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ARGENTINA E #ABORTOLEGAL2020 | Andrea D’Atri: “Existe uma batalha em curso dentro e, principalmente, fora do Congresso para que se torne lei”

Entrevistamos Andrea D’Atri, fundadora da agrupação Pão e Rosas sobre quais são as expectativas para a nova tramitação do projeto de legalização do aborto na Argentina.

Andrea D’Atri@andreadatri

segunda-feira 7 de dezembro de 2020 | Edição do dia

O que você opina do projeto apresentado pelo Poder Executivo argentino que começou a ser debatido?

Em primeiro lugar, esclarecer que o projeto enviado pelo presidente é debatido junto com o que foi apresentado pela oitava vez, em 2019, pela Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto. Tem em comum que ambos legalizam a interrupção voluntária da gravidez até a semana 14 de gestação, inclusive. Outros artigos também coincidem; porém, existem pontos essenciais que diferem e haveremos de lutar para que seja aprovado um projeto que inclua a maior amplitude de direitos para as mulheres e pessoas gestantes, o que será novamente questionado pelos fundamentalistas anti-direitos, setores reacionários e cúpulas eclesiásticas que têm seus representantes e aderentes tanto no bloco do Juntos por el Cambio quanto no próprio bloco do governo.

Andrea D’Atri com Nora Cortiñas e outras referências do movimento de mulheres, durante a primeira apresentação do projeto da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto, maio de 2007.

A objeção de consciência incorpora algo que não estava no projeto da Campanha pelo Direito ao Aborto, do que se trata?

Sim, a objeção de consciência foi incorporada no debate de 2018, que terminou com a meia sanção entre Deputados e o rechaço da lei no Senado. Naquela oportunidade, o projeto estabelecia claramente no artigo 11 que “Cada estabelecimento de saúde deve ter um registro dos profissionais objetores, devendo informar o mesmo à autoridade de saúde de sua jurisdição. Fica proibida a objeção de consciência institucional e/ou de ideário.” Ou seja, embora seja permitida a objeção de consciência individual, por parte dos profissionais que assim requeiram, está expressamente proibido que uma instituição possa aderir à objeção de consciência. Toda instituição de saúde deve garantir que haja pessoal idôneo que não objete a prática da interrupção voluntária da gravidez. Hoje, porém, o projeto do governo estabelece o direito à objeção de consciência dos profissionais de saúde e só indica que o mesmo deve “Encaminhar de boa fé a paciente para que seja atendida por outro ou outra profissional de forma temporária e oportuna, sem demoras”, mas omite a referência às instituições tampouco estabelece quem regularia e velaria pelo cumprimento da requisição de quem solicita a IVG (interrupção voluntária da gravidez). Isso levará, inescapavelmente, ao não cumprimento do direito, como já se viu acontecer no Uruguai, onde há objeção de consciência por todos os profissionais de um departamento inteiro do país.

Quais as outras diferenças?

Entre as mais perigosas, que se prolonga de 5 a 10 dias o período máximo que se estabelece entre a solicitação da IVG e sua realização. Outra coisa é que se propõe uma pena de 3 meses a 1 ano de prisão Às pessoas que praticaram um aborto após as 14 semanas de gestação. No projeto original da Campanha pelo Direito ao Aborto não se estabelecia nenhuma sanção às mulheres e pessoas gestantes que incorreram nessa situação.

Representando o Pão e Rosas, falando a favor da legalização do aborto nas audiências de debate da lei na Câmara de Deputados em 2018

Há expectativas de que dessa vez finalmente “Seja Lei”?

Pessoalmente, creio que o governo e setores afins tentaram criar essa expectativa, esperando que a maré verde deixe “nas mãos” do Congresso o assunto, que passa ou passa. No entanto, não podemos nos esquecer o que aconteceu todas as vezes que o movimento de mulheres lutou contra omissões, promessas e bloqueios, nem o que aconteceu em 2018 no Senado. Estarmos nas ruas foi e segue sendo a única garantia. Em 2018 vimos que a meia sanção dos Deputados foi obtida em razão da enorme mobilização de centenas de milhares de pessoas em vigília permanente, após mais de 22 horas de debate e por apenas quatro votos de diferença. Os setores anti-direitos, daquele momento até agora, se fortaleceram inclusive com a incorporação de representantes da Igreja Católica e das igrejas evangélicas como funcionários do regime.

A única força que temos para enfrentar as pressões e manobras no Congresso é a de nossa mobilização.

Por isso não devemos abandonar as ruas. Sempre que isso acontece, avança a direita controlando o debate e limitando ainda mais nossos direitos.

Pão e Rosas presente durante a vigília no Congresso, quando se deu a meia sanção para a lei em 2018

O que farão desta vez os deputados da Frente de Esquerda?

O mesmo que fizemos em 2018 e que levantamos nas ruas, nas campanhas eleitorais, no programa da Frente de Esquerda e em cada uma das organizações que integramos: defender o direito das mulheres e pessoas gestantes a decidir e que se evitem as mortes por abortos inseguros e clandestinos. Somos o único bloco do Congresso cujos integrantes sustentam a mesma posição e não existem “surpresas” de última hora. Sempre apoiamos, impulsionamos e nos mobilizamos pelo projeto de legalização do aborto que surgiu do próprio movimento de mulheres e que tem uma trajetória de mais de uma década de luta e de apresentações que foram expostas no Congresso há muito tempo.

Nosso compromisso não varia segundo as oportunidades políticas, como sucede com os blocos governistas e da oposição do Juntos por el Cambio: apoiaremos a lei que o movimento de mulheres e a maré verde considere que garante esse direito fundamental

Os direitos não se mendigam, se conquistam, e o movimento de mulheres na Argentina não tem nenhuma dívida com nenhum governo; se chegamos até aqui é por nossa própria luta e mobilização que persistiu durante tantos anos e alcançou uma massividade inédita recentemente, sobre a qual não existe retorno. Será lei? Não podemos saber de antemão, porque isso será o resultado de uma batalha que está em curso e que temos que sair a lutar do lado de dentro e, principalmente, no de fora.

A votação é no Congresso, mas a vitória é nas ruas

Com o deputado Nicolás del Caño, do PTS/Frente de Esquerda, durante a última apresentação do projeto em 2019




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