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MEMÓRIA | Assassinato dos ativistas ambientais Zé Cláudio e Maria completa dez anos e segue impune

A formação do capitalismo no Brasil é baseada na pilhagem dos recursos naturais e a forte repressão contra quem tenta protegê-los. O assassinato prenunciado do casal Zé Cláudio e Maria é um marco contemporâneo de como se atualiza o colonialismo latifundiário e escravocrata que é a estrutura brasileira. Dez anos depois, a violência contra trabalhadores do campo só aumentou e hoje ganha amplo apoio do poder executivo. O mandante do crime continua solto.

segunda-feira 24 de maio de 2021 | Edição do dia

Em novembro de 2010 o ativista ambiental José Cláudio Ribeiro subia ao palco da plataforma TEDxAmazônia para denunciar a violência de mercenários contra defensores da floresta na região norte do Brasil. Alertou explicitamente sobre a alta probabilidade de que seria assassinado pelos capangas de madeireiros que promovem o desmatamento no estado do Pará. E foi o que aconteceu seis meses depois. Zé Cláudio (52 anos) e a companheira Maria do Espírito Santo (51) foram executados a tiros em 24 de maio de 2011 no assentamento do Projeto Agroextrativista Praialta Piranheira, em Nova Ipixuna.

Na palestra do TED, Zé Cláudio afirmou que a chegada de madeireiros em Nova Ipixuna é “um desastre para quem vive do extrativismo como eu, que sou castanheiro desde os sete anos de idade. Eu vivo da floresta, protejo ela de todo jeito e, por isso, eu vivo com uma bala na cabeça a qualquer hora. Por que eu vou pra cima, denuncio madeireiros e carvoeiros. Por isso eles acham que não posso existir. A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes, querem fazer comigo. A mesma coisa que fizeram com a irmã Dorothy, querem fazer comigo. Estou hoje aqui conversando com vocês, mas daqui a um mês podem receber a notícia de que eu desapareci”. O casal estava no rol de ambientalistas ameaçados de morte desde 2008.

Em agosto de 2011, a família de Zé Cláudio sofre um novo atentado. A única pessoa que estava presente na casa alvejada era o cunhado, que não se feriu, mas o ataque vitimou um dos cachorros de estimação.

Mosaico feito pelos manifestantes em protesto por justiça (Foto: Fabíola Ortiz)

Em 2013 ocorreu o julgamento do assassinato de Maria do Espírito e José Cláudio Ribeiro. A sessão do Fórum Cível de Marabá foi acompanhada por familiares e representantes de movimentos sociais, mas com proibição de qualquer tipo de gravação e registro de imagem, além de ser fechado para a imprensa.
Alberto Nascimento e Lindonjohnson Silva condenados e presos por puxarem o gatilho. Mas o mandante do crime é o latifundiário José Rodrigues Moreira, que havia comprado de forma ilegal dois lotes no assentamento e estava expulsando os moradores locais. Ele foi simplesmente absolvido pelo juiz, que inclusive culpou as vítimas pelo risco da ação de defesa florestal e argumentou que o comportamento do casal teria estimulado seus algozes.

Faixa com pedido de punição e justiça em frente ao Fórum de Marabá em 2013 durante o julgamento (Foto @Piravileva/Midia Ninja)

A decisão do juiz em condenar somente os executores e livrar o mentor do crime decepcionou a família das vítimas; Claudelice, irmã de Zé Cláudio, declarou na época que "Foi como se José Cláudio e Maria fossem assassinados pela segunda vez" e Laísa Santos Sampaio, irmã de Maria, não teve estômago para comentar o veredicto.

Protesto por justiça à Zé Cláudio e Maria em frente o Fórum de Marabá durante o julgamento em 2013 (Foto @Piravileva/Midia Ninja)

Segundo o portal Overmundo, o depoimento de Laísa “foi incisiva ao citar diretamente o nome de José Rodrigues como o principal suspeito de ter ordenado o assassinato do casal. Após depor, ela afirmou à imprensa que continua sendo ameaçada de morte, e que nos últimos dias antes do início do julgamento vinha recebendo ligações de desconhecidos tentando reprimir suas declarações, avisando-a que tomasse cuidado com o que fosse falar em júri”. Laísa também afirmou que "Eu não tive medo de vir depor, tenho medo da volta".

A decisão do julgamento foi anulada após a ação de movimentos sociais que fechou a BR Transamazônica e a entidade Comissão Pastoral da Terra entrar com um recurso. Em dezembro de 2016 o 6º Tribunal do Juri de Belém condenou o latifundiário a 60 anos de prisão, mas o novo julgamento ocorreu sem a presença do réu, que está foragido desde então. E a “Justiça” do Pará nem se esforça para descobrir seu refúgio.

Protesto de intervenção na BR Transamazônica contra a decisão que inocentou o mentor do crime em 2013 (Foto @Piravileva/Midia Ninja)

A irmã de Zé Cláudio cedeu entrevista ao canal De Olho nos Ruralistas e afirmou que várias denúncias sobre o paradeiro de Lindonjohnson [1] e José Rodrigues Moreira: “a gente faz as denúncias falando que eles estão em tal lugar, se vocês forem agora lá vão prender eles e mesmo assim a gente não tem resultado nenhum. [...] Eles circulam livremente em Nova Ipixuna e em Marabá e simplesmente não são presos.”

O caso de Zé Cláudio e Maria é um sintoma de como funciona o predatismo capitalista no Brasil profundo. Da pistolagem à concentração de terra, da destruição dos recursos naturais à corrupção dos órgãos de justiça do Estado. Antes e depois deles a violência para garantir a hierarquia dos grandes proprietários é incalculável e nunca foi mera exceção [2].

Claudelice, irmã de Zé Claudio, durante o julgamento em 2013 (Foto: Marizilda Cruppe)

A história mostra que não é possível fazer justiça através dos mecanismos do sistema que nos submete ao lucro dos poderosos. Qualquer esperança de alcançar a reforma agrária e a paz no campo por vias convencionais foi esquecida pelos governos petistas e sepultada por Bolsonaro e a boiada de Ricardo Salles. A única justiça possível é a via da aliança entre trabalhadores do campo e da cidade capaz de elevar uma nova sociedade que harmonize natureza e trabalho, campo e cidade, socialização política e planejamento econômico com garantia de terra e crédito à agricultura familiar e ao pequeno produtor.

Veja também: Contra o rastro de desmatamento e escravidão do Agronegócio: Reforma Agrária e Constituinte!

“Quando vejo os caminhões cheios de árvores indo para a serraria me dá uma dor. Para mim é como se estivesse vendo o cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem. Porque é vida... é vida pra mim que vivo na floresta, é vida para todos vocês que vivem nos centros urbanos, pois ela purifica o ar e está dando retorno para nós. Mas aí vem o desmonte de um grupinho de gente que só pensa no capital, só pensam neles mesmos, não nas futuras gerações e em mais nada”
Zé Cláudio

Fotografia do jornalista Felipe Milanez

Notas de Rodapé:

1 Essa entrevista é de 2016. Lindonjohnson havia fugido pela porta da frente do presídio no ano anterior e só foi recapturado em agosto de 2020. Mas José Rodrigues de fato continua impune
2 Basta lembrar que na véspera de completar sete anos ocorreu também no Pará o massacre do Pau D’arco que ainda segue impune


[1Essa entrevista é de 2016. Lindonjohnson havia fugido pela porta da frente do presídio no ano anterior e só foi recapturado em agosto de 2020. Mas José Rodrigues de fato continua impune

[2Basta lembrar que na véspera de completar sete anos ocorreu também no Pará o massacre do Pau D’arco que ainda segue impune





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