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Apontamentos sobre a luta das ideologias para além da Restauração Burguesa

Matías Maiello

Apontamentos sobre a luta das ideologias para além da Restauração Burguesa

Matías Maiello

O texto que publicamos a seguir é uma contribuição do autor aos debates da próxima conferência da Fração Trotskista pela Quarta Internacional – impulsionadora da Rede Internacional de La Izquierda Diario – que terá início no mês de fevereiro.

Após a queda do Muro de Berlim, a intensidade do confronto político apareceu como o sinal de que a “Era dos Extremos” estava definitivamente superada. O extremo centro, como Tariq Ali o chamou, assumiu o controle das democracias neoliberais. O neoliberalismo, com as suas nuances, emergiu no quadro quase exclusivo de um amplo espectro de partidos políticos reduzidos à condição de mortos-vivos, entre os quais haviam muitos que tinham sido socialmente reformistas ou nacionalistas burgueses em países periféricos. Naquele momento, inspirada por Carl Schmitt, Chantal Mouffe falou da necessidade de revalorizar a noção de antagonismo como forma de revitalizar estas democracias em dificuldades. Ela argumentou que o desaparecimento da oposição amigo-inimigo anteriormente usada entre totalitarismo e democracia poderia levar a uma profunda desestabilização das sociedades ocidentais. Entretanto, se tratava de um reconhecimento limitado da dimensão antagônica do político, convertido em um agonismo nos marcos da democracia burguesa. Os inimigos políticos tornavam-se adversários que partilhavam esse marco comum.

O panorama dos últimos anos parece resistir cada vez mais a este tipo de domesticação do político. Por um lado, há a emergência das chamadas novas direitas em escala global. De mãos dadas com este fenômeno, voltou o uso e abuso do termo fascismo na linguagem política atual. Alguns autores, como Enzo Traverso, referem-se a um “pós-fascismo”, outros, como Maurizio Lazzarato, a um “novo fascismo”. Por outro lado, desde a Primavera Árabe de 2011, proliferaram extensos processos de mobilização com variados graus de violência nos mais diversos países. As revoltas tornaram-se uma parte inevitável da situação global. Por sua vez, o fenômeno da guerra sofreu mutações em comparação com as décadas anteriores, desde a guerra na Ucrânia, dando origem a um novo nível de enfrentamento entre potências mundiais. O genocídio aberto do Estado de Israel em Gaza é o seu capítulo mais recente e tem o potencial de desestabilizar o Oriente Médio. Como contrapartida emergiu um amplo movimento global de solidariedade com o povo palestino. A intensidade do confronto político parece voltar à cena sem pedir licença.

Atualmente as tendências profundas da época imperialista de guerras, crises e revoluções, como Lênin a chamou, reaparecem em primeiro plano [1] Ao mesmo tempo, como disse uma vez Fredric Jameson, parece que ainda é “mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”. Isso tem a ver em grande parte com a crise que atravessa o projeto socialista revolucionário. Entre suas causas mais relevantes podemos destacar três. Em primeiro lugar, o descrédito que sofreu nas mãos do stalinismo com ditaduras burocráticas parasitárias dos antigos Estados operários que acabaram por passar, com armas e bagagens, à restauração capitalista. Em segundo lugar, o papel desempenhado pela social-democracia e pelos vários movimentos nacionalistas burgueses que falaram em nome do socialismo. Em muitos casos, seguiram diretamente as políticas neoliberais. Houve também fenômenos como o chavismo que se auto-definiu como “socialismo do século XXI”, quando na realidade foi uma corrente estatista burguesa que no seu auge teve atritos com o imperialismo e que atualmente leva a cabo uma política neoliberal agressiva. Em terceiro lugar, deve ser mencionado que as quatro décadas de domínio do neoliberalismo não passaram em vão em termos da subjetividade das grandes maiorias.

A recomposição do projeto socialista no século XXI tem aspectos muito diversos. Existe uma dimensão tática referente à forma como são levados adiante os combates particulares. Uma dimensão estratégica que envolve a utilização dos resultados desses combates – vitórias ou derrotas – para fins ou objetivos socialistas. Estes objetivos estão condensados no programa socialista revolucionário. No entanto, eles não estão necessariamente resumidos a isso. O próprio Programa de Transição, elaborado por Trótski e adotado pela Quarta Internacional, foi um programa que chegava em seu conteúdo até ao início da revolução socialista [2] Há também uma dimensão ideológica que implica recriar um imaginário socialista, de uma sociedade que supere o horizonte de barbárie que o capitalismo coloca. Atualmente, isto envolve tanto uma revisão do passado como uma compreensão do presente e uma projeção para o futuro. Nestas páginas propomos desenvolver alguns apontamentos sobre esta última dimensão, centrando-nos em dois temas que consideramos fundamentais: a democracia de conselhos e a planificação socialista. Mas antes de entrar neles, começaremos por localizar sinteticamente as coordenadas de como chegamos até aqui e quais são as condições – diferentes das do século XX – em que se desenvolve a luta pela recriação do projeto socialista hoje.

Choque de hegemonias e choque de ideologias

Na sua interpretação dos Cadernos do Cárcere de Gramsci, Nicola Badaloni destacou a especificidade do choque de hegemonias em relação ao choque mais genérico de ideologias. O primeiro expressa uma contraposição de ideologias de um tipo particular. São ideologias nas quais se condensam comportamentos e concepções de mundo próprios de modos de produção diferentes, com suas respectivas realidades. Desse modo, configura-se um choque de hegemonias quando as relações sociais existentes se aglutinam com outras novas que surgiram e se fizeram historicamente visíveis. Com esta distinção, Badaloni se propunha a realçar a especificidade da luta de ideologias, enquanto choque de hegemonias, que surgiu no século XX após o triunfo da Revolução Russa.

Com sua emergência, essa revolução desmentiu a pretensão universalista da burguesia que postulava os seus interesses particulares como os interesses de “toda a humanidade”. Foi exposto o que Marx disse sobre que sob o capitalismo “a aplicação prática do direito humano à liberdade é o direito humano à propriedade privada”. Um universalismo alimentado também pela pilhagem e opressão do resto dos povos do mundo e que sob as bandeiras da “civilização” levou à Primeira Guerra Mundial. O individualismo burguês, que na representação mais elementar de Marx era a aparência ideológica de uma base coletiva inconsciente (O capital), passaria a ser medido em contraposição à capacidade reguladora de um coletivismo conscientemente assumido e, portanto, passível de ser institucionalizado [3]

O período entre guerras foi marcado por revoluções cujas derrotas afirmaram o isolamento da Revolução Russa. A burocratização stalinista da URSS e, a partir dela, da Internacional Comunista retroalimentou o ciclo de isolamento e derrotas. Mas o capitalismo estava longe de estar estabilizado e o individualismo burguês permanecia amplamente questionado. Gramsci e Trótski analisaram a necessidade do capital passar por uma reconfiguração em grande escala para combater a sua crise. Eles viam no fascismo e no americanismo duas respostas para isso. A alternativa foi resolvida em favor deste último. Isto só foi possível, como previu Trótski, através de uma nova guerra mundial. Gramsci havia destacado que era relativamente mais fácil para os EUA racionalizar a produção e o trabalho graças às particularidades do seu desenvolvimento histórico. Isto deu origem a uma combinação particular de força e persuasão em que os altos salários baseados num grande aumento da produtividade e do consumo de massas foram fundamentais. Sob o americanismo “a hegemonia nasce da fábrica”, com menos necessidade de intermediários profissionais da política e da ideologia para se exercer.

Quase espelhando, Trótski apontou, em referência à hegemonia proletária na URSS, que: “Em última instância, a classe trabalhadora pode manter e fortalecer o seu papel dirigente, não através do aparelho do Estado ou do exército, mas através da indústria que dá origem ao proletariado” [4] Mas sob a liderança do stalinismo o rumo adotado foi o oposto. Como analisou em A Revolução Traída, com a liquidação dos sovietes e a consolidação de uma nova casta burocrática, uma ditadura foi imposta ao proletariado. A questão da hegemonia sobre o campesinato foi “resolvida”, no final da década de 1920, através do poder coercitivo do Estado. Em um só movimento, a burocracia minou tanto a planificação econômica como a consciência coletiva e, com elas, o necessário desenvolvimento de uma nova individualidade nos marcos da coletividade e da revitalização da sociedade civil. Trótski ligou estreitamente esta revitalização ao ressurgimento dos sovietes como organizações de autodeterminação das massas.

Após a Segunda Guerra Mundial, os contrastes tornaram-se mais profundos. Na Europa, processos importantes foram desviados ou derrotados na França, Itália e Grécia, e as novas revoluções que triunfaram (China, Indochina, etc.) o fizeram em países atrasados da periferia capitalista com novas burocracias que tomaram o controle do Estado desde o início. Tendo sido configurados à imagem e semelhança da URSS stalinista, impuseram novas relações sociais dentro das fronteiras, mas não promoveram a extensão da revolução internacional. Tudo isto contribuiu progressivamente para a identificação entre coletivismo e totalitarismo burocrático. A luta de hegemonias continuou, mas de forma cada vez mais degradada. O mundo capitalista, que acabava de provocar um massacre à escala global coroado pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki, respondeu ao desafio da revolução com o desenvolvimento do “Estado de bem-estar social”. Com base na destruição causada pela guerra, viveu um boom econômico de três décadas em torno do qual em diferentes países foram introduzidos elementos de planificação estatal da economia capitalista e uma série de direitos trabalhistas e sociais, num contexto de pleno emprego. Na periferia com o chamado processo de “descolonização”, o imperialismo concordou com a independência formal de múltiplos países para moderar as rebeliões contra a sua dominação.

No final da década de 1960, a experiência do capitalismo “regulado” pelo Estado tinha fracassado. A crise econômica retroalimentou a crise fiscal e redobrou a pressão sobre a taxa de lucro. A combinação entre crise mundial e luta de classes quebrou o equilíbrio relativo que caracterizou toda a fase anterior da Guerra Fria. A ascensão generalizada da luta de classes abrangeu tanto o centro e a periferia capitalistas como o outro lado da Cortina de Ferro. A derrota deste ciclo foi seguida pela crise definitiva da URSS e pela ascensão do neoliberalismo com Reagan nos EUA e Thatcher no Reino Unido. A restauração do capitalismo pelas mãos da burocracia na URSS, na China e nos Estados onde a burguesia havia sido expropriada daria origem a uma fase global de Restauração Burguesa [5] O capitalismo emergia triunfante do choque de hegemonias que havia marcado o século XX. Neste novo contexto, frente à crise definitiva do esquema capitalista anterior e à queda da taxa de lucro, os muros de contenção do antigo Estado de Bem-Estar seriam desmantelados e as cadeias dos países periféricos seriam novamente ajustadas com o assim chamado “Consenso de Washington”.

O fim desse choque de hegemonias, [6] no entanto, não significou – nem poderia – um regresso ao momento de choque de ideologias anterior à Revolução Russa, mas sim a emergência do “pensamento único” e de que “não há alternativa”. Como destacou Perry Anderson em seu clássico editorial “Renovations”, o que aconteceu foi a consolidação, junto com sua difusão universal, do neoliberalismo que vinha se desenvolvendo como corrente, nos bastidores, desde a década de 1930. Para além das limitações que impediam – e ainda impedem – a sua plena realização, o neoliberalismo como conjunto de princípios conseguiu impor-se a nível global. Configurava, nas palavras de Anderson, a ideologia de maior sucesso da história da humanidade [7] O individualismo burguês encontrou terreno aberto para avançar a níveis nunca antes alcançados. O neoliberalismo passou a ser associado a uma ideia de democracia definida pela sua mera oposição ao totalitarismo. Ele identificou a ideia de liberdade com o modelo de livre mercado contra qualquer tipo de coletivismo entendido como estatismo. A ideia de globalização operou como tradução do domínio incontestado do imperialismo norte-americano.

Atualmente, estes três pilares estão em crise. Em primeiro lugar, as democracias neoliberais adquirem cada vez mais traços autoritários e parecem impotentes face às contradições que as sociedades contemporâneas vivem. São questionados principalmente pela direita – a tomada do Capitólio norte-americano foi um dos sintomas mais significativos – mas também pelas revoltas que vários países viveram na última década. Em segundo lugar, a globalização “harmoniosa” chegou ao fim. Há um choque entre a integração global estabelecida sob a hegemonia norte-americana – atualmente em crise – e o desafio redobrado a esta ordem mundial por parte de potências “revisionistas” como a Rússia e a China. A guerra na Ucrânia implicou o retorno da guerra interestatal com o envolvimento de potências de ambos os lados (ainda que EUA e OTAN atuam por procuração). A guerra comercial e as crescentes tensões militares com a China são outro capítulo no mesmo sentido. Recentemente, se somou ao cenário o genocídio do Estado de Israel em Gaza. Em terceiro lugar, a liberdade de mercado sofreu um duro golpe com a crise de 2008 e o resgate estatal massivo de bancos e empresas que levou a um aumento exponencial da desigualdade global. Uma espécie de queda do muro de Wall Street.

É importante não confundir estes elementos de crise com um recuo do neoliberalismo enquanto tal. É claro que a sua vitalidade está diretamente ligada à hegemonia americana que está agora em declínio. Atualmente, o capitalismo carece de um projeto hegemônico alternativo, como o foram o fascismo ou o americanismo em seu momento. Contudo, o neoliberalismo tampouco está exposto a uma luta de hegemonias como a que marcou o século XX. Portanto, ele sobrevive em seu declínio. As chamadas novas direitas promovem postulados autoritários e exercem discursos nacionalistas, embora na periferia continuem defendendo o neoliberalismo mais radical. Os discursos contra o socialismo ou o comunismo, identificando-os com regimes capitalistas autoritários como o chinês ou o venezuelano, tentam dar nova vida ao discurso neoliberal, ensaiando uma imitação do choque de hegemonias como uma caricatura da Guerra Fria. Isto não significa que estes discursos não tenham certa potência ideológica no cenário atual, mas se baseiam na falta de alternativas, e sobretudo na crise prolongada do projeto revolucionário socialista.

Ao contrário do século XX, hoje não se trata mais de um choque de hegemonias. A característica marcante da fase atual é a ausência de hegemonias, tanto no que diz respeito ao socialismo como ao próprio capitalismo. Agora, em contraste com a etapa anterior da Restauração Burguesa, há uma reabertura do terreno para uma luta de ideologias e, com ela, levanta-se como possibilidade o horizonte de transformar o projeto socialista em força material. Esta não é uma reedição da luta de ideologias tal como ocorreu antes da Revolução Russa, como afirmam os setores da esquerda norte-americana que promovem uma espécie de retorno à social-democracia das origens. [8] É necessário partir do balanço do século XX e retomar os aspectos mais avançados dessas experiências. Recriar a perspectiva de um socialismo desde abaixo para o século XXI – em oposição à experiência stalinista – implica partir das realidades atuais do capitalismo, da classe trabalhadora e dos oprimidos para que possa ser vista como uma alternativa à crise civilizatória que o sistema capitalista nos impõe.

Vamos tentar uma abordagem a alguns elementos que consideramos significativos para fundamentar esta perspectiva, articulados em torno dos temas da democracia de conselhos e da planificação socialista. Ambas foram relegadas da experiência do século XX e bloqueadas por um senso-comum que estabelece um antagonismo intransponível entre a democracia política e a emancipação econômico-social. Contudo, continuam a ser temas fundamentais para a recriação do projeto de socialismo desde abaixo. Daí a necessidade de uma indagação histórica e teórica sobre elas para pensar sua atualidade.

O tema dos conselhos e do poder constituinte em nosso tempo

Tradicionalmente opostos, a aproximação entre liberalismo e democracia começa especialmente nas últimas décadas do século XIX. Naquela altura, Tocqueville expressou aquela desconfiança mútua, a democracia poderia levar à independência e à liberdade dos cidadãos ou à sua servidão. Era o fantasma da imposição total da vontade das maiorias. Assim, encerrou o livro Democracia na América, publicado originalmente em 1835, observando que: “As nações dos nossos dias não podem impedir a igualdade de condições dentro de si; Mas depende deles se a igualdade os leva à servidão ou à liberdade, à civilização ou à barbárie…” [9] As revoluções de 1848 passaram, mas seria a Comuna de Paris de 1871 que obrigaria o parlamentarismo liberal a alargar definitivamente a sua base eleitoral, que era limitada por diferentes formas censitárias de propriedade, educação, etc. que garantia a homogeneidade dos interesses representados pelos parlamentos. Naquela época, a discussão racional deu legitimidade à lei como expressão de um “interesse geral” limitado aos interesses da burguesia. Com a chegada da política de massas, essa legitimação entraria em crise.

A consolidação da ideia de soberania popular como meio de legitimação da democracia trouxe consigo uma contradição que até hoje foi insolúvel pelas classes dominantes. Uma soberania popular não atenuada foi sempre potencialmente perigosa para a sociedade burguesa, uma vez que, em teoria, poderia questionar o seu pilar fundamental: a propriedade privada dos meios de produção. A emergência da política de massas, com o amplo desenvolvimento dos partidos trabalhistas e dos sindicatos, aumentou o problema de como lidar com o povo trabalhador. Como destacou Gramsci, os elementos sociais que antes “não tinham vela neste funeral”, pelo simples fato de se unirem, modificaram a estrutura política da sociedade. [10] A resposta burguesa foi ocupar o espaço na sociedade civil que o liberalismo clássico tinha deixado desprotegido, dando origem a um “Estado integral” (ditadura + hegemonia [11]). Já não se tratava de esperar pelo consenso, mas de organizá-lo através da nacionalização das organizações do movimento operário e de massas e do desenvolvimento de burocracias dentro delas, assimilando os seus líderes para que colaborem na manutenção da ordem (através do convencimento ou da corrupção), o que Gramsci chamará de “transformismo”.

A emergência da Revolução Russa e a sua influência na Europa Ocidental localizaram a contradição posta pela política de massas num novo nível. Carl Schmitt foi um dos ideólogos que mais vividamente compreendeu este problema do ponto de vista burguês. Com o conceito de “ditadura soberana” tematizou a passagem da soberania popular à ditadura do proletariado. Os sovietes ou conselhos surgiram como a forma política de um novo poder constituinte, uma expressão da soberania popular que quebrou a estrutura burguesa do povo ao colocar a classe trabalhadora no centro. Organizações deste tipo foram desenvolvidas não só na Rússia, mas também na Alemanha com o ritmo da revolução de 1918, na Itália com os conselhos de fábrica durante o Biênio Vermelho, no Reino Unido com os comitês de delegados sindicais, etc. Esta tendência para a emergência de organizações auto-organizadas com a classe trabalhadora no seu núcleo será expressa repetidamente nos principais processos de luta de classes do século XX.

Desta forma, duas tendências opostas serão delineadas. A primeira para a autonomia da classe trabalhadora, a segunda para a nacionalização das suas organizações. Entre os dois, toma forma uma verdadeira “guerra de posições” – que inclui também movimentos típicos da “guerra de manobra” – preparatória para os confrontos decisivos entre as classes, em que a burguesia procurará estatizar o movimento de massas e assimilar os seus dirigentes, enquanto a classe trabalhadora deve lutar constantemente para se desenvolver independentemente do Estado capitalista e combater o transformismo. Neste quadro, torna-se mais complexa a luta pelo desenvolvimento dos conselhos como organizações independentes - não controladas pela burocracia -, capazes de articular os diferentes setores da classe trabalhadora e desta com os seus múltiplos aliados, e de ligar o social ao político, e evitar que o movimento se limite a lutas parciais e à participação eleitoral. O desenvolvimento de correntes típicas de um partido revolucionário dentro das organizações de massas torna-se essencial para isso.

Ora, os sovietes ou conselhos não são uma entidade misteriosa, são organizações de massas de frente única, isto é, um produto da unificação da classe trabalhadora e dos seus aliados na luta contra o capital. São instituições capazes de harmonizar as diversas demandas e formas de luta. Reúnem todos os representantes dos grupos mobilizados e não estão vinculados a nenhum programa a priori. Abrem as suas portas a todos os explorados e a sua organização é constantemente renovada com o movimento. Todas as tendências políticas do povo trabalhador podem disputar a sua direção baseada na mais ampla democracia. [12] Durante grande parte do século XX, os conselhos tiveram como inimigas as principais correntes do movimento operário. Foram combatidos pela social-democracia em todos os países, começando pela Alemanha. A burocracia estalinista esmagou-os na URSS. Para além das suas fronteiras, suprimiu-os da sua estratégia, primeiro com a política ultra-esquerdista de “classe contra classe” – que negava qualquer confluência com os trabalhadores social-democratas – e depois com a política da Frente Popular que subordinou as organizações dos trabalhadores à burguesia. Durante a segunda metade do século XX, as estratégias militaristas do maoísmo e as correntes guerrilheiras que as substituíram por partidos organizados sob a forma de um exército popular fizeram o mesmo.

Neste cenário hostil, porém, as tendências para a constituição de órgãos auto-organizados do tipo conselhos estavam longe de desaparecer. Na própria revolução espanhola, no auge da política da Frente Popular, após a revolta de Franco, a classe trabalhadora empreendeu a constituição de múltiplas organizações que se encarregaram da ordem pública, do controle dos abastecimentos, do controle das empresas, do poder local e da justiça (comitês locais, patrulhas de controle, comitês de abastecimento, tribunais revolucionários). [13] Embora não tenham prosperado, expressaram in nuce uma nova institucionalidade paralela à do Estado republicano. Essas tendências ressurgiram nos diferentes processos revolucionários. Na Revolução Boliviana de 1952 em torno da COB e duas décadas depois na Assembleia Popular. Na Revolução Húngara de 1956 contra a burocracia estalinista, desenvolveu-se toda uma rede de conselhos de trabalhadores e camponeses. Na Revolução Portuguesa de 1974 com as comissões de fábrica, inquilinos e soldados. Na Revolução Iraniana de 1979 com os Shoras. No Chile, a partir de 1972, com os Cordões Industriais. Todas experiências que não configuraram plenamente o poder dos conselhos, mas que mostraram a persistência da tendência ao seu desenvolvimento, mesmo sem nenhuma das principais correntes políticas atuarem estrategicamente neles.

Com o advento da fase da Restauração burguesa, os grandes aparatos burocráticos socialistas, comunistas e nacionalistas burgueses, adversários destas tendências de auto-organização, saíram de cena ou tornaram-se meras sombras do que eram no século XX. Mas também as tendências para o desenvolvimento dos conselhos perderam o seu ambiente natural: a derrota histórica no final do século passado abriu um período de décadas sem revoluções. Durante este período a fisionomia da classe trabalhadora mudou enormemente. Sofreu um profundo processo de fragmentação atravessado por múltiplas formas de precarização do trabalho. Os sindicatos, embora tenham retrocedido, continuaram a ser organizações importantes da classe trabalhadora, configurando um novo salto na sua nacionalização. As burocracias deixaram importantes contingentes da classe trabalhadora (precária e desempregada) fora dos sindicatos. Surgiram os “novos movimentos sociais” que também passaram por um amplo processo de nacionalização através das ONG ou das suas ligações diretas com o aparelho estatal. Ou seja, o “Estado integral” mudou a sua fisionomia, mas manteve a sua função essencial de organizar o consenso para as classes dominantes.

Agora, paralelamente a este processo, a classe trabalhadora expandiu-se globalmente como nunca antes na história, com a incorporação de centenas de milhões de assalariados nas suas fileiras. A classe trabalhadora industrial retrocedeu em relação aos serviços, mas ao mesmo tempo começou a concentrar-se noutras atividades (logística, transportes, etc.), multiplicando as suas “posições estratégicas”. [14] Tornou-se mais heterogênea, muito mais feminizada, imigrante, multiétnica, conferindo-lhe uma capacidade muito maior de potencial articulação hegemônica face a movimentos importantes que cresceram em força, a começar pelo movimento das mulheres e das diversidades, também o movimento anti-racista ou o movimento ambientalista. O fato de, como classe, os seus membros estarem na intersecção de muitos destes movimentos confere-lhe um potencial hegemônico muito significativo. Ao mesmo tempo, o processo de urbanização aproximou muitos dos seus aliados. A grande questão atual é como articular esta multiplicidade de formas de luta e movimentos para que não se difundam em lutas corporativas ou acabem articuladas pelo próprio “Estado integral”.

Os conselhos como alternativa ao estatismo e à democracia capitalista

Nas suas análises sobre a emergência do thatcherismo na década de 1980, Stuart Hall afirmava que o poder do discurso antiestatista da direita neoliberal se baseava em dois fenômenos. Por um lado, a assimilação do estatismo capitalista pelo Partido Trabalhista e por setores da esquerda britânica. Por outro lado, a experiência do “socialismo realmente existente” onde o Estado, em vez de desaparecer progressivamente, se tornou uma força gigantesca, burocrática e totalitária, que engoliu a sociedade civil em nome do povo. A oposição reformista entre a lógica do mercado e a lógica do Estado (burguês) como garantidor de certas necessidades e direitos sociais esgotou-se com o declínio do Estado de Bem-Estar. Os cidadãos foram convertidos em clientes passivos e dependentes da vontade do Estado de lhes conceder direitos [15]. A direita neoliberal opôs assim a ideia de liberdade, entendida como "liberdade de mercado", ao estatismo, identificando este com "o coletivo" em geral.

Este esquema proposto por Hall não é difícil de ser projetado em experiências mais atuais. A ausência de uma alternativa clara de esquerda a este dilema, do nosso ponto de vista, está intimamente ligada ao afastamento da questão dos conselhos. Isto tem uma dimensão teórica fundamental para o marxismo revolucionário, referindo-se às formas políticas através das quais é possível conceber a passagem da sociedade capitalista para a sociedade socialista. Depois da Comuna de Paris, Marx e Engels haviam considerado "corrigir" o Manifesto Comunista para afirmar que "a classe trabalhadora não pode simplesmente tomar posse da máquina do Estado tal como ela é e colocá-la em movimento para os seus próprios fins" [16]. Não se tratava simplesmente de substituir um estadismo por outro, mas de estabelecer um certo tipo de Estado, ou "semi-Estado", como dizia Engels, que lutasse pela sua própria extinção. Ou seja, que fosse progressivamente reabsorvido pela própria sociedade civil após o desaparecimento da divisão de classes durante um processo de transição ao socialismo.

Os conselhos são a forma política capaz de expressar institucionalmente essa reabsorção das funções do Estado pela sociedade civil na transição para o socialismo. São a forma de romper a divisão entre governantes e governados. Expressam as formas transitórias de poder político capazes de preparar concretamente a extinção do Estado. Em termos gerais, o tema dos conselhos vai além do próprio marxismo. Até uma teórica liberal como Hannah Arendt salientou que "desde as revoluções do século XVIII, todas as grandes revoltas desenvolveram os rudimentos de uma forma inteiramente nova de governo, que surgiu independentemente de todas as teorias revolucionárias anteriores, diretamente a partir do curso da revolução em si, isto é, a partir das experiências da ação e da vontade resultante dos atores de participar no desenvolvimento subsequente dos assuntos públicos. Esta nova forma de governo é o sistema de conselhos” [17]. O que distingue o tema dos conselhos no marxismo, que o diferencia de desenvolvimentos como os de Arendt, é que ele levanta a possibilidade de integrar “liberdade” e “necessidade”. Ou seja, os assuntos públicos incluem o planejamento racional dos recursos econômicos para satisfazer as necessidades sociais. Retornaremos a isso posteriormente.

Ao comparar a democracia de conselhos e a democracia burguesa, devemos partir de duas diferenças essenciais que vão além do regime político e se relacionam com o caráter de classe do Estado, a diferença entre um Estado operário e um Estado capitalista. A primeira refere-se à substituição dos destacamentos armados especiais com os quais a burguesia garante o monopólio da violência (exército, polícia, gendarmes, etc.) pelo armamento do povo. Esta é uma bandeira que vem das revoluções burguesas mas que, do ponto de vista da revolução socialista, adquire um conteúdo específico ligado ao monopólio da força pela classe trabalhadora e o conjunto dos explorados. A segunda diferença essencial está ligada à subversão das relações de propriedade. O novo Estado operário baseia-se na propriedade social dos meios de produção. Dito isto, é possível comparar as formas políticas dos regimes democrático-burgueses com as da democracia de conselhos para identificar alguns núcleos fundamentais que os distinguem.

Um dos aspectos mais conhecidos da análise de Marx sobre a Comuna de Paris é a sua crítica à divisão de poderes (executivo, legislativo e judiciário). Atribuiu-lhe um caráter fictício que, historicamente, levou a uma progressiva concentração de poder nas mãos do executivo, agravada em momentos de crise. Nos regimes presidencialistas, o Presidente seria um substituto virtual do monarca constitucional. No caso dos Estados Unidos, para defender a necessidade de uma presidência forte e unipessoal, Alexander Hamilton tomou como referência a figura do ditador republicano romano [18]. Por seu lado, as "câmaras altas" ou senados funcionariam como câmaras de controle dos parlamentos com uma base eleitoral mais ampla. Representariam uma salvaguarda contra a vontade popular no campo legislativo. O poder judicial proclama a sua verdadeira "independência" do voto popular. É concebido como um poder "contramajoritário". Todo o sistema de freios e contrapesos visa evitar decisões fundamentais que possam afetar os interesses das classes dominantes. Dito em termos clássicos: serve para limitar a soberania popular.

Marx, em seu momento, não escreveu nem um tratado sobre o direito constitucional nem uma história do direito público; estava interessado em contrastar a república burguesa com a Comuna enquanto forma política. O princípio da divisão de poderes é combatido por um "órgão de trabalho", simulteneamente executivo e legislativo. Este aspecto é central para a compreensão do tema dos conselhos. A noção de "órgão de trabalho" implica que a mesma assembleia, como foi o caso da Comuna, não é apenas eleita para discutir, mas para executar as suas próprias resoluções. Este é um princípio indispensável para a democracia de conselhos, uma vez que tem funções governamentais muito mais amplas do que qualquer democracia burguesa. Não se limita a definir as orientações políticas do Estado, mas inclui o planejamento democrático da economia. Na república burguesa, a economia é controlada e organizada arbitrariamente pelos proprietários dos meios de produção, a parte dela que depende dos representantes eleitos é, no melhor dos casos, limitada às projeções do orçamento do Estado. No que diz respeito ao poder judiciário, a unificação de poderes não é completa; na democracia de conselhos, permanece separada mas perde a sua independência no que diz respeito ao voto e à participação popular.

Outra questão central é a responsabilidade perante os eleitores e a revogabilidade de todos os funcionários públicos a qualquer momento. Este fato por si só levanta um princípio muito diferente daquele da democracia delegativa burguesa. Nele, pelo menos em teoria, a autoridade legítima surge do consentimento geral daqueles sobre os quais deve ser exercida. Este princípio atravessou as revoluções burguesas, tanto a inglesa, como a francesa, e a norte-americana. A massa de cidadãos é, acima de tudo, uma fonte de legitimidade política e não um grupo de pessoas chamadas a participar no governo. Seu direito é o direito de consentir com o poder. A liberdade de opinião para que a voz do povo chegue aos governantes surge como um fraco substituto da ausência do direito de dar instruções, uma contrapartida da independência dos representantes em relação aos representados. Através do voto você só pode sancionar ou repudiar condutas já praticadas. O princípio dos representantes responsáveis ​​e revogáveis ​​em todos os momentos, constitutivo da democracia de conselhos, implica expandir a influência dos representados para além desse julgamento retrospectivo, para lhes dar o poder de determinar o próprio curso de ação a seguir. Em outras palavras, pretende limitar a própria separação entre representantes e representados e traçar uma forma de ultrapassá-la. Coerente com isto, baseia-se no princípio igualitário da eliminação dos privilégios dos funcionários públicos, com salário igual ao de qualquer trabalhador.

Com base nas diferenças que apontamos até agora, em 1934 Trótski esboçou uma crítica à estrutura institucional da Terceira República Francesa que fornece elementos importantes para esta reflexão. Lá, redefiniria algumas das observações de Marx para delinear um regime alternativo através de uma série de abordagens programáticas. A saber: a supressão do Senado e da Presidência da República e a constituição de uma assembleia única que congregasse os poderes legislativo e executivo, onde "os seus membros seriam eleitos por dois anos, por sufrágio universal de todos os maiores de dezoito anos, sem discriminação de sexo ou nacionalidade. Os deputados seriam eleitos em base a assembleias locais, constantemente revogáveis ​​pelos seus constituintes e receberiam o salário de um trabalhador qualificado". Não se tratava do programa de uma república de conselhos, mas sim um programa transicional democrático-radical, para convergir com os trabalhadores reformistas contra as tendências bonapartistas do regime sob a premissa de que "uma democracia mais generosa facilitaria a luta pelo poder dos trabalhadores" [19].

Vale destacar que na proposta de Trótski, a eleição de deputados com base em assembleias locais é referenciada no modelo da Convenção Jacobina de 1793. Naquele momento, muitas dessas assembleias não foram dissolvidas após a eleição e assumiram papel ativo no processo político. Aqui, delineamos outra característica central da democracia de conselhos: estabelecer os meios para facilitar a participação ativa e direta dos trabalhadores e dos setores populares nos assuntos públicos. Tal como Lênin assinalou em O Estado e a Revolução, o objetivo da democracia de conselhos é que a maioria dos trabalhadores tornem-se funcionários públicos em algum momento. Ou, como apontou Gramsci: "O consenso deveria estar permanentemente ativo, a tal ponto que os consentidores poderiam ser considerados ’funcionários’ do Estado e as eleições um modo de inscrição voluntária de funcionários do Estado de um certo tipo, que em certo sentido poderia estar relacionado (em diferentes níveis) ao self–government [autogoverno]" [20]. Ou seja, esta democracia não se limita à obtenção do consentimento da maioria, nem ao direito de destituir representantes, mas depende também da capacidade das instituições democráticas do Estado operário de promoverem uma alternância nos cargos de "governantes" e "governados" entre os maiores contingentes possíveis do movimento de massas. O objetivo seria conseguir uma progressiva confusão prática entre as posições.

Ou seja, trata-se de traçar um caminho de desprofissionalização e disseminação da atividade política. Se tivéssemos que relacioná-lo com algum dos princípios democráticos clássicos, seria sobretudo o da isegoria, que era o direito igual dos cidadãos de falar em assembleia. É claro que, ao contrário da democracia antiga, no marxismo este princípio aparece diretamente ligado à propagação das condições materiais para o seu exercício. Uma garantia fundamental para este tipo de isegoria em um Estado operário seria dada, como assinalou Lênin "pelo fato de o socialismo reduzir a jornada de trabalho, elevar as massas a uma nova vida, colocar a maioria da população sob condições que permitirão a todos, sem exceção, exercer as ’funções do Estado’, e isso levará à completa extinção de todos os Estados em geral" [21].

Através de todos estes mecanismos, a democracia de conselhos procura estabelecer um contato infinitamente mais próximo, mais orgânico e mais honesto com a maioria dos trabalhadores do que qualquer instituição parlamentar. A sua característica mais importante não é refletir estaticamente uma maioria, ratificada a cada 2, 4 ou mais anos, mas sim formulá-la de forma dinâmica. Por esta razão, é potencialmente capaz de superar a impossibilidade de mecanismos legais e parlamentares expressarem o poder constituinte das maiorias em tempos de mudança revolucionária. Trótski formulou esta relação orgânica e dinâmica nos seguintes termos:

O Soviete abrange os trabalhadores de todas as indústrias, de todas as profissões, qualquer que seja o grau do seu desenvolvimento intelectual ou o nível da sua educação política […] Os Sovietes são um instrumento de domínio proletário que não pode ser substituído por nada, precisamente porque os seus quadros são flexíveis e elásticos e todas as modificações, não só sociais, mas também políticas, que ocorrem na posição relativa das classes, podem encontrar imediatamente a sua expressão no mecanismo soviético. Começando pelas grandes fábricas, os sovietes trazem para a sua organização os operários das oficinas e os empregados comerciais; de lá, deslocam-se para as populações, organizam a luta dos camponeses contra os proprietários de terras e, mais tarde, elevam as camadas baixas e médias do mundo camponês [22].

Para além da concatenação histórica específica que Trótski aponta, referindo-se à Rússia revolucionária, interessa-nos destacar o conceito que ele expressa. Esta estrutura "flexível e elástica" permite que o sistema de conselhos se expanda ou diminua à medida que as posições sociais conquistadas pelo proletariado e pelo movimento de massas se expandem ou diminuem. São as instituições mais adequadas para a realização democrática da revolução social nas suas dinâmicas internas, nos seus erros e nos seus sucessos. Agora, quando se consolida o progresso na transição para o socialismo – etapa que ficou bloqueada na URSS com a burocratização estalinista – a democracia soviética tem a capacidade de se estender a toda a população, perdendo por isso mesmo e desde então o seu caráter estritamente governamental e, desta forma, tornam-se uma poderosa ferramenta de cooperação entre produtores e consumidores.

Todas estas características constituem o contraste entre a democracia dos conselhos e as instituições baseadas no sufrágio universal enquanto tais que apelam exclusivamente à igualdade formal do cidadão atomizado. Como Ellen Meiksins Wood sintetiza, na democracia capitalista, a separação entre estado civil e posição de classe opera em duas direções:

…a posição socioeconômica não determina o direito à cidadania – e é precisamente isso que ’democrático’ significa na democracia capitalista – mas, porque o poder do capitalista para se apropriar do trabalho excedente dos trabalhadores não depende de um estatuto legal ou de um status jurídico ou civil privilegiado, a igualdade civil não afeta diretamente nem modifica significativamente a desigualdade de classes; e precisamente isto limita a democracia no capitalismo. As relações de classe entre capital e trabalho podem sobreviver mesmo com igualdade jurídica e sufrágio universal. Nesse sentido, a igualdade política na democracia capitalista não só coexiste com a desigualdade econômica, mas deixa-a fundamentalmente intacta [23].

Este é o limite intransponível das instituições baseadas na igualdade formal dos cidadãos para qualquer tipo de transição para o socialismo. E aqui é importante esclarecer uma confusão muito comum. A diferença entre os mecanismos eleitorais das instituições da democracia burguesa e os de uma democracia de conselhos não consiste no fato de uma expressar o voto "universal" e a outra não. Toda democracia, enquanto regime de dominação de classe, baseia-se na exclusão. Na democracia burguesa, o típico excluído é o estrangeiro, uma vez que se baseia numa concepção nacionalista de democracia. Basta analisarmos a realidade da principal democracia burguesa do planeta, os Estados Unidos, onde milhões de imigrantes trabalhadores em solo norte-americano são excluídos do voto e da cidadania por este motivo. A isto poderíamos acrescentar que o federalismo norte-americano permite o corte dos direitos eleitorais a nível de cada Estado e a organização das eleições de forma arbitrária (distribuição arbitrária das cabines de votação, "supressão" de eleitores, desenho arbitrário dos distritos) e deixa mais de 21 milhões de cidadãos (além dos estrangeiros) excluídos do "sufrágio universal" por não possuírem os documentos necessários para votar. A diferença com a democracia de conselhos é que nela a exclusão está relacionada à classe. Sendo uma república operária, os conselhos podem propor – não são necessariamente obrigados a fazê-lo, depende da correlação de forças – uma limitação dos direitos políticos da velha classe de exploradores. No caso de uma revolução socialista nos EUA, afetaria certamente uma proporção infinitamente menor do que a dos atualmente excluídos.

No que diz respeito à determinação da base eleitoral a partir da qual se constitui a representação, existe uma diferença de conceito muito importante entre a democracia delegativa burguesa e a democracia de conselhos. No primeiro, a eleição realiza-se segundo um critério exclusivamente territorial que, como tal, tem como característica decisiva a determinação mais ou menos arbitrária de circunscrições e distritos eleitorais,ligados às subdivisões políticas internas de cada Estado. Se em geral o voto "cidadão" se caracteriza pela diluição da classe trabalhadora em toda a população, em particular os distritos eleitorais territoriais dos regimes democráticos burgueses tendem a ser formados de forma a diluir ainda mais o peso político das concentrações de trabalhadores urbanos. Este tipo de organização da representação é consistente com a separação entre estado civil e posição de classe. Mas, acima de tudo, é consistente com o fato de o campo da produção social – no seu sentido lato – estar excluído da democracia. A democracia burguesa coexiste com o "despotismo fabril" através do qual o capital dirige o processo de produção e se beneficia da exploração da força de trabalho coletiva [24]. Uma ditadura patronal dentro dos estabelecimentos de trabalho que, quando muito, aparece moderada por determinada legislação que protege o trabalhador da pura arbitrariedade.

Em contraste, a democracia de conselhos é a extensão dos princípios democráticos a toda a vida social. Frédéric Lordon formula uma ideia interessante neste sentido com a noção de "recomunas". Com esta expressão, põe em jogo a ideia de “república” mas para ampliar em número e finalidades "a coisa pública" da qual tenta dar conta. O seu objetivo é sugerir – contra o que define como uma inconsistência do capitalismo à qual vincula toda a sua sobrevivência – que o princípio da democracia radical deve ser aplicado a qualquer empresa concebida como coexistência e competição de potências, independentemente do seu objeto. Para ilustrar, dá como exemplo a produção industrial de bens, salientando, com razão, que não há razão para que ela seja isenta de forma democrática, tendo em conta que quem dela participa partilha ali parte da sua vida. O volume de emprego, o que deve ser fabricado, quantidades, ritmos, etc. não devem escapar à deliberação comum, uma vez que têm consequências comuns. "O simples princípio recomunista – diz ele – é então que o que afeta a todos deve ser objeto de todos – a própria palavra recomuna o diz! – isto é, constitucional e igualmente debatido por todos" [25].

A expansão da "coisa pública" está no centro da determinação particular da base eleitoral a partir da qual se constitui a representação na democracia conselhista. É claro que isto não escapa ao substrato territorial, mas não se limita a ele. A noção de "espaço público" ultrapassa os limites democrático-burgueses para se entrelaçar com o quadro que constitui a produção e reprodução da sociedade. Os locais de trabalho, como fábricas, empresas, escritórios, campos, hospitais, bem como escolas e universidades – com os seus professores, trabalhadores não docentes, estudantes –, entre outros, tornam-se os "circunscrições" básicas da democracia de conselhos como locais de deliberação e eleição de representantes. Estes, por sua vez, conservam uma dimensão territorial na qual se agrupam e se vinculam ao território formando conselhos locais, regionais ou nacionais. Este tipo de organização política, que coincide aproximadamente com a organização da própria sociedade para a sua produção e reprodução, possui diversas virtudes que constituem a essência deste tipo de democracia. Por um lado, permite e facilita que o povo trabalhador, como soberano, não se dissolva após cada eleição. Por outro lado, permite que a deliberação esteja ligada à execução em todos os níveis.

Ora, será este tipo de organização democrática viável nas sociedades complexas contemporâneas? Há uma crítica tradicional ao sistema de conselhos segundo a qual ele representa uma experiência historicamente obsoleta e incapaz de se adaptar às complexidades das sociedades atuais. No entanto, o pano de fundo desta crítica é que quanto mais complexas forem as sociedades, mais difícil será a democracia em geral. Se olharmos para isto do ponto de vista do capitalismo, isto é em grande parte verdade. Como assinala Perry Anderson, "a liberdade de uma democracia burguesa parece estabelecer os limites do que é socialmente possível para a vontade coletiva de um povo e, portanto, pode tornar toleráveis ​​os limites da sua impotência" [26]. Mas a chave para a democracia de conselhos é que ela vai além do capitalismo, começando pelas possibilidades de democracia que surgiriam de uma redução drástica da jornada de trabalho possibilitada pela planificação racional da economia e do trabalho e, de forma mais geral, devido ao fato de que, como disse Marx, o tempo de trabalho não seja mais a medida da riqueza, mas sim o tempo disponível [27].

A questão é se com as mudanças das últimas décadas e as características que as sociedades adquiriram, o tema dos conselhos e as críticas que ele contém à democracia delegativa burguesa perderam ou aumentaram o seu valor. Para nós a resposta é claramente a segunda. As condições das sociedades contemporâneas, a maior complexidade das estruturas sociais e político-culturais, a extensão exponencial da classe trabalhadora e a sua maior heterogeneidade, a multiplicidade de "movimentos", a imigração em massa – inimiga irreconciliável das noções nacionalistas de democracia –, entre outras características, tornam plenamente atual o tema da democracia de conselhos. A experiência mais desenvolvida a este respeito, que foi a dos soviéticos russos durante os primeiros anos da revolução, tem agora mais de um século. Para atualizar o tema dos conselhos, não é possível parar por aí. Parafraseando Trótski, a democracia de conselhos do século XXI será tão diferente da dos sovietes russos como as nossas sociedades contemporâneas o são da Rússia czarista semifeudal.

As teorias do "Estado combinado" que procuraram amalgamar a democracia burguesa com a democracia dos conselhos – desde a proposta original de Rudolf Hilferding até versões posteriores como as de Nicos Poulantzas ou Antoine Artous, entre outros – apresentaram os conselhos como uma espécie de "câmaras sociais" ou como expressão de uma institucionalidade corporativa complementar [28]. Longe destas caricaturas, o grande potencial das formas conselhistas de democracia para hoje é a sua capacidade de trazer à tona a substancial heterogeneidade e vitalidade das classes subalternas idealmente atomizadas e homogeneizadas nas democracias burguesas. O regime de partido único com o qual burcou-se porteriormente identificar "os sovietes" foi estabelecido como norma pelo stalinismo, no quadro da burocratização da URSS sitiada pelas dificuldades excepcionais que a construção socialista teve de enfrentar em um país isolado, pobre e atrasado, com os meios disponíveis há um século. Nesse sentido, é de primeira ordem revalorizar a batalha travada na época por Trótski e pela Oposição de Esquerda pelo estabelecimento da pluralidade dos partidos soviéticos, pois representa um fio fundamental de continuidade para recriar hoje o tema da democracia conselhista [29]. A luta de interesses, grupos e ideias entre diferentes partidos e movimentos, as lutas eleitorais e os debates acalorados estão na origem e na própria essência do sistema de conselhos, tão aparentados com o turbilhão das paixões políticas quanto contrários à frieza burocrática.

A identificação da ideia dos conselhos com a deriva totalitária da URSS sob o stalinismo, quando na realidade era seu pior inimigo, é uma das formas cada vez mais ultrapassadas de justificar o declínio das democracias delegativas burguesas verdadeiramente existentes. Hoje, estas avançam firmemente para um autoritarismo cada vez mais totalitário, esmagando as liberdades democráticas. As eleições periódicas tornaram-se uma espécie de rito simbólico onde o eleitor é apenas convocado para definir formalmente entre candidatos discursivamente opostos, mas com programas centralmente relacionados e que todos sabem que não contam na hora de governar. As novas tecnologias de comunicação e informação ampliaram o espaço da opinião pública mas, regra geral, não podem fazer mais do que reproduzir as tendências básicas das democracias atuais. Servem como um substituto pobre para o estreitamento da sua base social, limitada a setores das classes médias urbanas e às camadas mais altas das classes trabalhadoras; um fenómeno que, aliás, sempre acompanhou o neoliberalismo.

As condições mudaram bastante desde que Giovanni Sartori começou a analisar a "vídeo-política" sob a qual o povo soberano "dá a sua opinião", em grande parte com base no que os grandes meios de comunicação os induzem a dar a sua opinião [30]. As novas tecnologias de comunicação e informação amplificaram essa tese. Controladas por um pequeno número de megacorporações, têm sido utilizadas pelas classes dominantes para desenvolver mecanismos tipicamente totalitários. Uma ligação de líderes políticos com uma massa atomizada acima das mediações políticas paralela à transformação dos partidos políticos em mortos-vivos. As novas formas de condução da opinião pública reforçaram a sua função coercitiva para com as classes opostas através do consentimento de grupos sociais aliados, tal como definido por Peter Thomas [31]. Estes processos têm andado de mãos dadas com a degradação prática de qualquer impacto substancial da vontade popular na definição da ação concreta de governos que são cada vez mais independentes daqueles "representados".

Contudo, este não é o destino fatal das novas tecnologias de comunicação e informação. Como demonstraram os processos de revolta da última década em todo o mundo, as novas tecnologias também contêm um potencial democrático muito importante. Sem dúvida, a reformulação do tema dos conselhos para o século XXI implica também a exploração do potencial democrático das novas tecnologias, retirando-as do controle despótico das corporações. Uma forma de fazer isso seria estabelecer o seu controle de forma democrática, proporcionalmente aos votos obtidos por cada grupo nas eleições para o conselho. As novas tecnologias teriam um enorme potencial numa democracia de conselhos para a democratização da informação e para a expansão dos canais democráticos de discussão mas, sobretudo, para aumentar a influência de setores cada vez mais amplos na tomada de decisões (estratégicas e da vida cotidiana), ou seja, ampliando a participação e a prerrogativa democrática de dar instruções ao governo.

É claro que o sistema de conselhos não pode fazer milagres, a sua função é refletir a vontade popular da forma mais dinâmica, democrática e ampla possível. O poder de uma democracia dos conselhos dependerá sempre da vitalidade e da convicção das grandes maiorias para avançar rumo ao socialismo. A construção de uma sociedade socialista só pode ser o resultado de uma atividade consciente. O que podemos afirmar é que a democracia de conselhos baseada no impulso de auto-organização é a única forma política – das que conhecemos hoje – de empreender uma transição para o socialismo e viabilizar a perspectiva da extinção do Estado.

Planificação, coletivismo e novo individualismo

A temática dos conselhos vincula-se com outra que é fundamental na hora de pensar a relação entre “liberdade” e “necessidade”, entre democracia política e emancipação econômico-social no projeto socialista. Nos referimos a problemática da planificação racional e democrática dos recursos da economia orientada para a satisfação das necessidades das grandes maiorias. Ou seja, por fora do princípio orientador do lucro, funcional para o domínio de um pequeno setor da população que concentra os meios que necessitam nossas sociedades para a sua produção e reprodução.

A “economia” tem um peso determinante no discurso do capitalismo. Marx soube analisá-lo em profundidade em O Capital e determinar suas causas e efeitos reais. Ou seja, como a fixação – através de sua generalização e persistência – de certas práticas se traduz em uma determinada forma (fetichista) de tomar consciência das relações existentes. A teoria burguesa clássica da estrutura da sociedade se baseia na hegemonia imediata do econômico. Desde o século XIX, conforme analisa Foucault, ocorrerá uma transformação crucial na governamentalidade moderna através da introdução da economia política como princípio de limitação da ação governamental. Nesse contexto, o governo só poderá fazer "o que deve fazer" se respeitar as leis "naturais" da economia. Uma grande mudança ocorrerá a partir de 1870 com a passagem das concepções "clássicas", que ainda se referiam ao valor trabalho como explicação do excedente e do lucro, para a escola da utilidade marginal, para a qual o valor de um bem passa a depender da utilidade que ele tem para os diversos agentes econômicos. A partir desse momento, o foco estará no desejo subjetivo. [32] Com a teoria subjetiva do valor, o irracionalismo se impõe no pensamento econômico burguês.

A ascensão do neoliberalismo revela essas antigas tendências em toda a sua extensão e as generaliza. O indivíduo torna-se sujeito racional através do reconhecimento da possibilidade de maximizar suas capacidades, e gerir seus comportamentos com o fim de conseguir maior benefício com os menores custos. Aqui, afirma Foucault, há um componente importante relacionado à internalização da obediência, à sujeição a um poder exterior enquanto se acredita estar exercendo a própria liberdade singular. O neoliberalismo estende muito além da lógica do liberalismo. Não se trata apenas de impor limites à ação estatal, mas sim da economia de mercado se constituindo como o princípio de regulação interna da ação governamental. Por sua vez, o neoliberalismo norte-americano buscou estender a racionalidade de mercado, seus esquemas de análise e seus critérios de decisão, mesmo para áreas não primordialmente econômicas, como a família, a natalidade, a criminalidade, a política penal, etc.

O "pacto social neoliberal" veio substituir o pacto de bem-estar que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Sua constituição foi muito mais elitista. Sua base social mais estreita. Combinou a exaltação do indivíduo e sua realização no consumo com o aumento da exploração, a degradação social da maioria da classe trabalhadora, o desemprego e a pobreza, sendo o “clientelismo” e a criminalização das políticas fundamentais do neoliberalismo para esses setores. A partir de 2008, com o salto da desigualdade global e, atualmente, com um mundo atravessado por crescentes tensões militares e comerciais entre potências, aquelas técnicas "produtivas" do poder próprias do neoliberalismo ligadas ao consumo, ao crédito, etc., encontram-se em uma profunda crise estrutural. [33] As revoltas que marcaram o panorama político da última década são uma expressão genuína disso.

O problema de fundo está relacionado à ausência de novos motores de acumulação de capital. A lucratividade do investimento nos principais setores de criação de valor está próxima dos níveis mais baixos desde 1945. [34] O ciclo neoliberal foi capaz de expandir seus limites através de certas tendências contrárias à queda da taxa de lucro, mas não resolveu as causas da queda da produtividade. A partir da restauração do capitalismo na ex-URSS, na Europa Oriental, e principalmente na China, o capitalismo encontrou uma nova "selva virgem", aquele "fora" do qual Rosa Luxemburgo falava, onde poderia acumular capital. Foi capaz de expandir enormemente a lei do valor e incorporar massivamente nova força de trabalho (aumentando a mais-valia absoluta em todo o mundo). No entanto, o que define a tendência dos últimos anos é que essas contratendências estão se esgotando. A China transformou-se de um país pobre, destino para a acumulação de capital das potências imperialistas, em um país que compete no mercado mundial por oportunidades de acumulação. A financeirização da economia, que até agora serviu como uma válvula de escape, também encontra seus limites.

Entretanto, a crise do neoliberalismo não implica a reversão de suas consequências. Sob o Estado de bem-estar, a ideologia do pleno emprego e as práticas políticas que a acompanharam reforçaram extraordinariamente a subordinação da classe trabalhadora. Através do estatalismo vinculado à ideia de produção e proteção do trabalho, a figura do trabalhador/a como produtor foi substituída pela do trabalhador "sujeito de direitos". Posteriormente, sob o neoliberalismo, ocorreu um salto fundamental na invisibilização do trabalhador/a enquanto produtor/a, que passou a ser representado como assalariado-consumidor ou mero cidadão. A partir da teoria do "capital humano", o trabalhador apareceu como empresário de si mesmo. Consolidou-se a imagem da sociedade como um conjunto de indivíduos concebidos como "agentes econômicos" ativos e livres, guiados pelo egoísmo, que gerenciam suas condutas para obter o maior benefício.

Por trás da teoria do "capital humano" está escondido o potencial criador da classe trabalhadora. Neste sentido, os desenvolvimentos de Gramsci são muito pertinentes, nos quais ele destaca o trabalhador não apenas como assalariado, mas também como produtor. [35] Esse caráter tem sido radicalmente negado ao trabalhador sob o neoliberalismo. Ele aparece como um mero representante de um interesse corporativo a mais na sociedade quando, como produtor, é portador potencial de novas relações sociais de cooperação, de uma força social e produtiva que pode abrir caminho para uma nova civilização. Esse potencial criador das trabalhadoras e trabalhadores, tanto no campo econômico quanto no político, é um ponto de partida indispensável para recriar o projeto socialista. Sem isso, a possibilidade da classe trabalhadora - e com ela do movimento de massas - assumir a produção seria encerrada.

O socialismo é, por um lado, o movimento real que, como afirmavam Marx e Engels, anula e supera o estado de coisas atual, onde os trabalhadores lutam para recuperar seu tempo livre, seu tempo de vida. Por outro lado, é também o objetivo de uma nova sociedade na qual os produtores se associem livremente, trabalhem com meios de produção coletivos e unam suas forças individuais como uma grande força de trabalho social. De ambos os pontos de vista, o socialismo se opõe à abstração da sociedade econômica como um puro automatismo proposto pela ideologia neoliberal, cujo núcleo reside na tentativa de fagocitar a sociedade civil em uma sociedade econômica reduzida à oferta e demanda. Esta noção de sociedade econômica é a ideia de força da burguesia, na medida em que se apresenta como indistinguível das relações de propriedade que surgem na sociedade civil. Ao mesmo tempo, o Estado, que de fato apoia e defende as relações de propriedade, é apresentado como externo a elas. [36]

O consumo produtivo de trabalho abstrato, ou seja, do trabalho em sua forma puramente social, não necessariamente precisa resultar na relação de exploração burguesa. Pode ser a base de uma organização social que considere o coletivo como ponto de partida e o torne uma condição normal da qual pode surgir a consciência de indivíduos que autogerenciam suas vidas. Trata-se de tornar consciente a interdependência entre as pessoas, de tornar visível aquela cooperação que aparece como "espontânea" e que a "mão invisível" do mercado se encarrega de ocultar. A individualidade é o conjunto de relações das quais cada indivíduo faz parte. A questão é se o indivíduo se concebe não como uma mônada isolada, mas como rico em possibilidades oferecidas pelos outros indivíduos e pela sociedade. A reabilitação consciente da cooperação que existe, negada como tal sob o capitalismo, é a base do princípio da planificação econômica como uma necessidade social. A ausência desse princípio se expressa de maneira catastrófica nas crises capitalistas.

A noção de planificação econômica socialista expressa o horizonte capaz de responder às manifestações da crise do modo de produção capitalista. A ideia de que qualquer tipo de planificação leva necessariamente à burocratização baseia-se em uma leitura unilateral da experiência da URSS sob o stalinismo. Esse "senso comum" tem sido usado como ferramenta de luta pela burguesia contra a perspectiva socialista. A verdade é que o stalinismo foi inimigo da democracia de conselhos e, portanto, inimigo da planificação democrática da economia. Este deveria ser o ponto de partida para qualquer avaliação séria do assunto, mesmo abstraindo o atraso e o isolamento da URSS. Para um projeto socialista de baixo para cima, os temas da planificação e do conselhismo estão indissociavelmente ligados. Nesse ponto de vista, planificação e liberdade não se contradizem. Isso não significa que não haja tensões entre um polo do plano que leva à centralização, para contemplar o conjunto das necessidades e recursos sociais, e outro que diz respeito à construção do plano "de baixo para cima".

A planificação deve adotar a forma de um conjunto de alternativas entre as quais as vontades individuais podem escolher, canalizadas em novas instituições conselhistas. Trata-se de organizar a maneira pela qual a necessidade pode se tornar um aumento da liberdade. Em outras palavras, superar a constatação post festum das necessidades sociais, com a irracionalidade que implica do ponto de vista da produção e do consumo, para que essas necessidades possam ser conscientemente percebidas através de uma disposição ativa dos próprios produtores/consumidores e, a partir disso, adotar um curso específico entre as alternativas disponíveis. O objetivo é que a gestão social se torne coletiva e supere o momento inconsciente proposto pelo capitalismo como sistema de apropriação privada dos frutos do trabalho. A contrarrevolução stalinista deixou truncado o projeto delineado por Lenin em "O Estado e a Revolução" e posteriormente retomado por Trótski em "A Revolução Traída", para quem essa reapropriação do coletivo estava vinculada ao renascimento do indivíduo dentro da "coletividade".

Como Gramsci assinalou, o individualismo que se tornou anti histórico é aquele que se manifesta na apropriação individual da riqueza, enquanto a produção da riqueza tem se socializado cada vez mais. [37] A isso ele contrapõe um novo individualismo que se apresenta como um tipo diferente de tensão de vontades, utilitária, mas desinteressada, da mesma natureza que determina o renascimento do indivíduo dentro da "coletividade". Em outras palavras, um novo individualismo desenvolvido a partir do coletivo, mais precisamente, da articulação da autogestão da vida coletiva. Onde o indivíduo não se limita a aceitar passivamente a marca que lhe é imposta, de fora, por relações sociais inconscientemente assumidas, e passa a ser protagonista consciente do governo e da planificação do coletivo. O salto qualitativo do econômico do privado para o coletivo é o quadro potencial para uma revitalização da sociedade civil - também tematizada por Trótski em seus escritos sobre a transição - como lugar de autogoverno e desenvolvimento da liberdade individual. Também é o substrato para o desenvolvimento desse novo individualismo formado nas condições proporcionadas por uma sociedade que se auto governa através da planificação de sua relação orgânica com a natureza e com suas próprias formas de vida. Dessa forma, a necessidade pode se transformar em maior liberdade, claro que não em onipotência, suas possibilidades dependem do nível alcançado pela civilização em um momento determinado.

A temática da planificação socialista no século XXI

Como sabemos, Marx e Engels foram muito prudentes ao delinear os contornos de uma futura sociedade socialista. Críticos do socialismo utópico, seus principais desenvolvimentos foram baseados em conclusões de experiências históricas, principalmente da Comuna de Paris. Isso não descarta intuições muito relevantes, como as expressas, por exemplo, na Crítica ao Programa de Gotha, onde Marx inclui uma série de considerações sobre as "fases" do comunismo. Lá, ele descreve uma primeira fase onde ainda não há abundância e é necessária alguma norma de distribuição dos recursos existentes, onde cada pessoa recebe da sociedade de acordo com seu trabalho. Para sustentar essa norma de distribuição, ainda é necessário que exista alguma forma de Estado. Ao contrário dessa fase, a "fase superior" do comunismo teria como lema "a cada um segundo sua necessidade, de cada um segundo sua capacidade". Ou seja, cada indivíduo contribui para a sociedade de acordo com sua capacidade e recebe conforme suas necessidades. Além desses termos gerais, os fundadores do marxismo tiveram pouco a dizer sobre as formas de planejamento da produção.

A experiência da URSS no século XX trouxe novos termos para esse debate. Ao contrário da etapa anterior de luta de ideologias, o choque de hegemonias expressou a questão da planificação em termos não apenas teóricos, mas históricos. Nenhuma recuperação dessa questão no século XXI pode prescindir de extrair as conclusões dessa experiência. No entanto, surge uma dificuldade adicional para isso. Quando Marx formulou seu esquema das "fases" do comunismo, não tinha em mente que a revolução triunfasse em um país atrasado e ficasse isolada internacionalmente. A URSS não alcançou nenhuma das duas "fases" descritas por Marx. Não foi uma sociedade socialista. Em "A Revolução Traída", Trótski afirma que: "Seria mais preciso, portanto, chamar o regime soviético atual, com todas as suas contradições, não de um regime socialista, mas de um regime preparatório ou de transição do capitalismo para o socialismo". [38]. Essa definição é o ponto de partida para abordar criticamente aquela experiência.

Dito isso, a temática da planificação socialista não pode ser a mesma nos dias de hoje que há meio século, quando a URSS caiu e o capitalismo foi restaurado nos países onde a burguesia havia sido expropriada. Hoje, a recriação dessa temática deve levar em consideração os avanços no desenvolvimento tecnológico, que teriam consequências fundamentais se aplicados à planificação socialista. Certamente, a tecnologia nunca resolve, por si só, as contradições essenciais de uma sociedade, mas apresenta novas alternativas e possibilidades muito mais amplas para a elaboração de propostas políticas sobre vários problemas enfrentados por experiências anteriores. O ponto de partida, tanto antes como agora, continua sendo a socialização dos meios de produção e a existência de um Estado dos trabalhadores baseado em uma democracia de conselhos, mas os meios mudaram, e é necessário levar isso em consideração.

O século passado foi marcado por múltiplos debates sobre as possibilidades de planificação socialista da economia: a viabilidade da substituição do mercado pela planificação; o cálculo de valores em uma economia planificada; a compatibilidade entre a centralização do plano para compreender o conjunto das necessidades sociais e a descentralização necessária em termos de preferências individuais e democratização; a questão da qualidade e inovação em uma economia não governada pelo lucro capitalista, entre outros. No século XXI, esses debates receberam um impulso relativo com os grandes avanços da informática, cibernética e tecnologias de comunicação. Autores como Evgeny Morozov, Daniel Saros, Paul Cockshott, Maxi Nieto, entre outros, abordaram diferentes aspectos da problemática da planificação ligada às novas tecnologias, não necessariamente vinculadas a uma perspectiva socialista revolucionária, mas com formulações sugestivas que demonstram a vitalidade do tema.

Um dos debates clássicos em torno da planificação, cujos termos foram modificados de maneira mais radical, é o chamado "cálculo socialista". Na época, foi impulsionado por figuras da Escola Austríaca, inimigas do socialismo, como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek entre as décadas de 1920 e 1940. A argumentação era que a única forma de cálculo econômico racional era proporcionada espontaneamente pelo mercado, por meio do dinheiro e da competição. Isso tornava o socialismo um sistema econômico inerentemente ineficiente. Segundo Mises, provar que o cálculo econômico era impossível em uma economia socialista significava também provar que o socialismo era impraticável. Não havia maneira de calcular a quantidade de informações necessárias para avaliar os usos alternativos da força de trabalho e dos recursos disponíveis; não era possível considerar o complexo padrão de demanda de bens finais e intermediários necessário para uma planificação em grande escala. Em contraste, o capitalismo permitiria uma participação muito mais ampla na tomada de decisões por meio do mercado.

No entanto, esses argumentos se referem a um capitalismo utópico que não apenas nunca existiu, mas também entra em conflito com as características mais básicas da era imperialista, marcada pelo confronto militar entre potências para dominar os mercados e pelas profundas tendências oligopólicas e monopólicas do sistema. Atualmente, essas características, em muitos casos exacerbadas, juntamente com o fabuloso acúmulo de capital fictício na economia mundial e suas respectivas "bolhas", tornam ainda mais utópica a transparência do sistema de preços. Os argumentos de Mises e Hayek receberam diferentes respostas, mas aqui nos interessam aquelas que abordam as mudanças mais recentes.

Em seu clássico "O uso do conhecimento na sociedade", Hayek afirmava que "devemos considerar o sistema de preços como um mecanismo para comunicar informações; função que, é claro, cumpre menos perfeitamente à medida que os preços se tornam mais rígidos". [39] Paul Cockshott e Maxi Nieto destacam essa definição do sistema de preços como um "mecanismo para comunicar informações", ou seja, os preços não são informações em si, mas um meio de transmiti-las. Portanto, se o sistema de preços é um sistema de comunicação, é evidente que pode ser substituído por outro. A única limitação para alcançar isso seria de natureza técnica, relacionada à capacidade de processamento de dados necessária para o volume de informações de uma economia em tempo real. A conclusão dos autores é clara neste ponto: os requisitos computacionais para uma verdadeira planificação socialista em grande escala já estão disponíveis devido ao desenvolvimento atual da tecnologia. [40] Da mesma forma, Daniel Saros argumenta que as teses da Escola Austríaca em relação ao cálculo socialista foram superadas pelo desenvolvimento da tecnologia da informação moderna [41].

Nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial, na URSS, houveram várias tentativas de utilizar tecnologias de informação avançadas para a planificação, mas nenhuma delas foi levada à prática. Um dos desdobramentos mais conhecidos nesse sentido ocorreu no Chile, durante o governo de Salvador Allende, com o sistema Cybersyn sob a supervisão do cibernético britânico Stafford Beer. O objetivo era coordenar centralizadamente as indústrias do setor estatal da economia. Hoje, estamos a anos-luz das tecnologias nas quais esses experimentos se baseavam. Na era do Big Data, a tecnologia para o planejamento relacionado à produção e ao fluxo de produtos já existe graças ao software de códigos de barras e de gestão de inventários. Para ilustrar a diferença, por exemplo, o grande projeto de Viktor Gluschkov na década de 1960 na URSS consistia em digitalizar as comunicações telefônicas para transmitir mais informações para o serviço de planificação. Hoje, as tecnologias da informação e a capacidade de computação, assim como os desenvolvimentos em Inteligência Artificial, abrem um campo completamente novo para uma planificação socialista em comparação com o século XX.

Trata-se de tecnologias que já estão sendo utilizadas em larga escala pelas grandes corporações capitalistas para o planejamento intrafirma, convivendo com a anarquia capitalista em nível global, resultado da competição para maximizar lucros. Como assinala Nieto:

Todas essas possibilidades já se antecipam no funcionamento de algumas das grandes empresas líderes atuais na aplicação das novas tecnologias de informação, como o Wal-Mart. Este gigante da distribuição opera como um sistema em rede que conecta em tempo real o ’centro’ com as lojas, armazens e fornecedores, tudo isso por meio de comunicação via satélite usando a identificação por radiofrequência (RFID) que permite rastrear a localização exata de qualquer produto em toda a cadeia de suprimentos. A Amazon, empresa líder em logística inteligente, é um caso semelhante. Disponibiliza aos consumidores uma infinidade de produtos e, para isso, ajusta os estoques e faz pedidos de suprimentos aos fornecedores com base nas vendas em tempo real. Além disso, ela atribui locais, rotas e armazéns por meio de algoritmos. Essas empresas, e muitas outras igualmente avançadas em outros campos, prefiguram o tipo de funcionamento de uma economia socialista planejada voltada para a satisfação das preferências dos consumidores”. [42]

Outro grande problema cujas coordenadas são reinterpretadas na atualidade é a contradição entre os elementos de centralização da planificação – obrigado a levar em consideração a totalidade da economia – por um lado, e a definição democrática do plano e o caráter descentralizado das preferências individuais por outro. Hayek sustentava que, uma vez que os valores dos fatores de produção não dependem apenas da valoração dos bens de consumo, mas também das condições de fornecimento dos diversos fatores de produção, apenas uma mente que conhecesse simultaneamente todos esses fatos e as respostas que necessariamente se seguiriam poderia dirigir uma planificação da economia. Historicamente, os desenvolvimentos na URSS mostraram a planificação como uma realidade, mesmo sob a bota de uma burocracia totalitária que constantemente minava o plano ao mesmo tempo em que o ditava. Um país atrasado com resquícios semifeudais, devastado por uma guerra civil cruel, por duas guerras mundiais e uma extensa contrarrevolução burocrática conseguiu, a partir da expropriação dos meios de produção da burguesia e de uma planificação (burocrática), tornar-se a segunda potência econômica do planeta. Até mesmo disputou a liderança tecnológica no campo militar e aeroespacial. Apesar de Hayek e da própria burocracia stalinista, a viabilidade da planificação foi demonstrada.

Contudo, a planificação centralizada com métodos burocráticos permite concentrar recursos para objetivos globais definidos como prioritários, por exemplo, a corrida armamentista e aeroespacial na URSS. [43] No entanto, se avançarmos para a área de diversificação da economia ou de bens de consumo, os objetivos da produção podem multiplicar-se exponencialmente, tornando a planificação muito mais desagregada, detalhada e complexa. O volume de informações necessário cresce à medida que a economia se diversifica. Trótski afirmava que:

Se existisse uma mente universal, como a projetada na fantasia científica de Laplace – uma mente que pudesse registrar simultaneamente todos os processos da natureza e da sociedade, medir a dinâmica de seu movimento, prever os resultados de suas reações recíprocas –, poderia, é claro, traçar a priori um plano econômico perfeito e abrangente, começando pelo número de acres de trigo e terminando com o último botão dos coletes. A burocracia muitas vezes imagina que tem à sua disposição uma mente assim; por isso, prescinde tão facilmente do controle de mercado e da democracia soviética [44].

Sob essa perspectiva, Trótski abordava, na década de 1930, as perguntas sobre quais organismos deveriam elaborar e aplicar o plano, quais métodos seriam utilizados para controlá-lo e regulá-lo, e quais condições seriam necessárias para o seu sucesso. É importante destacar que ele não estava se referindo a uma sociedade socialista, mas sim a um regime preparatório ou de transição do capitalismo para o socialismo, que era o que existia efetivamente na URSS. Para responder a essas perguntas, ele analisava três sistemas: 1) o sistema de comissões do plano, centrais e locais; 2) o sistema de regulação de mercado; 3) o sistema de regulação pelas massas por meio da democracia soviética. O primeiro expressava o elemento de centralização. Os pré-projetos elaborados por essas comissões tinham que demonstrar sua eficácia econômica por meio do cálculo comercial, já que era por meio do segundo sistema que os inúmeros protagonistas da economia, estatal e privada, coletiva e individual, faziam valer suas necessidades e sua força relativa por meio da pressão direta da oferta e da demanda. Enquanto a etapa de transição não fosse superada, o controle econômico era inconcebível sem levar em conta as relações de mercado, que, de outra forma, emergiam de fato. Por sua vez, a democracia soviética – liquidada pela burocracia – era o único sistema capaz de controlar os dois anteriores.

Ao substituir todos os mecanismos de controle, a planificação burocrática aumentava exponencialmente um dos problemas básicos de toda a planificação, que é a desproporção entre diferentes setores da economia. Como Trótski apontava, uma coisa é produzir um milhão de pares de sapatos em vez de dois milhões e outra coisa muito diferente é construir apenas a metade de uma fábrica de sapatos. "As leis que governam a sociedade de transição", afirmava ele, "são muito diferentes das que governam o capitalismo. Mas de maneira não menos significativa, diferenciam-se das futuras leis do socialismo, ou seja, de uma economia harmoniosa baseada em um equilíbrio dinâmico comprovado, seguro e garantido. As vantagens produtivas do socialismo, da centralização, da concentração, da administração unificada são incalculáveis. Mas a aplicação equivocada, especialmente o abuso burocrático, pode transformá-las em seus opostos". [45] A chave de toda a questão para Trótski era que a prioridade absoluta nos objetivos da planificação deveria ser melhorar as condições de vida dos trabalhadores e de suas famílias. Garantir boa alimentação, vestuário, moradia e tudo o que contribuísse para o bem-estar do povo trabalhador era a essência do sucesso da planificação ou, melhor dizendo, a própria condição para qualquer planificação da economia na perspectiva de uma transição para o socialismo.

Entretanto, esses três níveis mencionados por Trótski (elaboração do projeto de plano, controle em termos de mercado, controle democrático pelos conselhos) também podem ser pensados em novos termos com base nas condições atuais. Em primeiro lugar, a própria elaboração do plano. A natureza necessariamente global do plano cria uma tensão entre o plano centralizado e sua construção de baixo para cima. No entanto, os recursos de informática e a capacidade de gerenciamento de informações em tempo real existentes hoje facilitariam amplamente a elaboração de vários planos alternativos a partir dos conselhos democraticamente eleitos, com a participação de sindicatos, movimentos sociais, universidades, organizações ambientais, etc. Os planos macroeconômicos gerais deveriam descrever diferentes estruturas futuras alternativas da economia, assim como escolhas sobre questões como taxa de acumulação, tamanho de diferentes setores (educação, saúde, etc.), considerações ambientais, duração da jornada de trabalho, alocação de mão de obra e recursos por setor, etc. Os diferentes planos poderiam estar disponíveis para todos e servir como base para um amplo debate que inclua a popularização de seus pontos fundamentais. A escolha entre os planos propostos poderia ser discutida publicamente nos conselhos, nos meios de comunicação de massa e submetida a algum tipo de referendo geral.

Além disso, esse tipo de abordagem para as decisões no campo econômico contrastaria com a forma como as decisões são tomadas em qualquer país capitalista, por mais democrático que seja. Isso ocorre não apenas porque a maioria das decisões fundamentais (investimento, distribuição do trabalho, acumulação, etc.) no capitalismo é tomada de forma fragmentada, incoerente e anárquica, sem considerar as necessidades sociais e as proporções globais entre os diferentes setores da economia, mas também de maneira despótica, uma vez que são os proprietários dos meios de produção que as decidem a seu bel-prazer. Mesmo sob democracias burguesas, o setor da economia ligado ao Estado - que inclui, por exemplo, questões globais como o endividamento público - cuja projeção geralmente se expressa sob a forma de orçamentos anuais, é decidido nos parlamentos - ou diretamente nos poderes executivos - pelas costas das grandes maiorias. Essas maiorias, votando a cada 2 ou 4 anos, só podem contestar essas decisões post festum na eleição seguinte, quando as consequências para a economia e a sociedade já estão desdobradas. A possibilidade de discussão global sobre o destino dos recursos econômicos por meio de um plano decidido democraticamente representa, por si só, um salto gigantesco do ponto de vista democrático em relação a qualquer regime político capitalista.

Esta abordagem democrática também é fundamental para enfrentar a disrupção causada pelo capitalismo no metabolismo sócio-natural, levando à urgência de superar esse modo de produção. Dentro do ecossocialismo, existem, em termos gerais, duas grandes tendências. Por um lado, aqueles que defendem o decrescimento e propõem uma redução drástica e planejada da produção social para aliviar a pressão sobre os recursos do planeta. Por outro lado, os eco-modernistas que encontram a resposta para esse problema na aceleração do desenvolvimento tecnológico. Versões como a de Aaron Bastani, com a ideia de um "comunismo de luxo totalmente automatizado", transformam o desenvolvimento tecnológico em si mesmo em um fetiche capaz de resolver uma ampla gama de questões críticas, incluindo a resposta à crise ecológica. Como Esteban Mercatante destaca em "Ecologia e Comunismo", [46] não se pode confiar que a tecnologia - que nunca é neutra, mas depende das relações sociais nas quais está inserida - resolverá por si só as perturbações que qualquer planejamento socialista herdará do capitalismo. Ao mesmo tempo, impor desde o início que o comunismo deve ser decrescente limita as alternativas que uma sociedade baseada na socialização dos meios de produção poderia considerar para compatibilizar o bem-estar de toda a sociedade com um metabolismo sócio-natural equilibrado. Nesse sentido, Mercatante retoma algumas propostas muito pertinentes de Troy Vettese e Drew Pendergrass em "Half–Earth Socialism", que buscam sair dos binarismos entre decrescimento e eco-modernismo. Os autores argumentam que, se o objetivo do socialismo é permitir que a humanidade se regule conscientemente e seu intercâmbio com a natureza, a melhor maneira de atingir esse objetivo é escolher entre planos alternativos que representem diferentes visões de como a capacidade produtiva da sociedade pode ser desenvolvida. Eles mostram até como desenvolvimentos mais recentes, como os modelos de avaliação integrada usados pelos cientistas do clima, também podem enriquecer os mecanismos de planificação. [47] A planificação sobre as bases socialistas pode traçar vários caminhos em direção a um equilíbrio com o metabolismo sócio-natural. A elaboração e discussão democrática de planos econômicos alternativos, com as novas possibilidades existentes para isso, também poderiam desempenhar um papel muito importante aqui.

Além disso, as novas tecnologias também permitiriam amplificar, de uma maneira impossível no século XX, o outro polo da planificação: a elaboração do plano de baixo para cima. Ou seja, a incidência não apenas na escolha entre planos alternativos globais, mas na elaboração dos próprios insumos (informações) usados para a confecção do plano e, assim, ampliar a influência das preferências individuais no projeto global. Como aponta Daniel Saros, atualmente a tecnologia da informação torna possível a comunicação de escalas de valoração individuais de maneira muito mais eficaz e reflexiva do que o mecanismo de mercado, que deixa, vale destacar, insatisfeitas todas as necessidades que as grandes maiorias não podem respaldar com dinheiro. Saros propõe um mecanismo de classificação de preferências formulado por meio de "perfis de necessidades" que permitiria que os próprios consumidores estabelecessem quais são os produtos (genéricos e específicos) mais solicitados, atribuindo uma escala de classificação. [48] Algo semelhante a um pedido antecipado de produtos por meio de uma plataforma eletrônica semelhante às usadas pelas grandes lojas virtuais de comércio eletrônico. Além dos termos concretos de sua proposta - debatíveis em muitos aspectos e elaborados em um nível de detalhe que não podemos abordar aqui -, esses tipos de abordagens são estimulantes para refletir sobre as possibilidades de intervenção direta de trabalhadores e consumidores na própria elaboração de um projeto de plano. Saros até mesmo pensa neste mesmo esquema ajustado quase em tempo real. O conceito é que, indicando suas preferências e necessidades individuais, cada trabalhador e consumidor contribuiria parcialmente para a planificação global a partir de um certo nível de planificação individual, não muito diferente do que muitas famílias fazem hoje em dia.

Questões como as que destacamos permitiriam, com o suporte das novas tecnologias, afastar-se da ideia burocrática da "mente universal" criticada por Trótski. Ao mesmo tempo, seria possível coordenar inúmeros processos macroeconômicos com os níveis microeconômicos por meio de um fluxo constante de informações muito superior ao de qualquer mercado. Como aponta Morozov, não há mais a necessidade de comprimir uma grande quantidade de fatos heterogêneos na camisa de força dos preços, quando os chips de computador podem comunicar esses fatos diretamente. [49] Naturalmente, tudo isso implicaria que os meios para criar modos alternativos de coordenação social, a chamada "infraestrutura de retroalimentação", teriam que ser socializados e retirados das mãos dos gigantes tecnológicos que a monopolizam atualmente. Dessa forma, a planificação em uma economia de transição poderia antecipar o sistema de regulação de mercado projetando sua eficácia por meio do cálculo comercial, envolvendo antecipadamente os protagonistas coletivos e individuais, estatais e privados da economia, prevendo a oferta e a demanda de maneira plausível. Também a nível das diferentes áreas da economia, poderia servir como uma ferramenta contra as desproporções. Poderia agir eficazmente sobre os problemas de qualidade alertados por Trótski, bem como aumentar a durabilidade dos produtos contra a obsolescência programada, irracional e tão custosa em termos ecológicos. Esses tipos de problemas constituem um obstáculo insuperável para a burocracia, uma vez que a qualidade pressupõe a democracia dos produtores e consumidores, assim como a liberdade de crítica e iniciativa.

É claro que todos esses esquemas têm atualmente um valor aproximado para fomentar a imaginação política. Muitos dos autores que citamos sustentam visões evolutivas do avanço em direção à socialização e superestimam as virtudes da tecnologia em si para resolver problemas que, em última instância, são políticos e dependem de métodos revolucionários. Por outro lado, no caso concreto, as determinações históricas específicas apresentarão cenários diversos. Além disso, a planificação implica questões centrais, como a existência de uma moeda forte – no caso de uma economia ou conjunto de economias de transição no contexto do mercado mundial capitalista – sem a qual todos os cálculos poderiam naufragar em uma maré inflacionária. Mas, acima de tudo, será no sistema de regulação das massas através da democracia dos conselhos onde se definirá se a planificação será ou não controlada democraticamente como um todo, e com isso a vitalidade de uma economia baseada na propriedade verdadeiramente social dos meios de produção. Daí a indissolúvel ligação entre a temática da planificação, dos conselhos e ambas com a perspectiva socialista. A incorporação de novas condições para pensar cada um desses problemas também contribui para a luta das ideologias na atualidade e para a capacidade de recriar um imaginário socialista no século XXI. O destino dessas ideias estará vinculado, em primeiro lugar, à evolução política da classe trabalhadora e à possibilidade de novas revoluções socialistas que ainda estão por acontecer.

A luta de ideologias e práticas políticas

Ao longo destas páginas nos concentramos na democracia de conselhos e na planificação socialista. É claro que a luta de ideologias hoje não passa exclusivamente por elas, mas elas se tratam de dois problemas centrais para restabelecer o vínculo entre liberdade e necessidade, fundamental para recriar o projeto socialista no século XXI. Ambas, longe de expressarem especulações arbitrárias sobre o futuro da humanidade, enraízam-se nas crises orgânicas do capitalismo contemporâneo. Sob a sua influência ocorre o desmantelamento, mais ou menos generalizado, da estrutura hegemônica que sustentou o ciclo neoliberal. A crise da democracia burguesa e o estreitamento do pacto social neoliberal são a base potencial para a visibilidade de formas alternativas de resolver velhos problemas, tanto à esquerda como à direita. Neste quadro, atualizam-se as perspectivas de choque de ideologias e, com elas, a necessidade de expressar o projeto socialista nas suas diferentes dimensões.

O desenvolvimento de uma nova ideologia – “nova” não no sentido de mera novidade, mas como um fator que atua em algum nível na realidade – é uma condição necessária mas não suficiente para substituir crenças cristalizadas como senso comum. Uma abordagem revolucionária, que aspira travar uma verdadeira luta de hegemonias, implica que a luta das ideologias se desenvolva de mãos dadas com certas práticas que lhe correspondem. Quando os sovietes surgiram pela primeira vez em 1905, tanto Trótski como Lenin – este último em polêmica com a maioria dos bolcheviques – viram neles uma nova prática política desenvolvida pelo movimento de massas, antagônica à prática política burguesa, que permitiu a articulação de diversas reivindicações e formas de luta a serem articuladas em novas instituições de auto-organização para criar um poder alternativo. Este tipo de abordagem é muito relevante para pensar a recuperação da temática conselhista hoje.

O problema passa pela correspondência entre a democracia conselhista na sua dimensão ideológica e uma determinada prática política. Esta ligação implica o estabelecimento de uma forma específica de intervenção nos processos de luta de classes, intimamente ligada ao desenvolvimento de instituições próprias da classe trabalhadora e do movimento de massas. Essa intervenção começa ao nível da vanguarda e dos setores de massas que primeiro se mobilizam, mesmo a nível molecular, através de instituições de unificação e coordenação de lutas. Dada a maior heterogeneidade e fragmentação da classe trabalhadora, políticas como a desenvolvida por Trótski sob o nome de “comitês de ação” que abordamos mais especificamente noutros artigos [50] assumem especial relevância. Este tipo de instituições são um mecanismo indispensável para tornar efetiva as políticas de frente única e, portanto, para o desenvolvimento dos próprios conselhos. Ao mesmo tempo, têm a capacidade de potencializar as forças dos revolucionários como organizadores dos setores mais avançados do movimento operário e de massas.

A mesma coisa acontece com a questão da planificação socialista. Embora, por um lado, tal como a democracia de conselhos, como sistema, pressuponha a conquista de um Estado dos trabalhadores, por outro lado, tem um sentido mais amplo, como manifestação ideológica, que está ligada à força da ideia do coletivo. As crises capitalistas com o seu papel desorganizador nas relações de produção permitem evidenciar a necessidade da planificação e do coletivo. Frente a estas crises, a perspectiva da planificação está ligada em primeira instância à noção de “controle operário” da produção, que questiona o controle capitalista dentro das empresas ao mesmo tempo que procura introduzir uma ideia elementar de planificação racional dos recursos. É um apelo ao conhecimento e à criatividade dos trabalhadores enquanto produtores para desmascarar as fraudes dos capitalistas e expor o desperdício e a arbitrariedade produtiva que o capitalismo impõe na procura do lucro.

Trótski apresenta isso dessa forma no Programa de Transição. Como consigna transicional, o controle e a gestão dos trabalhadores está ligado ao questionamento de experiências próximas aos trabalhadores, como o despotismo patronal, os privilégios e a arbitrariedade na organização capitalista da produção e a apropriação de seus frutos. [51] No Programa de Transição coexistem duas dimensões de controle e gestão operária. Uma ligada a ações parciais como a ocupação e gestão direta de trabalhadores de empresas privadas que fecham para transformá-las em empresas de serviço público. Outra mais ampla, ligada mais diretamente à conquista de um Estado operário, relacionada com a expropriação dos bancos privados e a nacionalização do sistema de crédito, bem como a expropriação de setores estratégicos da economia. Em ambos os casos, a sua implementação representa uma escola de planificação econômica que procura abrir caminho para novas práticas, também ligadas ao desenvolvimento de comitês de fábricas e de empresas, e à coordenação destes a nível local, regional e nacional.

Tomados em conjunto, tanto a articulação em instituições auto-organizadas na perspectiva dos conselhos, como o controle dos trabalhadores na perspectiva da planificação econômica, referem-se a um tipo de prática política não corporativa que aponta para a emergência da classe trabalhadora como sujeito hegemônico. Essa prática transcende a rotina imposta pelo regime burguês, limitada à interpelação do trabalhador como um assalariado que luta pelo preço da força de trabalho ou como um cidadão atomizado que vota de tempos em tempos no político da sua escolha. Essa prática propõe um certo tipo de intervenção nos sindicatos que, para além das lutas salariais, implica a luta pela unidade dos diferentes setores do movimento operário e de massas que a burocracia divide. O mesmo acontece no campo eleitoral e parlamentar, onde implica uma intervenção intimamente ligada ao desenvolvimento da luta extraparlamentar.

A importância desta abordagem deve-se ao fato das ideologias serem também práticas que se ajustam a uma determinada concepção de mundo. As ideologias adquirem consistência e encarnam-se nos setores de massa não por acaso, mas porque de alguma forma expressam necessidades estruturais profundas. É claro que isso não acontece de forma mecânica ou automática. Para que isso aconteça, devem se dar lutas de ideologias capazes de influenciar duradouramente as práticas e cristalizar-se numa disputa de hegemonias alternativas. Isto implica a constituição de instituições independentes, típicas do movimento de massas. É assim que se configura a “guerra de posições” que a classe trabalhadora deve travar pela sua autonomia face à estatização das suas organizações. Uma “guerra de posições” de caráter preparatório que não só inclui momentos de “guerra de manobras” mas também adquire o seu sentido final na prova da passagem estratégica à “guerra de manobras” para a conquista do poder. [52]

Nesta “guerra de posições”, a luta pela constituição de partidos revolucionários em terreno nacional e internacional procura condensar a vontade que emana e que impulsiona a luta de ideologias e o desenvolvimento de novas práticas capazes de coagular numa verdadeira alternativa hegemônica. Isso será feito através da implantação de uma série de mecanismos que têm as suas raízes na classe trabalhadora, nos movimentos sociais e democráticos e em setores da intelectualidade. Como disse Gramsci: “O elemento decisivo de toda situação é a força permanentemente organizada e predisposta há muito tempo, que pode ser avançada quando uma situação for considerada favorável (e será favorável apenas na medida em que tal força exista e esteja cheia de ardor combativo). É, portanto, uma tarefa essencial assegurar de forma sistemática e paciente que esta força seja formada, desenvolvida e tornada cada vez mais homogênea, compacta e autoconsciente”. [53]

Em tempos como o atual, onde se conjugam o regresso da intensidade política e a reabertura do terreno à luta das ideologias, a recriação do projeto socialista e o horizonte da sua transformação em força material estão cada vez mais interligados. As questões que apresentamos nestas páginas têm o duplo objetivo de repensar dois problemas centrais para a luta de ideologias como a democracia de conselhos e a planificação socialista com base nas novas circunstâncias históricas e, ao mesmo tempo, a sua ligação com o desenvolvimento de novas práticas, de instituições típicas do movimento de massas e das organizações revolucionárias. Para além dos aspectos que abordamos, de forma muito parcial seguramente, o sentido destas linhas é, acima de tudo, promover um debate que acreditamos ser indispensável para a reconstrução do marxismo revolucionário no século XXI. Esperamos ter contribuído para isso.


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FOOTNOTES

[2Trotsky, León, “Completar el programa y ponerlo en marcha”, en El Programa de Transición y la fundación de la IV Internacional, Buenos Aires, Ediciones IPS–CEIP León Trotsky, 2017 (Obras Escogidas 10, coeditadas con el Museo Casa León Trotsky), p. 163.

[3Badaloni, Nicola, “Libertà individuale e uomo collettivo in Gramsci”, en Ferri, Franco (comp.), Politica e storia in Gramsci, Roma, Editori Riuniti, 1977.

[4Trotsky, León, “Tesis sobre la industria”.

[5Albamonte, Emilio y Maiello, Matías, “En los límites de la Restauración burguesa”.

[6Contra qualquer nostalgia da “Guerra Fria”, este choque de hegemonias sofreu uma degradação progressiva, paralela à degeneração burocrática da URSS e às deformações burocráticas que caracterizaram os novos Estados que emergiram das revoluções do pós-guerra. Os processos de “revolução política” (Berlim 1953, Hungria 1956, Checoslováquia 1968, Polônia 1980-81, etc.) que tinham a capacidade de inverter esta tendência foram derrotados. Este esvaziamento hegemónico, por assim dizer, tornou muito mais fácil que as revoltas anti-burocráticas de 1989-91 fossem desviadas para objetivos restauracionistas.

[7Anderson, Perry, “Renovaciones”.

[8A respeito, ver: Maiello, Matías, De la movilización a la revolución, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2022.

[9De Tocqueville, Alexis, La democracia en América, 2, Madrid, Alianza Editorial, 1996, p. 280.

[10Gramsci, Antonio, “Maquiavelo” (Q15, §47), Cuadernos de la cárcel, Tomo 5, México, Ediciones Era, 1999, p. 220.

[11Gramsci, Antonio, “Pasado y presente. Política y arte militar” (Q6, §155), Cuadernos de la cárcel, Tomo 3, México, Era, 1984, p. 112.

[12Trotsky, León, “El Programa de Transición”, en El Programa de Transición y la fundación de la IV Internacional, ob. cit., p. 65.

[13Cfr. Santiago Lupe, “Prólogo”, en Trotsky, León, La victoria era posible. Escritos sobre la revolución española [1930–1940], Buenos Aires, Ediciones IPS–CEIP León Trotsky, 2014.

[14Cfr. Womack, John Jr., Posición estratégica y fuerza obrera, México, FCE, 2007, p. 50 y ss.

[15Stuart Hall, John, The hard road to renewal, London/New York, Verso, 2021

[16Marx, Karl y Engels, Friedrich, “Prólogo a la edición alemana de 1872”, en El Manifiesto Comunista, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2023.

[17Arendt, Hannah, Crisis de la república, Madrid, Taurus, 1999, p. 232. Para un desarrollo crítico, ver: Cinatti, Claudia y Albamonte, Emilio, "Más allá de la democracia liberal y el totalitarismo. Trotsky y la democracia soviética"

[18Hamilton, A., Madison, J., Jay, J., The federalist, Indianapoilis, Hackett, 2005, p. 374.

[19Trotsky, León, “Un programa de acción para Francia”, en ¿Adónde va Francia? / Diario del exilio, Buenos Aires, Ediciones IPS–CEIP León Trotsky, 2013 (Obras Escogidas 5, coeditadas con el Museo Casa León Trotsky), p. 34.

[20Gramsci, Antonio, “El número y la calidad en los regímenes representativos”, Cuadernos de la Cárcel, Tomo 5, ob. cit., pp. 70–71.

[21Lenin, V. I., “El Estado y la revolución”, en Obras Completas, T. XXV, Buenos Aires, Cartago, 1958, p. 483.

[22Trotsky, León, Terrorismo y comunismo, Madrid, Fundación Federico Engels, 2005, p. 121.

[23Meiksins Wood, Ellen, Democracia contra capitalismo, México, Siglo XXI, 2000, p. 248.

[24Para um desenvolvimento dos debates em torno do “despotismo fabril” e da transição para o socialismo, ver: Cinatti, Claudia, “La actualidad del análisis de Trotsky frente a las nuevas (y viejas) controversias sobre la transición al socialismo”.

[25Lordon, Frédéric, Capitalismo, deseo y servidumbre. Marx y Spinoza, Tinta Limón, Buenos Aires. 2014, p. 147.

[26Anderson, Perry, Las antinomias de Antonio Gramsci, Barcelona, Fontamara, 1981, p. 53.

[27Marx, Karl, Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (Grundrisse) 1857–1858, Tomo 2, México, Siglo XXI, 1997, p. 231.

[28A partir da proposta de Hilferding, os conselhos da revolução alemã de 1918-1919 foram absorvidos pelo Estado burguês na forma de uma espécie de câmaras de trabalho esterilizadas do seu conteúdo revolucionário. Sobre a relação entre a democracia burguesa e os conselhos em Poulantzas, ver: Artous, Antoine, "Democracia y emancipación social (II)" e Marx, l’État, et la politique, París, Syllepse, 1999.

[29Cfr. Trotsky, León, “La revolución traicionada”, en La revolución traicionada y otros escritos, Buenos Aires, Ediciones IPS–CEIP León Trotsky, 2014 (Obras Escogidas 6, coeditadas con el Museo Casa León Trotsky).

[30Cfr. Sartori, Giovanni, Homo videns, Madrid, Taurus, 1998.

[31Thomas, Peter, The Gramscian Moment. Philosophy, Hegemony and Marxism, Leiden, Brill, 2009, p. 165.

[32Foucault, Michel, Nacimiento de la biopolítica, Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2007.

[33Ver a respeito: Albamonte, Emilio y Maiello, Matías, “Más allá de la ‘Restauración burguesa’: 15 tesis sobre la nueva etapa internacional en contrapunto con Maurizio Lazzarato”.

[34Ver: Chingo, Juan, “El fin de los ‘vientos de cola’ de la globalización neoliberal desde fines de 1970”.

[35Ver a respeito: Badaloni, Nicola, “Libertà individuale e uomo collettivo in Gramsci”, en ob. cit

[36Idem.

[37Gramsci, Antonio, “Introducción al estudio de la filosofía”, Cuadernos de la Cárcel, Tomo 5, ob. cit., p. 201.

[38Trotsky, León, “La revolución traicionada”, en La revolución traicionada y otros escritos, op. cit., p. 68.

[39Hayek, Friedrich, “El uso del conocimiento en la sociedad”.

[40Cockshott, Paul y Nieto, Maxi, Cibercomunismo, Madrid, Trotta, 2017.

[41Saros, Daniel, Information Technology and Socialist Construction, London/New York, Routledge, 2004, p. 99.

[42Cockshott, Paul y Nieto, Maxi, Cibercomunismo, ob. cit., p. 36.

[43A prioridade dada a estes objetivos esteve diretamente ligada ao tipo de estratégia que a burocracia levou a cabo no contexto da Guerra Fria, de competição em termos geopolíticos com o imperialismo norte-americano (que foi quem impôs estes termos), dando um novo significado à teoria do “socialismo” num só país” através da chamada “coexistência pacífica” após a morte de Stalin.

[44Trotsky, León, “La economía soviética en peligro”.

[45Idem.

[46Mercatante, Esteban, “Ecología y comunismo”.

[47Paul Cockshott, Allin Cotrell y Jan Philipp Dapprich en su libro Economic planning in an age of climate crisis, también realizan aportes sobre las potencialidades de la planificación socialista para evitar la catástrofe climática a la que nos lleva el capitalismo. Ver: Schapiro, Martín, “La planificación económica en tiempos de cambio climático”.

[48Cfr. Saros, Daniel, ob. cit.

[49Morozov, Evgeny, “Digital socialism?”.

[50Albamonte, Emilio y Maiello, Matías, “Trótski, Gramsci e a emergência da classe trabalhadora como sujeito hegemônico”.

[51Cfr. Trotsky, León, “El Programa de Transición”, en El Programa de Transición y la fundación de la IV Internacional, ob. cit.

[52A respeito, ver: Capítulos 3 y 4 de Albamonte, Emilio y Maiello, Matías, Estrategia socialista y arte militar, Buenos Aires, Ediciones IPS, 2017.

[53Gramsci, Antonio, “Análisis de situaciones: relaciones de fuerzas” (Q13, §17), Cuadernos de la cárcel, Tomo 5, ob. cit., p. 40
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Matías Maiello

Buenos Aires
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