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MARXISMO | A transformação da moral, por Leon Trotski

O artigo que se publica abaixo, escrito em outubro de 1923, foi publicado pela primeira vez em inglês em Inprecorr, Vol. 3, N° 67. Fonte: The Fourth Internacional, August 1945, Vol. 6 N° 8. Digitalizado: “Marxists Internet Archive”.

terça-feira 16 de janeiro de 2018 | Edição do dia

Outubro 1923

(Tradução ao português por Lara Zaramella)

A teoria comunista está dezenas de anos adiantada frente a nossa atualidade russa – em algumas esferas talvez esteja inclusive um século adiantada. Se não fosse assim, o partido comunista não seria um grande poder revolucionário na história. A teoria comunista, mediante seu realismo e agudeza dialética, encontra os métodos políticos para assegurar a influência do partido em qualquer situação dada. Mas a ideia política é uma coisa e a concepção popular da moral, é outra. A política muda rapidamente, mas a moral se aferra com tenacidade ao passado.

Observar a vida tal como ela é

Isto explica muito sobre os conflitos entre a classe operária, em que os novos conhecimentos lutam contra a tradição. Estes conflitos são mais difíceis, porque não encontram expressão e cobram publicidade na vida social. A literatura e os meios de comunicação não falam deles. As novas tendências literárias, ansiosas em manter o ritmo da revolução, não se preocupam pelos usos e pelos costumes baseados na concepção da moral existente, já que querem transformar a vida, não descrevê-la! Mas a nova moral não pode se criar do nada, deve se chegar a ela com a ajuda dos elementos já existentes, para desenvolvê-los. Portanto, é necessário reconhecer quais são esses elementos. Isto não só se aplica à transformação da moral, mas também a cada uma das formas da atividade humana consciente. Portanto, em primeiro lugar é necessário conhecer o que já existe, e de que maneira está se desenvolvendo sua mudança e sua forma, se queremos cooperar na recriação da moral.

Primeiro devemos ver o que é que está sucedendo na fábrica, entre os trabalhadores, nas cooperativas, nos clubes, nas escolas, nos bares e na rua. Temos que entender tudo isto, ou seja, devemos reconhecer os vestígios do passado e os gérmenes do futuro. Devemos apelar aos nossos autores e jornalistas que trabalhem nesta direção. Devem nos descrever a vida tal como emerge da tempestade da revolução. O estudo da moral da gente trabalhadora deve se tornar uma das principais tarefas dos jornalistas, pelo menos para aqueles que têm seus olhos e ouvidos atentos a isso. Nossa imprensa deve ver que o que se escreve é a história da moral revolucionária. E a imprensa deve também deixar claro a seus colaboradores entre a classe operária sobre isto. A maioria dos nossos jornais poderiam fazer muito mais em relação a isso.

Para poder alcançar tal alto estado de cultura, a classe trabalhadora – e sobretudo a sua vanguarda – deve alterar sua moral deliberadamente. Deve trabalhar deliberadamente para este objetivo. A burguesia antes de chegar ao poder, tinha realizado sua tarefa até certo grau através de seus intelectuais. Quando a burguesia seguia sendo uma classe na oposição, havia poetas, pintores e escritores que já estavam pensando por ela.

Por que fracassou a Ilustração burguesa?

Na França, no século XVIII, chamado como o século da Ilustração, foi precisamente o período no qual os filósofos burgueses estavam mudando a concepção da moral social e privada e tentavam de todas as formas subordinar a moral ao domínio da razão. Os filósofos estavam ocupados com questões políticas, com a igreja, com as relações entre homens e mulheres, com a educação, etc. Não há dúvida de que o simples fato da discussão destes problemas tenha contribuído enormemente em elevar o nível intelectual e cultural entre a burguesia. Mas todos os esforços feitos pelos filósofos do século XVIII para a subordinação das relações sociais e privadas ao reino da razão, se tornaram migalhas com um só fato – o fato de que os meios de produção estavam em mãos privadas, e estas eram as bases sobre as quais a sociedade devia se construir de acordo com os princípios da razão. Para a propriedade privada o livre jogo das forças econômicas significa que estas não estão totalmente controladas pela razão. Estas condições econômicas determinam a moral e, enquanto as necessidades do mercado de mercadorias dominem a sociedade, é impossível subordinar a moral popular à razão. Isto explica os escassos resultados práticos que subjazem nas ideias dos filósofos do século XVIII, apesar do engenho e audácia de suas conclusões.

“A jovem Alemanha"

Na Alemanha, o período da Ilustração e da crítica chegou a meados do século passado. “A jovem Alemanha", sob a liderança de Heine e Boerne, estava à cabeça do movimento. Aqui vemos o trabalho da crítica conquistado pela ala à esquerda da burguesia, que declarou guerra ao espírito do servilismo, à educação pequeno-burguesa contrária à Ilustração, e aos prejuízos da guerra, tratando de estabelecer o domínio da razão com um ceticismo maior que o de seu predecessor francês. Este movimento se amalgamou mais tarde com a revolução pequeno-burguesa de 1848, a que, longe de transformar toda a vida humana, não foi capaz nem de varrer com as pequenas dinastias alemãs.

Na nossa atrasada Rússia, a Ilustração e a crítica do estado existente na sociedade não alcançaram nenhum nível de importância até a segunda metade do século XIX. Chernishevsky, Pissarev e Dobrolubov, educados pela escola de Bielinsky, dirigiram suas críticas mais ao caráter atrasado e reacionário da moral asiática do que às condições econômicas. Opuseram o novo ser humano realista ao tipo de homem tradicional, ao novo ser humano que está decidido a viver de acordo com a razão e que se transforma em uma personalidade que possui as armas do pensamento crítico. Este movimento conectado com os chamados evolucionistas “populares" (Narodniki), tinha pouca importância cultural. Mas se os pensadores franceses do século XVIII foram capazes de ganhar uma pequena influência sobre a moral – sendo estas dominadas pelas condições econômicas e não pela filosofia, e a influência cultural imediata dos críticos sociais alemães era inclusive menor, a influência direta exercida pelo movimento russo na moral popular foi bastante insignificante. O papel histórico cumprido por estes pensadores, incluindo o movimento Narodniki, consistia na preparação para a formação do partido e do proletariado revolucionário.

Premissas para a transformação da moral

É somente a tomada do poder pela classe operária o que cria as premissas para uma completa transformação da moral. A moral não pode ser racionalizada, isto é, não pode ser feita em harmonia com as exigências da razão, a menos que a produção seja racionalizada ao mesmo tempo, já que as raízes da moral jazem na produção. O socialismo aponta em subordinar toda a produção à razão humana. Mas inclusive os pensadores burgueses mais avançados se limitaram, por um lado, às ideias da técnica de racionalizar (através da aplicação da ciência natural, da tecnologia, da química, dos inventos, das máquinas) e, por outro lado, à política (através do parlamentarismo); mas não buscaram racionalizar a economia, que permaneceu sendo presa de uma competência cega. Deste modo a moral da sociedade burguesa continua subordinada a um elemento cego e não racional.

Trotsky e um jovem soldado do exército vermelho

Quando a classe operária tome o poder, terá a tarefa de subordinar os princípios econômicos das condições sociais ao controle e a uma ordem consciente. Por estes meios, e somente por estes meios, há uma possibilidade de transformar a moral de maneira consciente. Os êxitos que iremos obter nesta direção dependem de nossos êxitos na esfera da economia. Mas inclusive em nossa situação econômica atual, poderíamos introduzir mais críticas, iniciativa e razão dentro da nossa moral, que é o que na realidade fazemos. Esta é uma das tarefas de nosso tempo. É óbvio que a mudança completa da moral: a emancipação da mulher da escravidão doméstica, a educação social das crianças, a emancipação do matrimônio de toda compulsão econômica, etc., só poderá ocorrer depois de um longo período de desenvolvimento (socialista), e dependerá proporcionalmente na medida em que as forças econômicas do socialismo dominem sobre as forças do capitalismo. A transformação crítica da moral é necessária para que as formas tradicionais conservadoras da vida deixem de existir, apesar das possibilidades de progresso que já nos apresentaram na atualidade devido às nossas fontes de ajuda econômica, ou, no mínimo, irão nos apresentar no futuro.

Por outro lado, inclusive o mínimo êxito na esfera da moral, ao elevar o nível cultural das mulheres e dos homens trabalhadores, aumentará nossa capacidade para racionalizar a produção e promover a acumulação socialista. Isto nos dá a possibilidade de conseguir novas conquistas na esfera da moral. Deste modo, existe uma dependência dialética entre a duas esferas. As condições econômicas são o fator fundamental da história, mas nós como partido comunista, e como Estado operário, só podemos influir a economia com a ajuda da classe operária, e para conseguir isto, devemos trabalhar incessantemente para promover a capacidade técnica e cultural do elemento individual da classe operária. No Estado operário a cultura trabalha para o socialismo e o socialismo, por sua parte, oferece a possibilidade de criar uma nova cultura para a humanidade, que não conhece a diferença de classes.

Das recordações de Gorki sobre Lênin

Uma tarde Lênin estava em companhia de Gorki escutando a um pianista magnífico que tocava uma sinfonia de Beethoven na casa de um amigo. Depois de escutar a sinfonia, com grande prazer obviamente, se dirigiu a Gorki e disse:

“Não conheço nada mais bonito que a Appasionata e poderia escutá-la todos os dias. Me chega e me enche de orgulho e um pensamento meio ingênuo e inocente me invade: que coisas maravilhosas as pessoas são capazes de fazer!”

E sorrindo através de seus olhos semicerrados, Lênin agregou de maneira pouco feliz:

“Mas me resulta difícil escutar música frequentemente. Crispa meus nervos. Sinto o impulso de dizer banalidades prazerosas e de acariciar as cabeças daqueles que, enquanto vivem em tal inferno, são capazes de criar tal beleza. Mas na atualidade ninguém pode acariciar a cabeça de ninguém, irão arrancar a sua mão. E mais, é necessário seguir dando golpezinhos na cabeça, bater neles sem piedade, ainda que nosso ideal seja nos opor à violência aos seres humanos. Hmmm, é uma responsabilidade infernal e difícil”.




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