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Demissão em massa | Ataque à saúde: é preciso lutar pela efetivação imediata dos trabalhadores da saúde demitidos em Niterói

Ao longo das últimas semanas de março, começa a se efetivar a implantação da gestão da Fundação Estatal de Saúde sobre parte da rede de saúde municipal de Niterói. Já há mais de meia década sendo elaborado, o projeto é marcado pela demissão em massa de milhares de trabalhadores da saúde, que suportaram por décadas descaso, falta de verbas e contratos precários por parte da prefeitura. Diante do enorme ataque representado por essas demissões, para garantir o emprego e o atendimento à população, é preciso uma luta pela efetivação imediata dos demitidos!

quarta-feira 30 de março de 2022 | Edição do dia

Desde a metade deste mês de março, caminha a passos largos a tomada da gestão do Programa Médico da Família, bem como de parte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), pela Fundação Estatal de Saúde de Niterói (FeSaúde). Para os atuais trabalhadores desses pontos centrais da atenção básica à saúde no município, o processo representa um último e mais grave ataque, que coroa uma longa história de descaso. Equipes inteiras, e todos os módulos de Saúde da Família, bem como nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), várias com trabalhadores presentes há décadas, muitos desde o início dos programas, estão sendo postos na rua - e isso após trabalharem por décadas com contratos precários e sem praticamente qualquer direito.

O Programa Médico da Família teve início em Niterói antes de sua existência no Brasil enquanto política a nível nacional. Iniciado nos anos 90, em uma parceria da prefeitura com o governo cubano, o foco do programa é a inserção nos territórios, e o acompanhamento da saúde básica com foco na prevenção e promoção de saúde . As condições de trabalho no programa, no entanto, nunca foram boas. Inicialmente, a contratação de profissionais era “terceirizada” às associações de moradores das áreas assistidas por cada unidade. Uma política que, por um lado, vai ao encontro da lógica de territorialização do atendimento e de vínculo com a população, mas por outra serviu para isentar a prefeitura da necessidade de manter qualquer vínculo com esse milhares de trabalhadores, que serviam essencialmente como trabalhadores de segunda categoria, terceirizados pela Fundação Municipal de Saúde, o braço da Secretaria de Saúde que gerencia a saúde do município.

Na saúde mental, uma situação semelhante se dá. A rede de atenção psicossocial de Niterói é historicamente deficitária, contando com muito menos CAPS do que a lei aponta necessário, de acordo com a população do município, e uma lógica de atendimento exacerbadamente dependente da hospitalização, e em especial do Hospital Psiquiátrico (antigo hospício) de Jurujuba, que segue até hoje funcionando, na contramão da lógica da Reforma Psiquiátrica. Além disso, em um processo similar ao PMF, praticamente toda a rede contava desde seu início com contratações precarizadas, sem qualquer garantia ou direitos trabalhistas.

Posteriormente, a situação é ainda mais precarizada, com os contratos das PMFs passando a se dar por meio de contratos RPA (Recibo de Pagamento Autônomo). Essa modalidade é prevista para contratação temporária em caso de doença e licença dos trabalhadores - não possuindo, portanto, qualquer vínculo trabalhista nem assegurando qualquer direito - contudo, muitos profissionais da saúde de Niterói foram mantidos por anos nesse regime.
Essa forma de contratação, além de completamente tênue e instável, serviu para manter os trabalhadores das PMFs e da RAPS segregados como funcionários de segunda categoria. De fato, os atuais trabalhadores das PMFs seguem nesse momento exigindo os abonos salariais relativos aos adicionais pagos pela prefeitura a todos os trabalhadores essenciais durante a pandemia, menos a eles, mesmo durante o pico da pandemia de covid-19, frente à qual foram linha de frente.

Por décadas, trabalhadores da saúde, tanto efetivos como contratados precariamente denunciaram as péssimas condições de trabalho e os absurdos da contratação sem direitos na saúde básica e na RAPS. Se soma a isso uma crescente pressão do Ministério Público do Trabalho sobre a prefeitura para que regularizasse a situação contratual dos trabalhadores. A resposta da prefeitura será iniciar o processo de criação da FeSaúde, uma fundação pública de direito privado, para a qual a prefeitura pode repassar a gestão das partes da rede de saúde onde estão os contratos criticados pela MP, sem a necessidade de contratar funcionários públicos. Desta forma, a rede básica é dividida em duas, com a gestão de tudo menos dos PMFs seguindo nas mãos da FMS, e os PMFs indo para a FeSaúde, para a qual a prefeitura repassa verbas por meio de um contrato de gestão. O mesmo ocorre na saúde mental, na qual os CAPS passam para a Fundação, mas a rede hospitalar - incluindo o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba - segue com o Município. O processo de admissão da FeSaúde, originalmente marcado para o início de 2020, acabou sendo adiado por conta da pandemia, sendo a prova e subsequente contratação apenas no final de 2021.

Após quase 30 anos desrespeitando flagrantemente os direitos trabalhistas dos profissionais da linha de frente da saúde básica e da atenção psicossocial, a saída da prefeitura para o escrutínio que sofre foi não de garantir condições dignas de contratação e trabalho, mas atirar na rua, sem pagamento de quaisquer direitos, os profissionais que contruíram, em muitos casos por décadas, partes centrais da rede municipal de saúde.

Esses contratados são trabalhadores que serviram em postos rotineiramente precarizados, com situações crônicas de falta de pessoal, medicamentos e reparos estruturais, lidando com situações de grave precarização, que denunciam só terem se agravado desde o início da pandemia e a transição para a gestão da FeSaúde, com faltas de medicamentos que se arrastam por meses, sem qualquer previsão de reabastecimento e mesmo reparos simples, como trocas de lâmpadas, simplesmente deixando inteiramente de serem feitos, levando a consultórios e salas de espera sem luz, ar-condicionado, ventiladores, etc. Cumpriram historicamente um papel importantíssimo na saúde básica da população de Niterói, em especial nas comunidades, estando igualmente na linha de frente do enfrentamento às piores crises sanitárias das últimas décadas - muitos dos trabalhadores sendo hoje mandados para a rua não só trabalharam durante a pandemia de Covid-19, distribuindo kits de higiene, máscaras, vacinando a população, etc, como estavam presentes durante as epidemias de dengue, febre amarela, zika, chikungunya, gripe suína, e tantas outras que atingiram de forma especialmente grave a classe trabalhadora e o conjunto da população pobre, além de tratarem cotidianamente dos problemas endêmicos que acometem os trabalhadores, como a tuberculose.

A contratação para a FeSaúde se deu por concurso público - mesmo que os contratados não sejam funcionários estatutários, e sim empregados públicos com CLT - e apesar dos graves problemas de falta de pessoal em praticamente todas as unidades, não são para suplementar o grave déficit na saúde básica, mas para substituir os trabalhadores presentes. Vários relatam, ainda como as provas - tanto para médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, etc - davam pouca ênfase ao que é efetivamente exercido no cargo, levando grande parte desses trabalhadores que há décadas provam diariamente, na prática, serem capazes de exercer suas funções não conseguissem seguir em suas vagas, dando lugar a concursados que, em sua maioria, não tem qualquer experiência na área, sobre os quais será colocada a responsabilidade de seguir o trabalho em equipes por vezes inteiramente novas e inexperientes, em grande parte sem qualquer vínculo com a comunidade na qual vão trabalhar. Muitos trabalhadores denunciam a dificuldade de estudar para um concurso que, apesar de ser para o mesmo cargo que já exercem, cobra muito pouco do conhecimento que de fato usam e construíram ao longo de décadas de experiência, ao mesmo tempo que precisaram seguir trabalhando em condições precárias, fazendo o trabalho que seria de dois ou três pessoas, e lutando na linha de frente contra a pandemia. Apontam, ainda, as falhas flagrantes no processo, com muitos aprovados no concurso, por não serem da cidade, não quererem trabalhar nas áreas para as quais foram mandados, ou simplesmente por terem conseguido vagas melhores em outros concursos, sequer tomaram posse, deixando vários postos sem lotação, além da hipocrisia da prefeitura, que decidiu por prolongar exclusivamente os contratos temporários dos médicos, enquanto demite o resto das equipes, por sequer terem conseguido aprovados o suficiente para o cargo no concurso.

Eis a situação à qual são submetidos os trabalhadores da saúde em Niterói, pelas gestões ditas “progressistas” do PDT (do atual prefeito, Axel Grael), bem como do PT e PV, das prefeituras anteriores, que hoje, juntos também com o PSB de Freixo, a REDE e o PCdoB, formam a coligação do governo junto a partidos burgueses e direitistas como Solidariedade, Cidadania, PP, Patriota, Avante, MDB, PRTB e inclusive o PL, partido de Bolsonaro (!). Essa mesma lógica, que atacas os direitos dos trabalhadores e precariza a saúde, típica da direita reacionária com a qual Grael se alia, é o que leva a que na parte da rede gerida pela FMS, igualmente se multipliquem as privatizações de hospitais a as contratações precarizadas. A luta contra o imenso ataque à saúde pública e aos trabalhadores representado pelas demissões em massa nas PMFs e CAPS deve ser por uma saída pela esquerda, que garanta o emprego e direitos dos trabalhadores atuais da atenção básica e da RAPS, bem como o suprimento das vagas que há anos formam o déficit de pessoal na saúde do município, e fortaleçam as redes, garantindo o orçamento, os insumos, e as condições de trabalho!

Os trabalhadores da saúde demitidos estão hoje em luta contra desse absurdo, tendo protagonizado vários atos em frente à prefeitura e à Câmara Municipal nessas últimas semanas. Levantam pautas importantes frente ao descaso da prefeitura, como o pagamento do "abono covid", que lhes foi negado ao longo da pandemia, além do estabelecimento de uma tabela salarial, pauta histórica da saúde de Niterói, e a garantia do emprego. Diante deste momento de mobilização da saúde, é necessário um programa à altura de defender os empregos e garantir os direitos dos trabalhadores precarizados e uma saúde de qualidade para a população!

Nós, do Esquerda Diário, historicamente levantamos em escolas, universidades e locais de trabalho por todo o país, frente à precarização do trabalho e ataques aos direitos, a bandeira da incorporação dos trabalhadores terceirizados sem necessidade de que passem por concurso público. O caso da FeSaúde é uma prova cabal do significado desta consigna, e da urgência que o conjunto das organizações da classe trabalhadora e da vanguarda se apropriem dela. Os trabalhadores atuais dos PMFs e da RAPS não precisam provar a ninguém que sabem fazer seus empregos. Provam na prática todos os dias, e o tem feito por décadas! Igualmente, esses trabalhadores, muitos dos quais moradores dos territórios que atendem, e conhecidos pela população muitas vezes há mais de uma geração, possuem um vínculo com a população que é imprescindível tanto à estratégia de Saúde da Família como à atenção psicossocial. Seu trabalho já é prova de que devem seguir em seus postos, e a precariedade de seus contratos, que permite sua demissão injustificada e sem qualquer direito não é mais do que mostra do desprezo e desrespeito que o município e as sucessivas gestões têm com esses profissionais. Com o concurso, inúmeros trabalhadores mais chegam à rede.Ao invés de substituir os antigos, sua entrada pode ser usada para suprir a urgente falta de pessoal nas unidades e para expandir o atendimento à população, ao mesmo tempo que tira peso das rotinas de trabalho exaustivas dos trabalhadores da saúde!

Contra as demissões e a precarização, é urgente a conformação de uma forte luta, de trabalhadores antigos e novos, pela efetivação imediata de todos os contratados precariamente, pela expansão do PMF e da RAPS, e contra a divisão da rede municipal de saúde, feita em detrimento da população pelo interesse da prefeitura de não contratar servidores!

Nenhuma família na rua! Pela efetivação imediata e sem concurso dos trabalhadores contratados da saúde!

Contra a divisão da saúde, por um SUS 100% estatal, sob gestão dos próprios trabalhadores e controle da população!

Basta de precarização! Pelo pagamento imediato do abono covid, bem como todos os benefícios e direitos plenos aos trabalhadores e o estabelecimento de uma tabela salarial!




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