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UNICAMP | Até onde vai o projeto de universidade da reitoria da Unicamp frente ao governo Bolsonaro?

Em meio às disputas entre olavistas e militares que perpassam a queda de Vélez no Ministério da Educação e a nomeação de Abraham Weintraub, bem quisto por Olavo de Carvalho, o projeto de universidade encabeçado pela reitoria da Unicamp de Marcelo Knóbel aparenta ir na contramão do que querem bolsonaristas e seu “núcleo ideológico”, porta-voz do obscurantismo e das privatizações. No primeiro ano da implementação das cotas étnico-raciais, tão atacadas por Bolsonaro, e do vestibular indígena, o reitor da Unicamp, que assumiu nesta semana como presidente do CRUESP, promete defender os princípios da autonomia universitária e da liberdade acadêmica frente aos governos. Enquanto isso, uma mulher trans foi agredida no campus pela guarda patrimonial, seguem sendo abertas punições contra lutadores do movimento estudantil e foi votado novo programa de parceria com as empresas na última sessão do Conselho Universitário. Queremos debater: quais os rumos que hoje segue a Unicamp e para onde ela deve ir?

terça-feira 9 de abril de 2019 | Edição do dia

A Unicamp é o “caminho oposto”, afirma o reitor Knobel sobre a declaração de Vélez de que a universidade não seria para todos, e sim para uma elite intelectual. Estamos diante do primeiro ano das cotas étnico-raciais e do vestibular indígena na Unicamp. Faixas institucionais são coladas pelo campus: “não ao racismo” e “arte e coragem”; enquanto as faixas do movimento estudantil contra Bolsonaro são arrancadas. Na última sessão do Conselho Universitário, além dos GTs institucionais já em andamento por ações afirmativas e “em combate à violência sexual”, foi aprovada uma Diretoria dos Direitos Humanos. Por trás dessas medidas, que buscam se localizar na contramão do bolsonarismo que odeia os trabalhadores, mulheres, negros, indígenas e LGBTs, e na defesa democrática da universidade, é preciso entender: de onde veio o suposto “progressismo” da reitoria Knóbel e até onde ele vai? É aliado à luta do movimento estudantil, das mulheres, negros, indígenas, LGBTs e dos trabalhadores na universidade?

Com negros e negras à frente, foi a luta dos estudantes que arrancou as cotas

Voltemos a 2016, ano do golpe institucional e no qual estudantes, junto aos trabalhadores, protagonizaram a maior greve da história da Unicamp e uma ocupação da reitoria, em um dos bastiões do racismo no estado de São Paulo, que se expressava no atraso em relação a ainda não ter adotado a política de cotas, e nos cortes milionários da reitoria Tadeu Jorge. A força do movimento estudantil, com negras e negros à frente, pautou o enfrentamento ao racismo, fazendo a burocracia universitária da Unicamp de elite tremer, estampando capas de jornal e arrancando a promessa das 600 vagas da Moradia Estudantil, além de Audiências Públicas que pautariam o tema das cotas. É preciso ter nítido: mesmo que Knóbel tente se apropriar de um projeto de “inclusão e diversidade”, se não fosse a força da luta do movimento estudantil, a Unicamp ainda seria um símbolo do atraso racista diante da política de cotas.

Já em meio à greve e a um profundo debate de estratégias no próprio movimento estudantil e negro, teve início a política de perseguição das direções de Institutos e Faculdades, avalizadas pela reitoria, com abertura de dezenas de punições e processos judiciais. Em meio aos desdobramentos desse conflito, Knobel assumiu como reitor: comprimido entre a necessidade de pacificar o movimento estudantil, que havia lutado massivamente e imposto a pauta das cotas, incorporando o discurso da democratização da universidade, e saciar os interesses de uma burocracia acadêmica privatista e escravocrata, sedenta pela punição e repressão. Expressões como a declaração do professor da Faculdade de Ciências Médicas Paulo Palma, citando Trump e dizendo que a Unicamp estaria se tornando uma “Escola Estadual”, com as cotas, demonstram o racismo de setores dessa burocracia herdeira da burguesia escravista no Brasil.

A reitoria “da diversidade” pune, ataca os trabalhadores e abre espaço para empresas

Knóbel então procura falar a ambos: para o movimento estudantil tenta ganhar posições de que seria o reitor que poderia defender as cotas e ironicamente apresenta o projeto ao CONSU como seu, aprovado ali unanimemente. Aos setores da burocracia raivosa, afirma que das punições não abriria mão e até hoje segue com processos aos estudantes que lutaram em 2016 na greve que justamente conquistou cotas, sendo vários deles estudantes negros. Aos trabalhadores da Unicamp, somente mão de ferro, aprovando pacote de ajustes, enfrentando a greve de 2018 com corte de salários e precarizando as condições de trabalho no Hospital que atende à população e na universidade de conjunto.

Certamente a eleição de Bolsonaro, herdeiro do golpe institucional e das eleições mais manipuladas na história do país pelo Judiciário golpista, agudiza a necessidade de um projeto alternativo da reitoria, uma vez que ameaça a existência de setores da própria burocracia acadêmica e suas pesquisas, sendo a Unicamp uma proposta que tenta se colocar como alternativa nacionalmente. Não à toa, a reitoria se dispôs, em meio à censura ao movimento estudantil que se deu durante as eleições, a “subsidiar o STF”, pilar do autoritarismo judiciário e da prisão arbitrária de Lula, sobre a livre manifestação de ideias nas universidades.

É neste cenário que agora os ingressantes que furaram o filtro social e racial do vestibular ou ingressaram graças à conquista arrancada das cotas e do vestibular indígena já começam a sentir na pele as contradições da Unicamp da “inclusão e diversidade”. Na realidade, é a Unicamp em que na semana passada uma mulher trans negra foi absurdamente agredida pelos guardas patrimoniais, em que estudantes pobres, quando conseguem as bolsas enfrentando o difícil processo seletivo do SAE, ainda têm que se amontoar na moradia superlotada de onde as 600 vagas conquistadas nunca se efetivaram, e as estudantes mães não têm com quem deixar seus filhos para estudar, já que a creche não tem vagas noturnas e de acordo com a demanda e chegam a serem expulsas das salas com seus filhos. É a Unicamp onde o Intercamp das 23h, que fazia o trajeto entre os campi Campinas e Limeira, foi cortado, e a limpeza e manutenção, assim como o Restaurante Universitário, seguem funcionando com trabalho precário, mal-remunerado e que busca impedir a organização coletiva, com a terceirização. Esta que não considera os trabalhadores terceirizados, em sua maioria mulheres negras, como trabalhadores da Unicamp. É a Unicamp onde os currículos e debates em sala de aula estão questionados pela ótica de quem é sistematicamente impedido de produzir conhecimento.

A última sessão do Conselho Universitário foi emblemática nesse sentido. Votando alterações no regimento disciplinar, herdeiro da ditadura militar, em um Conselho Universitário que reúne a casta privilegiada à frente da universidade e onde estudantes e trabalhadores não têm voz, sendo 30% do peso decisório juntos como completa inversão da realidade, a reitoria e mesmo setores do DCE comemoram que a Unicamp teria adentrado ao regime de 88 - este que está em xeque pelas transformações à direita no regime político brasileiro. Ignoram tanto o ausente de qualquer debate verdadeiramente democrático com a comunidade acadêmica, numa votação chamada às pressas para que o Estatuto não fosse questionado de conjunto e assim mascarando o autoritarismo de sua estrutura de poder, quanto artigos mantidos que fazem referência ao combate à “insubordinação”, abrindo espaço a futuras punições arbitrárias.

Isso na mesma sessão em que se aprovou o programa “Parceiros da Unicamp”, que regulamenta que empresas possam “colaborar” com a universidade, sendo Knóbel apoiador da proposta liberal dos fundos patrimoniais de Bolsonaro. Essa proposta, sancionada em 8 de janeiro em lei, permite a órgãos públicos fazerem parcerias e executarem projetos com organizações privadas gestoras de fundos patrimoniais, com o objetivo de arrecadar doações de pessoas físicas e jurídicas para programas e projetos nas áreas da educação, cultura, ciência, tecnologia, pesquisa, saúde, assistência social e outras, o que abre caminho às privatizações que Bolsonaro e Guedes tanto pretendem. No próprio site da Unicamp, sobre a aprovação do programa: “‘esse tipo de contribuição já era possível, mas consideramos que era necessário organizar melhor os procedimentos, de modo a facilitar novas colaborações’, afirmou Knobel. De acordo com a resolução, o apoio pode ocorrer na forma de doação de recursos financeiros e de bens móveis ou imóveis ou empréstimos de bens móveis e imóveis. Outra possibilidade é a execução direta de serviços, construção ou reforma de prédios, salas ou laboratórios.”

Mais do que nunca, o projeto neoliberal de universidade que Knóbel busca encabeçar como resposta a Bolsonaro e Dória, por um lado, e aos anseios da juventude que, com os setores oprimidos à frente, avançou contra o racismo e o elitismo da Unicamp, por outro, escancara suas contradições. Isso porque é impossível conciliar a privatização e os ataques aos trabalhadores e aos estudantes pobres, assumindo o discurso da crise e dando seguimento aos cortes milionários, e ao mesmo tempo a defesa embandeirada da universidade. É impossível ceder à burocracia acadêmica universitária e se colocar como porta-voz das mulheres, dos negros, LGBTs e do movimento estudantil.

Não há dúvidas de que o projeto que Bolsonaro apresenta à educação de conjunto e às universidades é radical: militarização, Escola sem Partido, cobrança de mensalidades nas universidades, Lava Jato da Educação, censura à autonomia universitária nas federais. Bolsonaro tenta a todo instante pintar as universidades como um berço dos militantes de esquerda, onde as entidades estudantis são “ninhos de rato”, para que sejam isoladas e condenadas pela população. Mas é preciso entender: esse discurso se fortaleceu na medida em que as universidades foram historicamente apartadas das necessidades da classe trabalhadora e do povo pobre, que têm seus filhos barrados pelo vestibular que segue deixando mais de 70 mil de fora somente na Unicamp e cujos conhecimentos servem à produção de patente das empresas. Projeto de universidade esse a que o programa para a educação levado adiante pelos governos do PT não foi contraponto, aprofundando o processo de privatização com os monopólios privados de educação e assim abrindo espaço para setores que se fortaleceram com o golpismo e a extrema direita.

Quem pode se contrapor ao projeto radical de Bolsonaro?

O único projeto que pode responder à altura é o que se liga às necessidades dos trabalhadores, do povo pobre e negro, a quem Bolsonaro, Dória e Moro reservam ainda mais repressão e violência, dos indígenas historicamente espoliados e que estão sendo cada vez mais removidos de suas terras. Portanto, não é a universidade que Knobel defende, que “encerrou 2018 com 22 novas licenças de exploração da sua propriedade intelectual para empresas”, como diz o site do Inova (a agência da Unicamp que vende seu conhecimento aos lucros da iniciativa), que possui convênio com a Vale que afundou Brumadinho em lama, enquanto a população de Campinas vê a Unicamp apenas como um hospital cada dia mais precário. É preciso resgatar um movimento estudantil que ouse se ligar aos trabalhadores e à imensa maioria da juventude excluída da universidade para erguer sua resposta radical a Bolsonaro, à extrema direita e ao golpismo. Com a entrada de mais estudantes negros e indígenas graças à conquista arrancada das cotas, o movimento estudantil pode ser ainda mais potente.

É com essa perspectiva que nós, do grupo de mulheres Pão e Rosas e da juventude Faísca, atuamos na greve de 2016, hoje compomos a gestão minoritária do Centro Acadêmico de Ciências Humanas e somos parte da gestão do Centro Acadêmico de Pedagogia Marielle Franco. A partir do CAP, organizamos um bloco de estudantes no dia 14 de Março exigindo justiça a Marielle Franco e desde nossa gestão minoritária do CACH organizamos a ida dos estudantes ao AEL, como parte de retomar a história de luta do movimento estudantil e dos trabalhadores e repudiar as comemorações ao golpe de 64 por Bolsonaro. Defendemos que a energia da juventude que já se mostrou na força do movimento estudantil historicamente e que na Unicamp arrancou cotas deve unificar forças com os trabalhadores da universidade, efetivos e terceirizados, de maneira independente da reitoria e avançando para questionar seu projeto de universidade de conjunto, como parte de construir uma potente resposta a Bolsonaro.

Para isso, teria sido importante, como viemos chamando desde o Esquerda Diário e da juventude Faísca, que o DCE da Unicamp organizasse desde o início do ano um Congresso estudantil, que não ocorre há 4 anos na Unicamp, com objetivo de reunir representantes dos mais diversos cursos da universidade para que pudéssemos debater como e com qual programa nos organizar, com os estudantes negros, indígenas e com as jovens mulheres que têm se mostrado como força imparável internacionalmente à frente.

É necessário que movimento estudantil se coloque pela revogação de todas as punições e que queira enfrentar toda a estrutura de poder da universidade, lutando por uma Estatuinte Livre, Soberana e democrática que questione o Estatuto da Unicamp de conjunto, podendo assim combater as próprias instâncias em que as decisões são tomadas e levantar o fim da reitoria e do Conselho Universitário. A Unicamp deve ser gerida por estudantes, trabalhadores e professores de acordo com seu peso real para que possa estar verdadeiramente a serviço dos interesses da classe trabalhadora e do povo pobre, e não das empresas, para que não tenha vestibular e para que nenhum estudante tenha que pagar para estudar - sendo necessário, assim, lutar pelo fim do vestibular e pela estatização das universidades privadas -, com bolsas-estudo e vagas na moradia de acordo com a demanda.

Em ano de Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), como parte de se contrapor ao projeto do governo à educação, é necessário que estudantes, trabalhadores e professores da universidade se coloquem na trincheira que quer se ligar aos que estão fora da Unicamp para enfrentar a Reforma da Previdência, anunciada como “centro de gravidade” do governo e dos capitalistas para que trabalhemos até morrer, e uma batalha que, se vencida, fortalece a luta contra todos os ataques. Os estudantes da Unicamp devem ser exemplo às burocracias estudantis encabeçadas pelas juventudes do PT e PCdoB que hoje servem para tornar a União Nacional dos Estudantes (UNE) inofensiva, não organizando nenhum plano de lutas sério. O DCE da Unicamp, dirigido pelo PSOL, poderia ser uma ferramenta de luta e um exemplo nacional da vontade dos estudantes em se contrapor à extrema direita. No entanto, a estratégia e o programa que tem levado adiante esse partido faz com que cubram pela esquerda o imobilismo da UNE em nome de uma estratégia unicamente parlamentar e depositem esperança na burocracia acadêmica e na reitoria, que são incapazes de defender nossos interesses frente a Bolsonaro.

Pelo contrário, por isso é necessário que se organize o processo de eleição de delegados ao CONUNE, que deve ser encabeçado pelo DCE, da forma mais democrática e ampla possível, para que os estudantes sejam parte do processo e possam decidir as políticas a serem defendidas nesse espaço. Essa é nossa perspectiva e chamamos cada estudante a batalhar por uma força anti-burocrática que queira subverter a universidade em nome dos interesses dos trabalhadores e do povo pobre contra Bolsonaro, a Reforma da Previdência e por justiça a Marielle no CONUNE junto ao Pão e Rosas e à Faísca e que siga levantando a necessidade de organização do Congresso estudantil na Unicamp.




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