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ARGENTINA | Argentina: O caminho para recuperar o que foi perdido

Nesta terça-feira se completam três meses de presidência de Alberto Fernandez na Argentina. Um balanço provisório sobre as promessas de campanha eleitoral. O presidente conta com a vantagem de que milhões lhe concedem tempo para consertar o desastre macrista, mas por sua vez começam a surgir de forma incipiente setores que mostram outro caminho. Professores, trabalhadores do Hospital Posadas e o movimento de mulheres dão a mensagem de que os direitos se conquistam nas ruas.

Fernando ScolnikBuenos Aires | @FernandoScolnik

terça-feira 10 de março de 2020 | Edição do dia

Se algo expressou o triunfo da Frente de Todos [coalizão eleitoral de Fernández e Kirchner] nas eleições argentinas, foi a aspiração de milhões de pessoas em recuperar o que foi perdido durante os anos de governo de Mauricio Macri.

Diferentemente de outros países da região, onde sopravam ventos de rebelião nas ruas, como no Chile ou Equador, a campanha de Alberto Fernández propôs transformar a história de milhões mediante um triunfo eleitoral e uma mudança de governo.

Com um novo rumo, os jubilados superariam aos bancos, o trabalho à especulação, e a chave seria “colocar dinheiro no bolso das pessoas”. Desde 10 de dezembro, os salários de aposentados e trabalhadores aumentariam 20%.

Mas entre estas promessas de campanha eleitoral e a realidade, pesam outros fatores. Um novo e forte indício disso teve lugar no último domingo, quando ao descrever seu plano de Governo em frente ao Congresso Nacional, Alberto Fernández não fez anúncios de melhorias salariais, nem referência a dissídios ou a condições de trabalho.

Mais preocupante ainda, fez uma importante definição ao assinalar que a “solidariedade será a viga mestra da reconstrução nacional” e que seu governo busca um “programa integral e sustentável, com metas fiscais para alcançar a partir da renegociação da dívida”.

Embora algo assim possa soar bem, a realidade é que no governo da Frente de Todos isso significa que para os aposentados, a realidade não será a das promessas de campanha, mas a do ajuste contra milhões deles que recebem pouco mais de $16.200 pesos (Cerca de 1.200,00 reais) e deverão ser solidários. Ou que os trabalhadores não tenham “dinheiro no bolso”, mas que devam renunciar à cláusula de gatilho, ou seja, que sigam perdendo para a inflação. [Cláusula gatillo: mecanismo que deveria reajustar os salários de acordo com as necessidades e custo de vida]

Porém, o que é realmente grave é que não serão todos a “fazer um esforço”, já que a outros não se pede que sejam solidários. Como os bancos, cujos interesses não foram afetados em nada, ou as mineradoras e petroleiras às quais inclusive lhes baixaram os impostos. Ou às empresas privatizadas, que não apenas terão mantidas suas concessões, mas que sequer se anularão os tarifaços que Macri lhes deu permitindo lucros exraordinários. As patronais do campo, com quem há uma disputa, muito distante de questionar a propriedade latifundiária: apenas aumentou as taxas a níveis similares aos que estavam com Macri em 2018. Mas isso não é tudo: essa coleta “sojeira” não é feita para destinar-la a trabalho, saúde ou educação, mas para reduzir o déficit fiscal, que é um pedido do FMI e dos credores para renegociar a dívida.

O governo está “esperando Guzmán”, como definiu um reconhecido analista político [em um trocadilho sobre ganhar tempo ], analisando que logo depois da renegociação da dívida, que é sua prioridade, se poderá ter uma definição mais precisa do rumo do mandato da Frente de Todos.

No momento, o governo conta com a vantagem de que o desastre macrista está presente na consciência de milhões e lhe é concedido um tempo para consertar a situação.

Mas por sua vez vemos os primeiros sintomas de que alguns começam a perder a paciência e marcam outro caminho. Um lúcido instinto, dado que nada bom virá da renegociação de uma dívida impagável, ilegítima e fraudulenta. Não é hora de seguir esperando mas de sair às ruas.

Outro caminho

Onde se expressou com mais força nos últimos dias foi, sem dúvidas, em centenas de milhares de professores do interior do pais.

“Não vamos ficar de braços cruzados vendo como estes burocratas nos entregam”. Essa frase se repetia de boca em boca, de rua em rua, quando os docente tucumanos [da província argentina de Tucumán] decidiram semana passada sair massivamente reivindicar salário, a cláusula gatilho e contra a perseguição e o esvaziamento que se vive nas escolas.

Um pouco mais ao norte, em Salta, uma professora dizia também estes dias que “o lógico seria que a Confederación de Trabajadores de la Educación de la República Argentina (CTERA) convoque a uma paralisação nacional.

E seu raciocínio tinha muito sentido: assim como em sua província, em muitas outras os trabalhadores da educação foram à luta comparalisações e mobilizações no início do ano letivo. Como em Rosário, contra “a pior proposta salarial da história”, ou em Córdoba, Santa Cruz, Chubut, Neuquén, Jujuy e outras províncias.

Mas a direção da CTERA, com referências como Sonia Alesso ou Hugo Yasky, decidiu priorizar sua integração à Frente de Todos acima da defesa da educação pública. Por isso aceitaram um reajuste nacional com um aumento do salário inicial de 13,5% e somas fixas que causaram muito mal estar na docência, já que obriga a trabalhar em três cargos para cobrir o custo de vida familiar. Assim como deixam cada luta provincial isolada até sua morte.

Não estamos frente ao problema de um sindicato isolado, Hoje, quase todas as cúpulas sindicais estão alinhadas com a Frente de Todos, e embora na maior parte dos sindicatos há um forte mal estar por anos de ajuste, estes dirigentes não impulsionam processos de luta. É necessário organizar-se para lutar por sindicatos, delegações e comissões internas independentes, combativos e auto-organizados.

Enquanto saíam às ruas os professores, os trabalhadores do Hospital Posadas obtiveram um estrondoso triunfo. Após dois anos de luta, sua persistência na luta e organização, tiveram um merecido triunfo, quando começaram a ser reincorporados os trabalhadores despedidos, que durante todo este tempo não baixaram a cabeça e agora se propõem a seguir organizados contra a precarização do trabalho e em defesa da saúde pública.

Por sua vez, também há funcionários públicos que saem a lutar, como em Neuquén ou Chubut. Na primeira, os trabalhadores denunciaram o envio de bate-paus e repressão por parte do intendente da Frente de Todos em Centenário. No segundo caso, na última quinta-feira foram reprimidos pela polícia do governador Mariano Arcioni, da Frente de Todos.

O movimento de mulheres, por sua vez, está às portas de fazer história. Graças a sua massiva mobilização nas ruas durante os últimos anos, o direito ao aborto será discutido novamente no congresso nacional. Por mais que o governo queira dar uso político ao dizer que aprovará em sua gestão, a única verdade é que caso se aprove, contra os dinossuros que existem tanto no peronismo como no Juntos por el Cambio [coalizão eleitoral de direita do ex-presidente Mauricio Macri], e contra as manobras da Igreja, será resultado dessa grande luta que pintou de verde as ruas de todo país. Nas próximas semanas esse desafio estará na Praça do Congresso e em todas as cidades do interior para lutar por sua aprovação e contra as tentativas de que se vote com muitas modificações a respeito do projeto da Campanha Nacional pelo Direito ao aborto legal, seguro e gratuito.

Em geral estas lutas, como a luta docente, são essencialmente ocultadas pelos grandes meios de comunicação. O La Izquierda Diario, pelo contrário, com correspondentes em todo o país, se propõe a dar voz a todos os explorados e oprimidos que em outros meios não têm voz.

Sobre estes ânimos e aspirações de recuperar o que se perdeu com Macri, é necessário organizar-se para o que vem, apoiando a ideia de toma o destino em nossas próprias mãos e também semeando as ideias para outra saída para a crise, que parta de romper com o FMI e os especuladores para priorizar as necessidades das grandes maiorias, rechaçando o pagamento de uma dívida odiosa, nacionalizando os bancos e o comércio exterior e estatizando todos os recursos estratégicos do país sob controle dos trabalhadores.




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