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Agronegócio, desindustrialização e subordinação ao imperialismo no Brasil de Bolsonaro

Leandro Lanfredi

Agronegócio, desindustrialização e subordinação ao imperialismo no Brasil de Bolsonaro

Leandro Lanfredi

O Brasil ardendo nas chamas do agronegócio, Bolsonaro defendendo o agronegócio na ONU e negando a crise ambiental produzida pela forma específica do desenvolvimento capitalista no país. Uma visita de Mike Pompeo, secretário de Estado Americano, a Roraima, para, na fronteira ameaçar a vizinha Venezuela de um golpe, são três imagens significativas das transformações em curso no país.

São imagens de horror e grotescas, no entanto, marcam fortemente mudanças importantes na economia e na subordinação do país ao imperialismo. O Brasil é cada vez mais um país de agronegócio, desindustrializando-se e refém do saque das riquezas nacionais por grupos estrangeiros e seus sócios (menores) nacionais. São sócios na mineração, no petróleo (cada vez mais estrangeiro) e no próprio agronegócio onde a parte brasileira é também associada e dependente do imperialismo. Com disparidades conforme o ramo, com maior presença de “global players” brasileira na carne e na celulose, na soja e no milho há um retrato desse desenvolvimento desigual e combinado com sementes e suplementos estrangeiros, com latifúndio “nacional” operado com serviços de tecnologia e análise química nacional e, por outro lado silos, fábricas, e toda cadeia logística monopolizada por um punhado de traders estrangeiras.

A forma específica do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo brasileiro na última década, especialmente sob o governo Bolsonaro, acentua os elementos de atraso e dependência do país. Porém, esse mesmo desenvolvimento que nacionalmente e em alguns lugares significa entregar a Embraer a Boeing ou diretamente a sucatear, fechar a Petrobras em vários lugares, aparece como modernização e industrialização capitalista nos pólos de desenvolvimento do agronegócio e da mineração, como o desenvolvimento do assalariamento, do comércio, de serviços de alta tecnologia (como é o agronegócio moderno, dependente de análises químicas, drones, automação) e até mesmo de indústrias (simples e primárias muitas vezes) como de processamento de carnes, fabricação de biodiesel, mas também a instalação de indústrias mais tradicionais como a de fabricação de tratores e outros equipamentos.

Tomando o país globalmente predomina o elemento de atraso e dependência, e sua concomitante desindustrialização, mas isso não é regionalmente uniforme e dá as caras híbridas do capitalismo no país, que é fazenda do mundo, pasto aberto a chamas e também monitoramento por drones da produtividade da soja. O acelerar desse projeto e coloca-lo todo para bater continência aos EUA e a Trump é a cara particular que Bolsonaro imprimiu ao regime do golpe institucional.

Essas mudanças precedem ao golpe institucional de 2016 mas se aceleraram desde então, especialmente com o reacionário governo de Bolsonaro. O relativamente pequeno barulho da mídia frente às declarações de Bolsonaro na ONU, ou até mesmo frente às criminosas queimadas, ou mesmo o protocolar protesto de Maia diante de Pompeo ilustram a profundidade do pacto entre todos atores golpistas da direita tradicional com o bolsonarismo e como está se consolidando um regime do golpe.

Outra mostra do pacto pode ser visto no aplauso uniforme, do PT nordestino, passando pela grande mídia e pelos atuais membros STF, a Kassio Nunes, novo indicado de Bolsonaro ao STF, um desembargador com credenciais no centrão e pró-agronegocio, tendo sido um dos responsáveis pela liberação do cancerígeno agrotóxico glifosfato, rendendo público reconhecimento de Kátia Abreu por sua mãozinha nesse crime ambiental e contra a saúde humana.

O pacto do Bolsonarismo, com STF, com a Globo, com o Congresso e uma consolidação de um regime do golpe, que inclui cada vez maior autoritarismo judicial, maiores interferências e limitações ao sufrágio generalizando os impeachments e cassações por liminar, inclui naturalizar a extrema-direita, o papel dos militares na política. Esse regime inclui todas essas mostras políticas, mas também inclui uma base material que une DEM, PP, PMDB, PSL, militares, Bolsonaro.

Essa consolidação e pacto não elimina as diferenças entre os atores, nem a preparação para competição e atritos futuros. Mas essas diferenças não são, no momento, disruptivas. Há acordos importantes, interesses materiais concretos que são compartilhados, por exemplo no agronegócio, mineração, petróleo. Cada um dos partidos do golpismo tem laços fortes com esses interesses e atua firmemente em defesa de lobbys da Shell, Monsanto, e dos donos da Vale. E assim podem todos eles, mesmo com divergências, caminhar juntos num projeto de país “fazenda do mundo”, não ver nenhum problema na desindustrialização do país, e em aumentar a subordinação ao imperialismo. Todos esses elementos contribuem a pensar o que está se unificando hoje nesse pacto e qual sua base material para além das conveniências políticas momentâneas.

O preço a pagar por esses acordos mede-se em cinzas de queimadas, perda de empregos, e enriquecimento estrangeiro. Tomar algumas medidas destas transformações estruturais na economia, na sociedade e na política nacional são cruciais para orientar a resposta anticapitalista necessária pelos trabalhadores.

O nexo de fogo entre agronegócio, desindustrialização e subordinação ao imperialismo

A exportação de soja é dominada por um punhado empresas, as traders, praticamente todas elas estrangeiras. A maioria delas participa de um movimento chamado “moratória da soja” que impede a comercialização de soja produzida em terras desmatadas depois de 2006. Essa limitação a quais terrenos podem ser ocupadas pela soja transgênica e consumidora de imensa quantidade de agrotóxicos empurra a produção de cana, de pasto para bois e de algodão, Pantanal e Amazônia adentro. Para esses outros produtos não há similar moratória. A Cargill, Amaggi, Dreyfuss, ADM e outras gigantes podem se dizer preocupadas com o meio-ambiente enquanto outros parceiros do agronegócio sujam suas mãos e o agronegócio diversifica os países compradores para se tornar menos refém de pressões ambientais da juventude e da classe trabalhadora que influenciam governos europeus.

Graças ao uso cada vez mais extenso de terrenos – abertos com fogo – e ao mesmo tempo uso intenso de fertilizantes e agrotóxicos, o agronegócio brasileiro consegue exibir em diversas localidades produtividades maiores do que seu concorrente e modelo aspiracional– o agronegócio americano.

Essa produtividade, que a Globo exibe em propagandas “o AGRO é POP”, que Bolsonaro lauda na ONU, tem significado a criação de alguns empregos de serviço e indústrias no interior do país. A Confederação patronal do agronegócio, a CNA, gabe-se em seu site de ser o setor que mais gerou empregos no país (98.230 empregos com carteira assinada), mesmo em meio à pandemia. Esse desenvolvimento capitalista, com sua bárbarie ambiental associada, faz crescer cidades e toda uma burguesia e pequeno-burgesia no interior do país que é parte fundamental para entendimento da maior centralidade na política nacional de políticos burgueses (juízes inclusos) oriundos do Paraná, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins. Essa base que Bolsonaro colhe foi plantada pelo PT como argumentado em outro artigo.

Ano a ano cresce a fortuna que é desprendida no “Plano Safra” para financiar o latifúndio e os monopólios capitalistas no campo. Ano que vem o orçamento será de imensos R$236 bilhões. Com esses recursos públicos, flexibilidade nas leis ambientais e dólares da exportação desenvolvem-se uma burguesia mas também grandes monopólios do comércio, como as Lojas Havan de Luciano Hang, com suas estátuas da liberdade a aparecer no horizonte de cada cidade do agronegócio.

Que o mais famoso empresário brasileiro do momento seja um comerciante e bajulador dos EUA e não um industrial ou um banqueiro ilustra um momento político mas também econômico. Se alguns anos atrás era difícil algum brasileiro que não conhecesse o nome Eike Batista ou o nome Odebrecht agora o mesmo vale para essa versão mais subordinada ao imperialismo da mesma classe.

Esta no cerne de como se desenvolve o agronegócio no Brasil uma imensa dependência e subordinação ao imperialismo, ela passa pelas “traders” e pela adoração às estátuas da liberdade mas vai além. As sementes são produzidas por empresas estrangeiras, os agrotóxicos importados, e até mesmo os fertilizantes nitrogenados também são, graças a decisão política do Bolsonarismo de ordenar a Petrobras a fechar as últimas fábricas deste tipo de fertilizante no país. O resultado é que um dos maiores mercados mundiais de fertilizantes importa tudo. Por outro lado, surgem serviços químicos e tecnológicos para garantir maior produtividade e instalação de fábricas para processamento da produção ou mesmo para produção de maquinaria. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo significa cada vez mais agronegócio, desindustrialização e subordinação, mas todo esse atraso desenvolve-se apoiando-se não somente em formas arcaicas, pré-capitalistas, mas criando cidades no interior do país, com assalariamento tradicional ou até mesmo com utilização de “apps” para aumentar a exploração de uma geração de boia-frias 2.0 demandados pelo latifúndio por aplicativo em alguns locais.

Esse movimento de aumento da dependência do imperialismo e suas empresas no setor mais pujante da economia nacional, o agronegócio e a extração de riquezas minerais e petrolíferas, aumenta o movimento de desindustrialização e primarização de toda a economia já que mesmo indústria básicas como de produção de fertilizantes ou de refino de hidrocarbonetos são descontinuadas no país, custando empregos e aumentando os lucros imperialistas.

A ONU publicou recentemente estudo que mostra que o Brasil tinha 10ª maior indústria de transformação do mundo em 2005, em 2019 ela já era a 16ª maior. O país tem conseguido a façanha de não somente diminuir sua porcentagem de participação na indústria mundial (agora em ridículos 1,2%) como conseguiu diminuir o valor per capita de sua produção para abaixo da média mundial e até mesmo abaixo da média de países “em desenvolvimento”. Se em 2005 a ONU quantificava que a cada brasileiro havia uma produção industrial de US$1024,86, em 2015 ela já era de US$781,81. Enquanto isso os países “em desenvolvimento” passaram de US$512,10 para US$1025,87 no mesmo período.

O resultado global, segundo a ONU, é que a produção industrial brasileira em 2005 estava em US$ 191 bilhões e em 2018 tinha praticamente ficado estacionada em US$209 bilhões. Porém este resultado se produziu com alteração do peso dos diferentes ramos de indústria e crescente primarização e aumento da penetração imperialista.

O valor adicionado da indústria brasileira tinha os seguintes ramos como os mais importantes em 2018: 22,6% alimentos, 13,4% produtos químicos, 8,6% petróleo e derivados, 7,3% automotores, 6,9% máquinas e 5,7% metais básicos. Esses resultados, com crescimento do setor “alimentos” e de petróleo, deve-se sobretudo à queda da produção de automóveis e aviões, e ilustra uma primarização da indústria bem como do aumento do capital estrangeiro que domina cada um destes ramos, inclusive a produção de petróleo e derivados cada vez mais privatizada.

Os setores onde o país se destaca e consta no “top15” segundo a ONU são quase todos de menor tecnologia e mais primários, são eles: alimentos (8º), bebidas (7º), têxteis (13º), vestuário (8º), couro (4º), papeis (5º), petróleo e coque (9º), produtos minerais não metálicos (15º), metais básicos (8º), veículos (14º), móveis (11º).

A transformação do país, paulatina, em fazenda do mundo e com crescente desindustrialização e subordinação ao imperialismo, acontece aos poucos e não bruscamente dificultando sua correta apreciação, salvo quando nuvens de queimadas encobrem o sol, mas desde já constituem o terreno concreto para a atuação.

Como se chegou até aqui?

O golpe institucional e particularmente o governo Bolsonaro significaram um salto na liberação para as queimadas, para o aumento do uso de agrotóxicos, para aumentar as privatizações e retirada de direitos dos trabalhadores. Mas o processo não se iniciou em 2019 ou mesmo em 2016.

O incentivo ao agronegócio data de muitas décadas mas deu um salto nos anos do governo do PT. A conjuntura internacional de maior demanda chinesa, indiana e do oriente médio por alimentos combinado a centenas de bilhões de reais por ano ao agronegócio permitiu que o país passasse ao atual posto de destaque. Esse posto de destaque cobra um preço ambiental mas também político. A soja, o boi, a celulose foram aumentando o poder de suas bancadas e em determinado momento viram a oportunidade de ao invés de se postar como aliados subordinados poderiam passar a ser setores cruciais na definição dos rumos do país.

Na relação com o imperialismo uma mudança similar também vem ocorrendo. Se em 2013 o escândalo era de escutas americanas a Dilma e Petrobras, e uma relativa tensão na relação com um Brasil que buscava maiores margens de manobra na economia e na política mundiais e ao mesmo tempo cumpria um papel crucial como terreno para acumulação capitalista estrangeira, como plataforma para todo o Cone Sul e, ainda desempenhava, de bom grado pelo PT, um papel decisivo para os interesses imperialistas na região, como por exemplo na liderança da criminosa ocupação do Haiti. Dali em diante vimos crescente subordinação.

Para tentar se sustentar no poder Dilma e o PT ofereceram à burguesia que poderiam alterar as leis do petróleo para aumentar a participação estrangeira e começar a retirada de direitos dos trabalhadores (alterando o seguro desemprego por exemplo) mas a subordinação que era desejada em Wall Street, na Bovespa era muito maior. Bolsonaro e Luciano Hang levam a subordinação ao paroxismo. Maia, por exemplo critica a subordinação a Pompeo em suas ameaças golpistas a Venezuela por serem feitas em território nacional (e não em si), coloca limites mas são limites dentro do marco do projeto de aumento da subordinação. O mesmo pode ser dito no que toca a proteção florestal, a Globo protesta o impacto na imagem brasileira e como isso pode ter consequências negativas no comércio exterior, mas continua sistematicamente saudando o agronegócio e seus resultados e omitindo o evidente nexo de queimadas, agronegócio e subordinação.

Não se pode esperar algo diferente da Globo, pode-se objetar. Mas é justamente uma ideia simples como essa que está radicalmente ausente do horizonte político da esquerda brasileira, que busca combater a extrema direita junto da direita e de dissidências da própria extrema direita, que busca o centrão ou o STF para frear privatizações, que busca conscientizar quem lucra com a destruição do país, etc. As alianças eleitorais consolidam esse programa político que favorece um projeto de país de fazenda do mundo e toda sua subsequente destruição ambiental, desindustrialização, subordinação ao imperialismo. Em centenas de cidades do país temos o PT e o PCdoB coligados com o PSL, com queridinhos da Globo e do golpismo como DEM, PSDB, PMDB, mas também PDT e PSB que discursam diferente dos golpistas mas votam a favor de reforma da previdência, privatizações do saneamento e etc.

Por esse caminho quem ganha é quem lucra com a pilhagem das riquezas do país. Ganha já de antemão, pois não encontra uma oposição de classe a seus projetos. E é justamente isso que é necessário desenvolver, uma força revolucionária dos trabalhadores que se prepare não para a conciliação mas para a luta de classes. Uma esquerda que olhe para o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo no país e não fique buscando um burguês supostamente progressista ou nacionalista para enfrentar essa realidade. O combate ao asco bolsonarista, a todo atraso e subordinação propagado pelo STF, pelo Congresso, por Mourão e militares, não pode se dar sob a bandeira de um impossível retorno ao capitalismo de um punhado de anos atrás como o PT tenta incensar, mas sim sob a perspectiva de uma nova tradição, revolucionária, que veja que está nas mãos da classe trabalhadora brasileira tomar posse de imensas possibilidades naturais e humanas que permitam estabelecer um novo metabolismo com a natureza e também entre os seres humanos, colocando tantas riquezas do solo a serviço das infinitas possibilidades humanas. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo com maior proletarização no campo, maior dependência de todo país ao agronegócio, entrelaçou ainda mais as “velhas” tarefas democráticas – extinção do latifúndio, independência do imperialismo – com a luta por um governo operário de ruptura com o capitalismo. Os velhos problemas se renovaram, e se recolocaram, agora nas mãos de uma classe trabalhadora que se tornou uma maioria negra e feminina e que pode abrir caminho não somente contra o atraso e contra o imperialismo, mas para fazer do imenso Brasil um elo da luta pela abolição do capitalismo em todo o globo.


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Leandro Lanfredi

Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi
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