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CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE | Aos 70 anos da publicação de “A Rosa do Povo”

terça-feira 4 de agosto de 2015 | 08:32

A poesia e a revolução no contexto da guerra

Em 1945 passava-se de tudo no mundo. Mas há um fato que inegavelmente salta aos olhos. Terminava ali, depois de 6 anos de confronto, a Segunda Guerra Mundial, geradora de alguns dos maiores da história mundial. A guerra era marcada pelas imagens dos campos de concentração nazistas – com as centenas de corpos judeus, ciganos e negros empilhados – e por aquelas que retratavam as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, que levaram cerca de 250 mil homens e mulheres mortos.
Como antevia Lênin, o capitalismo em sua fase imperialista é a fase de “crises, guerras e revoluções”, e os poemas de Drummond não poderiam expressar o contrário. Apesar da incontinência de mortes e massacres espalhados pelo mundo, era claro para a persona de “A Rosa do Povo” que a crise do capitalismo ao alimentar voluptuosamente as guerras e a miséria, gestam dentro de si a revolta dos trabalhadores e pobres em todo mundo. Enquanto apenas as trágicas “rosas atômicas” chamavam a atenção de grande parte da intelectualidade, Drummond sensivelmente percebia que “Uma flor nasceu na rua!”, sabendo que mesmo que “ainda desbotada”:

ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

A flor e a náusea, A Rosa do Povo

Entretanto, em “A Rosa do Povo”, marcada pelo seu cenário social de massacres, o poeta é obrigado a reconhecer uma situação de contradição para a existência da necessária revolução. Se antes clamava:

“O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”

Mãos Dadas, Sentimento do Mundo, 1940

No pós guerra, é obrigado a dizer:

“Já não há mãos dadas no mundo.
Elas agora viajarão sozinhas.
Sem o fogo dos velhos contatos,
que ardia por dentro e dava coragem.”

Mas viveremos, A Rosa do Povo, 1945

Fato, de inegável reconhecimento, é de a fins da 2a Guerra os trabalhadores, os pobres e os revolucionários percebiam que perdiam muito. Foram muitos os alistados desaparecidos e mortos, grandissíssima a carga ideológica no nazi-fascismo e, por outro lado, da supremacia norte-americana, que para ser vitoriosa, submeteu o ser humano a um rebaixamento de sua própria humanidade. Quão baixo é preciso ir para massacrar 250 mil com a bomba atômica?
Entretanto, a ideia de revolução seguiu presente para o poeta, e mesmo com a perda dos valiosos companheiros que a guerra significou, a persona poética era capaz de afirmar:

Pouco importa que dedos se desliguem
e não se escrevam cartas nem se façam
sinais da praia ao rubro couraçado.
Ele chegará, ele viaja o mundo.

E ganhará enfim todos os portos,
Avião sem bombas entre Natal e China,
Petróleo, flores, crianças estudando,
Beijo de moça, trigo e sol nascendo.

Ele caminhará nas avenidas,
Entrará nas casas, abolirá os mortos.
Ele viaja sempre, esse navio,
Essa rosa, esse canto, essa palavra.

Mas viveremos, A Rosa do Povo

O couraçado não poderia ser outro que não o Potemkin, lembrado por todos por sua tripulação que recusou o comando de ida ao Japão para fortalecer as posições russas na guerra Russo-Japonesa, que disputava os territórios da Coréia e Manchúria. O amotinamento dos operários do navio em 1905 levou à certeza de que não havia mais dentro das forças armadas hegemonia na defesa do Czarismo, abrindo campo para a intensificação dos operários e camponeses na luta contra esse Império.
Essa esperança da persona poética representa muito do que havia de interpretação das crises na visão de Lênin. Drummond coloca uma perspectiva clara: a revolta dos trabalhadores em guerra contra a sua opressão, assim como sua solidarização com os ditos “inimigos” é a faísca para uma revolta de ambos contra sua dominação. Para a persona de “A Rosa do Povo”, o espírito desse navio chegará a todo o mundo, independente dos destroços gerados pela guerra e da desunião propagada pelos blocos imperialistas.

É preciso falar das rosas… e das primaveras

A rosa – símbolo da revolução tanto em Drummond como em outros poetas, principalmente em Baudelaire – nasce, em todos os poemas do livro, fragilizada e feia. Muitos poucos são capazes de reconhecer que Drummond além de poeta era militante, e que reconhecendo que é preciso estar de “mãos dadas”, sua militância se dava no seio do maior e mais antigo partido comunista já existente no Brasil, o Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Menos ainda são aqueles que reconhecem que, apesar de sua relação política com o PCB, Drummond e seus contemporâneos nutriram visões críticas em torno do processo de burocratização que se dava na União Soviética, inclusive com retrocessos importantes nas conquistas da revolução. Essa burocratização que teve Stalin como representante recebe em “A Rosa do Povo” algumas importantes correspondências. No poema entitulado “Carta à Stalingrado”, o poeta fala da cidade em ruínas. Não é possível saber ao certo a razão das ruínas, confudem-se entre interferências da guerra e influências internas. Ao mesmo tempo, brilha nessa cidade sua capacidade de se renovar:

“Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.”

Carta à Stalingrado, A Rosa do Povo, 1945

Sabe-se que a nova Cidade pode ser ela mesma ou o mundo inteiro, assim como sabe-se que a nova Ordem deve superar a atual, tanto de todo o mundo, como também a de Stalingrado, pois ambas estão tortas.
Mesmo que de maneira crítica, como se faz em “Carta à Stalingrado”, o tempo de Drummond era de se falar em rosas. O nosso, de primaveras. A crise econômica de 1929 determinou aos anos 30 uma década de fome, desemprego e totalitarismo em muitos pontos do mundo. Aos fins de 30, a crise pariu a guerra, que ao seu fim, após alguns anos de recuperação econômica da burguesia, levou à decadas como as de 50, 60 e 70, marcadas pela convulsão social, lutas por direitos civis das mulheres, negros e LGBTs, reorganização da classe operária em partidos e sindicatos. A crise econômica que começamos a viver em 2008 não poderia ser diferente. Foi seguida, desde seu marco inicial com a queda do Lehman Borthers, por quase uma década de ataques aos trabalhadores, cortes de direitos, maior repressão, mais xeonofobia, racismo, machismo e LGBTfobia.
Mas nenhum desses setores jamais se calou na história, e mais uma vez não se calarão. Estamos em tempo de primaveras, como foi a árabe eclodida em 2010, as rosas diárias que nascem nas ruas de Atenas contra os ataques da Tróika e a submissão dos governos – inclusive o Syriza – às exigências de Merkel, o ressurgimento de mobilizações e organizações operárias na África do Sul, duríssimas greves na Nigéria e no Congo, protestos massivos contra a violência policial nos EUA, números recordes de dias e quantidade de greves em todo o Brasil.
Na USP ocorrerá, a partir de amanhã, o “Seminário Internacional: 70 anos de Rosa do Povo”, e é a luz do cenário passado e das tarefas que os lutadores de hoje devem levar adiante que nos propomos a refletir essa obra, desafiados por Drummond a não “adiar para outro século a felicidade coletiva”.




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