” gays. É preciso, e urgente, um ativismo bissexual, para que a bissexualidade deixe de ser tabu, para que a bissexualidade deixe de ser motivo de depressão, ansiedade, sofrimento e suicídio.

Esse ativismo bissexual não pode acontecer verdadeiramente de forma simples, pois, para que aconteça e dê certo, é preciso que admita um olhar completo também sobre as outras opressões que dirigem as engrenagens de nossa sociedade. Assim, é preciso que os bissexuais apoiem também a luta e as pautas imediatas do conjunto dos oprimidos, também dos trabalhadores, pois mesmo que hajam alguns que não sofram de racismo, machismo, nem lgbtfobia, ainda assim sofrem sistematicamente uma opressão vinculada a exploração de classe, para a reprodução da desigualdade e do lucro, e, uma vez que são as estruturas que reproduzem a desigualdade as mesmas que perpetuam essa moral que estabelece uma única forma de se colocar e existir no mundo e, uma vez que a moral é produto direto de impulsos de uma sociedade concreta, materialmente desigual, cria-se, então, a consciência bifóbica como resultado direto de todo essa dinâmica econômica, politica e social, sendo a bifobia, desse modo, um poderoso mecanismo de conservação da ordem atualmente estabelecida das coisas. Dizemos, por isso, que é impossível que sejamos respeitados enquanto humanos, isso é, como sujeitos humanamente diferentes, se não formos, antes, socialmente iguais!




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