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SEMANÁRIO

Bancos: importantes demais para permanecer em mãos privadas

Esteban Mercatante

Fotomontagem: Juan Atacho.
Tradução: Pâmela Teixeira

Bancos: importantes demais para permanecer em mãos privadas

Esteban Mercatante

Outra vez, a falência do capitalismo argentino coloca em dúvida a força do sistema financeiro nacional, sujeito ao gotejamento implacável dos depósitos em dólares, que se aceleraram desde as eleições primárias e mantêm esse ritmo, ameaçando contagiar todo o sistema financeiro, caso não seja contido. A crise da dívida e o saque bancário em massa, as duas facetas inseparáveis do terremoto que afetou a economia argentina em 2018 e levou Macri a pedir ajuda financeira ao FMI, se intensificaram depois da derrota de Macri nas eleições, colocando em evidência a precariedade da estabilidade anterior. A ameaça é que a situação entre em uma nova etapa, já terminal, com a retirada de dinheiro dos bancos pela população. Isso é o que o ministro da Economia, Hernán Lacunza, vem tentando prevenir com o “reperfilamiento” (termo adotado para não falar de uma inadimplência parcial) da dívida em dólares, as restrições à compra de divisas para armazenamento e as mensagens tranquilizadoras sobre a estabilidade dos depósitos em moeda estrangeira.

Mesmo que tenha se salvado do colapso, e não tenha se concretizado outro ataque às poupanças – isso apenas depois dos grandes capitalistas garantirem sua segurança em contas offshore –, as perdas monetárias do governo Macri acentuaram o que são as características estruturais do sistema financeiro argentino, que só pode ser definido como disfuncional. Enquanto os bancos públicos financiam o Tesouro (comprando Letras e Lecap), no caso dos bancos privados, 75% das poupanças que recebem estão sendo revertidos para comprar Letras de liquidez (Leliq) do Banco Central, pela qual paga uma taxa de 85% ao ano [1]. São papéis que se renovam semanalmente, para que os rendimentos acumulativos alcançados pelos bancos sejam superiores a 100% ao ano. Para acrescentar sua participação nessa festa, reduziram o volume de créditos que, além das taxas que eles impõem (as taxas da Leliq funcionam como referência para todo o resto), são cada vez mais inviáveis.

Ou seja, em vez de capturar depósitos para fazer empréstimos a empresas e negócios para investir, que é como os banqueiros geralmente apresentam o papel positivo que desempenham na geração de riqueza social, os fundos que obtêm são emprestados principalmente ao Estado, seja ao Tesouro ou ao BCRA, enquanto estrangulam a quem pega empréstimos com custos financeiros impossíveis. Os interesses suculentos que faturam não fazem mais que agravar os desequilíbrios estatais (déficit fiscal financeiro e déficit quase-fiscal) que esses fundos buscam enfrentar. E é todo esse mecanismo que, a longo prazo, pode também acabar devorando as operações dos próprios bancos, como analisamos em outras oportunidades. Em 1989 (com o Plano Bonex) e em 2001 (com o corralito), sob regimes cambiais e monetários completamente diferentes, chegamos ao mesmo resultado: ataque aos que tem poupança e custos elevados para o tesouro público era, em cada caso, os custos da “limpeza” do sistema financeiro. Com essa socialização das perdas privadas, são os trabalhadores e setores populares que acabaremos, novamente, pagando pelos custos. Enquanto isso, quem pega empréstimo, como os hipotecários UVA, vivem como se sua dívida fosse impagável, para a qual o governo aplicou retalhos que não fazem mais do que adiar essa questão para um futuro muito próximo.

Instituições financeiras, a lei da ditadura mantida por todos os governos

O sistema financeiro argentino é precário, não apenas em relação aos países capitalistas mais desenvolvidos (cujas posições financeiras envolvem a apropriação de riqueza de todo o planeta através de grandes bancos e fundos de investimento), mas também de países dependentes, com características semicoloniais. O crédito ao setor privado na Argentina é cerca de 14% do PIB, quando no Uruguai chega a 28%, no México a 35% e no Brasil a 62% (nos EUA, o nível é de 193%). Os motivos que o explicam são de natureza variada, mas dentre eles podemos destacar: 1) as crises fiscais e externas recorrentes, cujas raízes estão no endividamento, e que devastaram repetidamente o valor dos créditos e depósitos; 2) a fuga de capital - lucros - de empresas de capital nacional e estrangeiro, que retiraram do sistema os fundos que poderiam ter contribuído para expandir o volume de créditos. Os bancos privados que operam no país participaram dos dois processos em conexão com agentes internacionais, embora tenham resultado em falência mais ou menos generalizada a cada momento, cujos custos recaem principalmente sobre os depositantes. Os bancos se especializaram principalmente em conduzir a fuga de capitais da grande burguesia, que tem nomes e sobrenomes conhecidos: entre os principais fugitivos estão nomes como Techint, Eurnekian e Fortabat, apenas para citar alguns dos grandes grupos econômicos (Fortabat em estado de liquidação).

Desde a reforma das instituições financeiras implementada em 1977 pela ditadura, apontou-se a desregulamentação do sistema como uma maneira de, supostamente, incentivar seu desenvolvimento. As três partes das profundas mudanças foram a desregulamentação da taxa de juros, deixando a correção nas mãos dos bancos; o incentivo à entrada de um número maior de instituições financeiras no mercado para torná-lo “competitivo”; e a permissão da entrada e saída de capital. Como mostra o nível de créditos em relação ao PIB, nenhum desenvolvimento surgiu dessas iniciativas.

A desregulamentação não permitiu o desenvolvimento do sistema financeiro, mas produziu uma alta concentração e o tornou mais estrangeiro. Hoje, os dez maiores bancos privados representam 45% dos depósitos [2]. Seis bancos estrangeiros recebem 70% do que os dez primeiros administram.

A lei das instituições financeiras completou mais de 40 anos, mas não foi modificada no fundamental nem no acessório. Em 2010, Cristina Fernández promoveu uma modificação da Carta Orgânica do BCRA para expandir os objetivos e ferramentas da política monetária, mas em nenhum momento houve a eliminação ou modificação dos regulamentos que governam os bancos. Foram feitas apenas algumas alterações que restringiram as margens para a definição de taxas (eliminadas pela mudança).

Imperialismo e finanças

A atrofia do sistema financeiro nacional não é alheia às reconfigurações do sistema capitalista mundial nas últimas décadas, entre as quais há um notável aumento do poder das finanças e seu envolvimento com o restante da economia.

O que acontece é que, como parte desse processo, a financeirização em países dependentes adquire "um caráter subordinado" [3]. Quem afirma isso é Costas Lapavitsas, que fez contribuições relevantes para analisar as finanças contemporâneas do marxismo. Ele também fez parte do governo de Alexis Tsipras na Grécia, que assumiu prometendo uma política "anti-austeridade", mas acabou cedendo às chantagens do governo europeu e do FMI que exigiam a continuidade da política de ajuste. Lapavitsas chegou propondo, entre outras questões, a nacionalização dos bancos, vinculada à retirada da Grécia da integração monetária na zona do euro. No geral, devido à falta de articulação de suas propostas em um programa de transição conjunto, o economista ficou preso a uma proposta de escapar da crise que permanecia nos limites capitalistas, embora questionasse os avanços mais agressivos do imperialismo sob a Troika [4].

Continuando com a análise de Lapavitsas, a subordinação se manifesta nos padrões que caracterizam, em maior ou menor grau, os sistemas financeiros da maioria das economias dependentes. "Os fluxos de capital tornaram-se fortemente negativos para os países em desenvolvimento em termos líquidos, ou seja, o capital foi retirado dos países pobres para os países ricos", diz ele [5]. Isso é uma conseqüência do “papel contemporâneo da moeda mundial”, basicamente o dólar, que “afetou a hierarquia entre os países capitalistas no mercado mundial e, ao mesmo tempo, concedeu um papel subordinado à financeirização nos países em desenvolvimento.” [6] O fato de que o fluxo líquido de capital favorece os países imperialistas “assemelha-se à imposição de um imposto informal pago pelos países em desenvolvimento aos desenvolvidos, antes de mais nada aos EUA.” [7].

Quando o peso desse "tributo" encurralou a balança de pagamentos e as contas públicas antes do fechamento de mercados internacionais, como o que estamos vendo na Argentina desde 2018, os bancos aprofundam seu papel como veículo para a saída de recursos e, por efeito desse mesmo esvaziamento, pode ser a última peça arrastada na queda, como em um efeito dominó.

Nacionalizar o sistema financeiro

Não repetir essa história requer quebrar a lógica do sistema financeiro como limite de lucro para um setor da classe capitalista, que hoje está cada vez mais entrelaçado com todos os outros setores empresariais. Ou seja, nacionalizar o sistema financeiro criando um único banco estatal (o que faz parte das propostas feitas pelo dirigente da FIT-U, Nicolás del Caño, diante da aceleração da crise nacional). Isso significa integrar todos os ativos e passivos de entidades privadas em um único sistema estatal (sem qualquer compensação aos banqueiros privados – o que nem precisa de esclarecimentos, considerando como os acionistas lucram à custa da economia há décadas) com a participação diretamente da classe trabalhadora das entidades em sua administração. Com que finalidade? Duas, diretamente interligadas: 1) proteger os depósitos de poupadores de pequeno e médio porte, que, por tudo o que já mencionamos, hoje não estão de maneira alguma seguros; 2) canalizar a poupança nacional para o crédito, que permita o desenvolvimento das atividades mais urgentes para responder às necessidades sociais mais prementes, ou seja, o investimento em infraestrutura, mas também nas atividades dos comerciantes, oficinas etc. Ou seja, fazer o oposto do que os bancos estão focados em fazer hoje, que é lucrar com a falência de contas públicas (falência causada pelo desfalque do Estado em benefício dos empresários e pelo afogamento da dívida).

Certamente, estamos falando sobre atacar uma vaca sagrada dos neoliberais no governo hoje, o que não foi questionado durante os 12 anos dos governos Kirchneristas. Eles nos dirão que é algo que "não pode ser feito". Como se não fosse o que o próprio Estado burguês sempre faz quando a suposta eficiência dos bancos privados é questionada por suas apostas irresponsáveis na busca de lucros desenfreados, momentos em que eles correm para salvar os bancos considerados “grandes demais para cair”.

A burguesia nacionalizou os bancos sempre que necessário para salvá-los, e especialmente para conter a expansão das crises que o sistema financeiro pode transformar em um colapso acelerado. Como Costas Lapavitsas observa, “a propriedade pública de bancos e outras instituições não é uma ocorrência incomum no capitalismo financeiro. Após o colapso do Lehman Brothers, a extensão da propriedade pública foi discutida inclusive nos EUA.”. E, de fato, injeções de capital feitas nos EUA. na Grã-Bretanha e em outros países, “estabeleceram uma forte participação pública na propriedade dos bancos” [Idem., p. 318.]. No caso britânico, algumas entidades foram diretamente nacionalizadas, o que foi evitado nos EUA. A Suécia também nacionalizou temporariamente seu sistema bancário no início dos anos 90; foi a resposta a uma crise que ocorreu como resultado das especulações que se seguiram ao consentimento financeiro. Os 114 bancos do país estavam à beira do colapso. Todos os depósitos e a dívida dos bancos foram garantidos, mas não o capital dos acionistas, que foram penalizados. O Estado sueco tornou-se o proprietário de grande parte do sistema financeiro nacional. Uma vez estabilizados os mercados, o Estado vendeu as entidades, embora ainda possua altas participações em algumas grandes entidades privadas. Em todos esses casos, foi uma resposta à crise, diante da qual o Estado capitalista interveio sobre a propriedade, mas apenas temporariamente, com o objetivo de preservar uma engrenagem central no funcionamento do capitalismo.

Alguns governos de países dependentes e semicoloniais enfrentaram uma nacionalização do sistema financeiro diante de evidências de que era a única maneira de impedir que a falência do Estado se traduzisse em um colapso total e que os bancos eram, como geralmente é o caso, um veículo para saquear a economia nacional. Por exemplo, o caso do México em 1982: o presidente José López Portillo anunciou, entre outras medidas, a nacionalização dos bancos e o controle generalizado de câmbios, para responder à situação colocada pela suspensão dos pagamentos da dívida – então, o México foi objeto de uma ampla privatização em benefício dos mesmos que foram afetados, mas que, com a recompra, receberam os bancos limpos, sem dívidas.

O caso da Grécia em 2015 mostra "pela negativa" a centralidade do problema dos bancos em tempos de crise e a chantagem das finanças internacionais. Alexis Tsipras, que veio ao governo naquele ano prometendo renegociar os programas de austeridade com a Troika e organizou um referendo sobre os acordos, enfrentou durante seus primeiros meses uma pressão formidável da classe capitalista, que se expressou sob a forma de fuga de capitais. Isso foi organizado com impunidade pelos bancos, sem que a coalizão governamental desse qualquer resposta. Nacionalizar os bancos é uma medida elementar se se pretende, como propomos aqui, questionar a dívida e os compromissos financeiros com o FMI.

O máximo deve ser investido: os bancos não devem ser mantidos como entidades privadas e resgatados por serem "grandes demais para cair". Pelo contrário, eles desempenham um papel muito importante na economia para serem deixados em mãos particulares e guiados pelo lucro.

A nacionalização dos bancos, no sentido em que a propomos, não é uma medida temporária, como a adotada pelos estados capitalistas para devolver o controle aos banqueiros conforme as circunstâncias permitirem. Aponta, pelo contrário, para a formação de um único banco estatal como parte de um programa conjunto para enfrentar a crise nacional e a luta por uma saída da classe trabalhadora (o que implica a rejeição da chantagem do FMI e o repúdio à dívida, bem como o monopólio estatal do comércio exterior e o aumento dos salários e pensões e sua atualização segundo a inflação), que podem ser transformados em uma ferramenta poderosa para gerar crédito barato para a habitação popular, por exemplo. Pequenos coméricos, oficinas e pequenas empresas que não exploram a força de trabalho. Algo que os bancos privados (e também os públicos sob as condições impostas pelo regulamento geral) têm feito pouco e pelos quais cobram muito caro. Também garantirá o valor dos ativos para os pequenos poupadores, impedindo-os de ser, como sempre, aqueles que acabam enfrentando o desfalque quando o sistema entra em colapso. Essa é a única maneira do financiamento deixar de ser uma rota de especulação e fuga de capitais e de colocar um fim aos empréstimos a taxas de usuários que dispensam devedores.

A classe trabalhadora no setor financeiro deve ser o protagonista

Se alguém puder conhecer, em primeira mão, todas as manobras com as quais os grandes empresários se coordenam com a administração das instituições financeiras para depositar seus recursos em paraísos fiscais, evadindo e evitando o pagamento de impostos, ocultando dinheiro ilegal e também aproveitando momentos turbulentos para obter boas fatias, é o setor da força de trabalho que atua no setor financeiro. É também quem é obrigado a dar desculpas aos pequenos depositantes quando seus empregadores querem atrasar a entrega dos depósitos, em momentos turbulentos como os das últimas semanas. Em 2001 e 2002, sofreram, por esse motivo, numerosas agressões dos depositantes, que não puderam descarregar sua fúria contra os verdadeiros responsáveis pela retirada de suas economias.

Se o sistema de crédito administrado pelos capitalistas (ou sua contrapartida do banco público que atende às necessidades de um aparato estatal subordinado aos mesmos interesses de classe) com base no lucro se tornou um mecanismo para extrair riqueza de todo da sociedade, que contribui para a perpetuação do atraso e da dependência, um sistema bancário estatal administrado pelos trabalhadores pode permitir a decisão democrática da classe trabalhadora e dos setores populares sobre quais são os critérios e as prioridades do crédito em uma economia em desenvolvimento, na propriedade socializada dos recursos fundamentais, para ser capaz de canalizá-lo para investimentos que respondam às necessidades de infra-estrutura e habitação que são muito atrasadas, para aumentar a capacidade de produção de riqueza material que permita satisfazer as necessidades da sociedade como um todo hoje adiada, discutidos coletivamente e com o objetivo de reduzir a carga de trabalho para toda a sociedade.


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FOOTNOTES

[1Os empréstimos ao Estado também foram um grande negócio para as entidades durante os governos kirchneristas. Ver Gastón Ramírez e Emiliano Trodler, “Década ganada. Para los bancos”, Ideas de Izquierda 15, novembro 2014.

[2Incluindo os três maiores bancos públicos (BNA, Provincia de Buenos Aires e Ciudad de Buenos Aires) 83% dos depósitos são atingidos.

[3Costas Lapavitsas, Profitin without Producing. How Finance Exploits Us All (Ganhando sem produzir. Como as finanças exploram a todos nós), Londres, Verso, 2013, p. 198.

[4Ver, a esse respeito, Paula Bach, “Polémica con el economista griego Lapavitsas”.

[5Idem., p. 243

[6Idem.

[7Idem., p. 244.
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