×

TRABALHO FEMININO ARGENTINA | Argentina: Trabalho doméstico, feminino e não remunerado

As tarefas domésticas seguem recaindo majoritariamente sobre as mulheres e as crianças. Esta desigualdade não se baseia, unicamente, na boa ou má vontade dos companheiros e membros masculinos do lar, ou em discriminação de gênero em geral.

Celeste MurilloArgentina | @rompe_teclas

quarta-feira 17 de junho de 2015 | 00:39

É politicamente correto dizer hoje que as tarefas domésticas se repartam igualmente entre os membros do lar. Longe daquela imagem de dona de casa que esperava seu marido depois de uma jornada de trabalho fora de casa, hoje mulheres e homens assalariados participam quase na mesma proporção no mercado de trabalho. No entanto, não ocorre o mesmo com as tarefas domésticas, que seguem recaindo majoritariamente sobre as mulheres e as crianças. Esta desigualdade não se baseia, unicamente, na boa ou má vontade dos companheiros e membros masculinos do lar, ou em discriminação de gênero em geral.

Ao contrário, o trabalho doméstico, que realizam majoritariamente as mulheres e de forma gratuita, contém todas as tarefas necessárias para a reprodução da força de trabalho e é um dos pontos de apoio dos lucros capitalistas. Ainda que essa reprodução da força de trabalho está intimamente ligada à esfera da produção, se apresenta de modo completamente isolada, e ao realizar-se em âmbito “privado” do lar, se reforçam assim, as naturalizações que a fazem invisível e os preconceitos que a converte em “tarefas de mulheres”.

Na América Latina, segundo a OIT, 29% das crianças/adolescentes entre 5 e 14 anos realizam tarefas domésticas em suas casas (aproximadamente 15% dos meninos). Essa diferença é de 20% na faixa de 15 a 17 anos, e ao mesmo tempo, as adolescentes gastam mais horas em média nas tarefas domésticas não remuneradas [1]. Isto não só reduz o tempo vago e afeta o desempenho escolar de crianças e adolescentes, mas também “treina” socialmente as mulheres nas tarefas do lar, o cuidado de crianças menores [2] etc.

Na Argentina, o INDEC realiza a pesquisa sobre trabalho não remunerado e uso do tempo como parte da pesquisa anual de casas urbanas (sigla em espanhol, EAHU). Segundo os últimos resultados de 2013, a participação total dos homens no trabalho doméstico não remunerado era de 24% e das mulheres alcançava 76%. Esse trabalho compreende tarefas domésticas, apoio escolar e trabalho de cuidados (cuidado de menores e pessoas dependentes ou doentes).

Além da diferença de participação, se compararmos a média de horas que se dedicam ao trabalho doméstico não remunerado a diferença é ainda maior. Se consideramos as tarefas domésticas em geral, os homens dedicam em média 2 horas diárias nesse trabalho, enquanto as mulheres dedicam 5,7 (quase o triplo). Ao destrinchar as tarefas, vemos que as mulheres dedicam 3,4 horas diárias nas tarefas (limpeza, roupa, alimentos); 1,9 no cuidado de pessoas e 0,4 no apoio escolar. Os homens dedicam um tempo sensivelmente menor a essas tarefas: 1,2 horas diárias em limpeza, roupa, alimentos, 0,1 ao apoio escolar e 2,0 ao cuidado de pessoas.

Dupla jornada de trabalho

Ao considerar o crescimento da participação feminina no mercado de trabalho, como citamos antes, se as mulheres não deixaram de realizar as tarefas domésticas, o resultado direto para elas é uma dupla jornada de trabalho. Mas não é o único. O fato de que estas tarefas imprescindíveis para a reprodução da força de trabalho [3] recaíam majoritariamente sobre as mulheres afeta as condições nas quais se incorporam ao mercado trabalho formal (a necessidade de buscar trabalhos de menor carga, flexibilidade horária, entre outros).

Estas consequências não atuam da mesma maneira sobre todas as mulheres, ainda que todas elas se enfrentaram com muitos tipos de discriminação, e todas – salvo talvez uma pequena minoria – se veem afetadas de alguma forma pela dupla jornada de trabalho, porque sobre elas recaem as tarefas da casa e a criação das crianças, por exemplo. São interessantes algumas reflexões de Eleonor Faur em O cuidado infantil no século XXI sobre o tempo que destinam as mulheres ao cuidado infantil segundo sua renda.

A autora sugere uma espécie de círculo vicioso onde as mulheres de lares pobres destinam mais tempo ao cuidado infantil (porque não têm mais opções, porque não têm empregos), e isto afeta a possibilidade de conseguir um emprego formal, educação, entre outros. E ainda considera as decisões e escolhas pessoais, assinala acertadamente que todas as decisões se realizam em um marco concreto social e econômico [4].

Por sua vez, a crescente participação das mulheres em vários setores econômicos faz sentir com mais força demandas consideradas “femininas”, que hoje afetam quase a metade da classe trabalhadora. Isto coloca com mais frequência debates no interior das organizações operárias e nos lugares de trabalho, especialmente quando estão cruzados por crises, conflitos sindicais e políticos. E tem colocado ao longo de várias décadas uma profunda discussão entre correntes feministas e de esquerda.

Ativistas feministas como Selma James [5] (autora de Sexo, raça e classe) defendem que o fato de conquistar um salário para o trabalho doméstico daria ao capitalismo um nocaute, ao deixar às claras sua dependência dessa enorme massa de trabalho não remunerado. No marxismo, existem várias posições que vão desde a defesa geral de reconhecer o valor gerado pelo trabalho doméstico, até a necessidade da socialização dessas tarefas.

O debate segue aberto, mas o certo é que o desenvolvimento técnico tem aproximado o horizonte da realização de quase todas as tarefas domésticas de forma socializada e eficiente. Isso liberaria milhões de mulheres de horas e horas de trabalho não remunerado realizado em solidão, sem horário fixo, sem direitos sindicais nem aposentadoria, e que só tem perpetuado a desigualdade das mulheres no capitalismo.

Notas:

[1] Em 2009, a OIT – Organização Internacional do Trabalho, impulsionou uma campanha chamada “Demos uma oportunidade às meninas”. Neste marco, publicou o estudo referido sobre a participação de meninas, meninos e adolescentes nas tarefas domésticas. Ver em: http://www.ilo.org/ipecinfo/product/viewProduct.do?productId=10293
[2] Para uma análise concreta, ver Romina D. Cutuli, Flexibilidad empresarial y organización del trabajo doméstico: el trabajo invisible de las hijas de las fileteras en Mar del Plata (1991-2008), IX Congresso Nacional de Estudos do Trabalho.
[3] Excede esta breve análise o problema da reprodução da vida que é um fator central na participação das mulheres no mercado de trabalho.
[4] Ver “Mulheres malabaristas”, Eleonor Faur, o cuidado infantil no século XXI, Buenos Aires, Século XXI Editores, 2014.
[5] Selma James impulsiona uma das principais campanhas internacionais pelo reconhecimento do salário ao trabalho doméstico, conhecida como “Greve mundial de mulheres”.

Texto original aqui

Tradução: Tassia Arcenio




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias