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A quem interessa a intervenção e os cortes no Censo do IBGE?

segunda-feira 10 de junho de 2019 | Edição do dia

Na última semana, o IBGE esteve nas capas dos jornais após 5 gerentes de diversas áreas de pesquisa do Instituto deixarem seus cargos em protesto pelas mudanças operadas pela nova direção da instituição: A nova presidenta Susana Cordeiro Guerra, junto com o novo Diretor de Pesquisas, Eduardo Rios-Neto, tem como objetivo “inovar com menos”, para os jornais, como em recente entrevista para o Estadão tentam esconder os interesses por detrás de questionários menores, em não ouvir o corpo técnico da instituição e não explicam até o final como economizarão quase 1 bilhão no orçamento do IBGE.

Pretendemos dar um panorama da situação, trazer algumas análises importantes realizadas desde quando a nova presidenta do Instituto foi empossada e buscar trazer alguns balanços e perspectivas sobre a defesa do Censo Demográfico 2020. Toda a discussão se inicia na cerimônia de posse ocorrida no final de fevereiro junto com o Ministro Paulo Guedes, na ocasião já se indicou que deveria haver uma economia de recursos, cinicamente o ministro propôs a venda de prédios (que pelos cálculos nem dariam para pagar ⅙ de todo o Censo), defendeu a Reforma da Previdência e soltou a célebre frase: “Se perguntar coisas demais vai descobrir coisas que não quer saber”, bastante ilustrativa da perspectiva tomada internamente e externamente sobre o Censo e o IBGE.

Qual foi a intervenção?

O argumento mais utilizado para basear a “economia de recursos” com o Censo seria a redução no questionário, tanto o questionário completo, aplicado em todos os cerca de 70 milhões de domicílios no Brasil, quanto o questionário amostral, aplicado em cerca de 7 milhões (10% da amostra) e que traz dados mais detalhados. Em uma absurda argumentação baseada em uma redução de 2 minutos, passando de 7 para 5 minutos, no questionário completo, deixam para traz a experiência de milhares de pesquisadores do IBGE pelo Brasil, que sabem que o maior tempo gasto é para que se encontre e convença algum morador a responder o questionário. Não a toa, no Estado de São Paulo, as orientações aos entrevistadores regulares do IBGE (não aqueles contratados para o Censo) passam pelo tratamento detalhado das residências que não se encontrou morador, é onde cotidianamente nos esforçamos mais, no Censo esse esforço é multiplicado exponencialmente;

Quanto ao questionário amostral, que é aplicada em 1 de 10 casas, a proposta é deixar de fora questões fundamentais como tempo de deslocamento até a escola, emigração internacional, situação de bens de consumo, também se enxugou coleta sobre dados de rendimentos de trabalho e outras fontes, como as rendas de aposentadorias e pensões. Como argumenta o Centro de Estudos da Metrópole“Custos fixos, logísticos e de processamento respondem por quase 85% dos gastos totais com a operação censitária. Mas, a orientação de redução dos questionários foi mantida a despeito de sua questionável eficácia sobre a redução de custos.”

Há também um argumento metodológico, sobre a qualidade de questionários mais enxutos e obtidos de forma mais rápida. Podemos abordar essa visão sem sermos especialistas, colocando sobre a mesa uma balança em que de um lado estão uma possível (não comprovada) melhora qualitativa das informações, e de outro lado tantas outras que serão perdidas, que foram coletadas no Censo de 2010 e não poderão ser comparáveis com dados de 2020 exatamente quando, no meio disso tudo, o Brasil passa por sua crise econômica mais prolongada, com a atividade econômica abaixo de 2014, isso não teria reflexo, por exemplo, como o brasileiro obtém o dinheiro para sobreviver? Por que deixarão de fora um levantamento completo sobre com quais rendimentos o brasileiro sobrevive?

Não é intrigante que quando o governo tenta aprovar uma profunda Reforma da Previdência, o Censo não fará o levantamento de qual o real impacto das aposentadorias e pensões pagas pelos orgãos de previdência (principalmente INSS) na manutenção das famílias brasileiras?

Mas ainda há questões mais profundas que envolvem o enfraquecimento do IBGE, em um intrigante artigo na Folha de São Paulo, o ex-ministro do Planejamento da 2ª gestão de Dilma Rousseff (2015) traz uma situação paradoxal sobre a “economia de recursos” com o IBGE. Um eminente economista burguês, que fez agrados aos bancos com os maiores cortes orçamentários que o país atravessou até agora, Nelson Barbosa, que junto com o atual presidente do BNDES, Joaquim Levy, com o aval de Dilma e dos bancos, cortaram 88 bilhões do orçamento público (!). Destaco o “renôme” que tal figura tem entre bancos e empresários brasileiros pois, em artigo publicado em 7 de junho (sexta-feira) o economista destaca que as pesquisas do IBGE normalmente tendem a corrigir a inflação para baixo, o que economiza bilhões pagos anualmente pelo governo da dívida pública. Talvez esse indicativo desse senhor sem escrúpulos já começa a desenhar mais profundamente as falácias em torno da intervenção nas pesquisas e a falsa economia quando se corta recursos do IBGE.

No artigo do ex-ministro Nelson Barbosa ele não fala diretamente do Censo, mas sim de toda a estrutura do IBGE, que mantém cotidianamente o levantamento de diversos indicadores sociais, demográficos e econômicos do país, fornecendo diretamente os cálculos da taxa de desemprego e o crescimento econômico, além de publicar a inflação oficial e subsidiar diversos índices criados por diversos orgãos de pesquisa do país.Mas não há Censo Demográfico sem um IBGE fortalecido, e o calcanhar dessa enorme estrutura está extremamente fragilizada. Em números o IBGE já perdeu 30% de seu corpo técnico de milhares nos últimos anos para aposentadorias, outros 30% já podem se aposentar. As gestões passadas já tentaram realizar mais concursos, e desde então sempre foi negativa a resposta dos governos, com aposentadorias e a crescente precarização dos postos de trabalho, contratando cada vez mais temporários que recebem ⅓ do salário dos técnicos da instituição (o cargo mais baixo). A debilidade da base da estrutura do IBGE pode debilitar a coleta e o processamento dos dados do Censo 2020.

Acima de todos, o “desqualificador”

Quando analisamos as mudanças interna no IBGE já podemos perceber a incongruência da intervenção, mas ainda há o fator político, que corre na mesma lâmina de dois gumes que, por um lado (de dentro) corta o orçamento do Censo e partes do questionário, de outro (por fora) decepa a imagem dos orgãos de pesquisa nacionalmente. Em artigo na última semana denunciamos os ataques que o ministro Osmar Terra realizou a FioCruz, arquivando o Levantamento Nacional Sobre o Uso de Drogas, o argumento, diferente de Paulo Guedes, é que se mostrava que não há epidemia de drogas sobre o país, o que poderia desqualificar toda a tentativa de aumento do dinheiro para as polícias e a repressão.

Em outra âmbito, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou desqualificar o levantamento realizado pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) que mensura o desmatamento da Amazônia. Salles vive sob a corda bamba dos latinfundiários escravocratas e do capital europeu, que fornece bilhões de reais para “equilibrar” a poluição que realizam em seus países e pelo mundo, para os europeus é necessário esconder os índices, ao mesmo tempo que para os latifundiários e grileiros é fundamental que os orgãos de fiscalização deixem de atuar.

A mesma lógica é aplicada pelo presidente Jair Bolsonaro ao IBGE, para manter a demagogia que ele poderia melhorar a economia do país, tem que esconder os índices e desqualificá-los para as massas. O descrédito em relação aos índices, principalmente de emprego, mostra que Bolsonaro não tem nenhum objetivo em resolver as situações sociais e econômicas demonstradas pelo IBGE através de seus índices. A arrogância é tamanha que, demagogicamente, o presidente propõe enquetes para avaliar suas políticas.

O que para uma parte da esquerda é chamado de burrice, ou mesmo falta de capacidade para governar por não se ater às estruturas técnicas do Estado Brasileiro, o que gera críticas até da direita, na verdade se articula umbilicamente com os bancos e o capital imperialista para que o governo de Bolsonaro cumpra um papel estratégico para a burguesia: esmagar a classe trabalhadora brasileira através da Reforma da Previdência.

O Banco Mundial

Pouca atenção se deu a dois encontros realizados em abril pelo Ministro da Economia Paulo Guedes e o presidente do Banco Central Campos Neto. Um desses encontros com a direção do Banco Mundial e do FMI. Essas instituições, que estão chantageando a Argentina através da dívida externa para que sejam aplicadas reformas mais duras contra os trabalhadores, no Brasil colocam seus “think thankers” a frente de diminuir os gastos com a previdência social.

Na Europa, a ingerência do FMI, junto com o imperialismo alemão, sugou a classe trabalhadora grega, que teve inúmeros direitos retirados, a previdência foi duramente atacada e todo o sistema público de saúde e educação foi reduzido, isso em meio a uma das maiores migrações da história da humanidade passando pelo território. Ou seja, uma crise social instalada para saciar banqueiros e empresários com o fiel pagamento da dívida pública.

Para o Brasil, mais especificamente para o IBGE, foi designada Susana Cordeiro Guerra, economista do Banco Mundial, para dirigir a Instituição na última fase preparatória do Censo Demográfico 2020. Uma das críticas a sua posse era a pouca experiência “de gestão”, nunca tendo dirigido um grupo maior que 5 pessoas, disseram alguns, ela deve botar nas ruas mais de 200 mil agentes de pesquisa e processamento de dados para a realização do Censo, é uma estrutura de uma magnitude que poucos gestores da burguesia tem experiência, mas ainda assim havia outros candidatos possível. Por que ela foi a escolhida? Por que seu principal interlocutor ser exatamente Paulo Guedes? Nada é por acaso!

Um pequeno parênteses: em tempos de fake news é necessário rechaçar qualquer teoria conspiratória sobre o Banco Mundial e sua participação ativa nas equipes econômicas e dos orgãos de Estado dos governos ajustadores. O próprio autor dessas linhas teve o (des)prazer de debater com um ex vice-presidente do Banco Mundial quando a crise no Brasil ainda não chegava nos patamares atuais (veja aqui). A posição de Otaviano Canuto na época já era claramente de apoio aos ajustes como forma de garantir o religioso pagamento da dívida pública. Essa continua sendo a posição do Banco Mundial e todos aqueles que respondem em seu nome tomarão essa “Guerra” em suas mãos.

Os desafios para defender os trabalhadores do IBGE e a ciência brasileira

A intervenção e os cortes no Censo tem a proposta clara de blindar o governo e a Reforma da Previdência, mas esses fatos não ocorrem isoladamente, concomitante aos ataques preparados desde Washington para o IBGE também assistimos ataques à educação, principalmente às universidades públicas. Em brilhante artigo sobre as últimas mobilizações, o sociólogo Mauro Sala descreve a ligação entre cortes na educação e a reforma da Previdência:

“É por isso que o ataque contra o direito de aposentadoria vem articulado com o ataque e os cortes na educação. A realidade projetada pela Reforma da Previdência, pela Reforma Trabalhista e pela crise capitalista, coloca para a juventude um futuro bastante certo. Para um futuro de maior precarização do trabalho e da vida, para quê se investiria mais em educação? Os cortes na educação são apenas um prenúncio do projeto de sociedade que o governo Bolsonaro quer implementar. Um projeto onde a precarização do trabalho e da educação se alimentam mutuamente.”

Confira o artigo Precarização do trabalho e da educação: o que os cortes na educação tem a ver com a Reforma da Previdência

Aqui, nossa perspectiva se aproxima: combater os cortes e intervenções no Censo está umbilicamente ligado a defender a Previdência. Não há uma possibilidade concreta de uma defesa tática, específica, que até setores da direita como Miriam Leitão vem sinalizando, da defesa do Censo e dos institutos de pesquisa do país. O choque que Bolsonaro causa em setores tradicionais da direita brasileira não pode ser uma desculpa para que “esqueçamos” que eles buscarão atacar os trabalhadores através da Reforma da Previdência, e isso também significará precarização dentro dos mesmos institutos de pesquisa.

Mas há ainda um outro elemento mais estrutural da relação do IBGE com o país, em coluna publicada na Revista Época da jornalista Cristina Tardáguila ela afirma que: “Tampouco imagino que algum dia ouvirei panelaços em favor do livre trabalho do IBGE ou em defesa do orçamento robusto de que o órgão precisa para atuar. Mas não duvido — nem por um instante sequer — que todos os cidadãos de bem que aqui vivem desejam que as políticas públicas municipais, estaduais e federais sejam traçadas e implementadas a partir de dados de realidade, e não em ficções científicas.” Uma defesa do caráter técnico da instituição mas que encobre o profundo descolamento dessas e de outras insituições da realidade da maioria dos trabalhadores brasileiros.

Leia aqui artigo que analisa o elitismo nas universidades públicas e como é necessário uma saída profunda de ruptura que ligue a universidade aos trabalhadores

Como sintetiza um dos maiores poetas do rap brasileiro, Mano Brown, sobre as condições de vida nas periferias brasileiras:

“Um pedaço do inferno, aqui é onde eu estou
Até o IBGE passou aqui e nunca mais voltou
Numerou os barracos, fez uma pá de perguntas
Logo depois esqueceram, filha da puta!”

O desligamento das instituições científicas e de ensino brasileiras com a maioria da população, em que reste a uma pequena parcela da população o acesso aos grandes pensadores da humanidade, às metodologias científicas e ao próprio meio científico, mesmo após uma suposta “popularização” das universidades nos anos que o PT estava no poder, é a janela que Bolsonaro busca enfiar suas espadas nos castelos do conhecimento. Não podemos negar que há setores privilegiados e, nos casos das universidades, salários megalomaníacos para a realidade brasileira, e serão esses setores que buscarão revidar Bolsonaro com todas as armas, sejam de direita ou de esquerda, pouco se importando com o destino do povo brasileiro.

A luta contra a intervenção e os cortes no Censo do IBGE não pode ser restrita ao meio acadêmico, ela depende da união com a luta contra a Reforma da Previdência para debilitar o governo frente aos planos que a burguesia incubiu-lhe de realizar, e para isso busca utilizar todas as armas possíveis. Mas para além dessa defesa há uma crítica necessária à própria produção científica e intelectual no Brasil, e como isso afeta o maior órgão de pesquisa do país e a maior pesquisa demográfica e social da América Latina.

Sem uma perspectiva de transformação da situação fática da educação, que passa pelo fim do pagamento da dívida pública para que quase metade do orçamento deixe de ir para os banqueiros esteja a serviço de realmente colocar todos nas escolas, além de fornecer universidades e cursos para todos que desejarem, sem essa perspectiva de mudança na realidade um órgão que serve para “Retratar o Brasil” se voltará para os interesses daqueles que comando o Brasil, sendo o órgão interessante ou não para os governos.

Para além disso, é necessário que órgãos de pesquisa não tenham um controle somente “técnico”, como se a técnica estivesse desligada do momento político e histórico que ela é realizada. Órgãos de controle, constituídos desde os sindicatos, universidades, associações de comunidades tradicionais e de setores oprimidos para avaliarem as pesquisas e fornecer as diretrizes, em conjunto com o corpo técnico e cientistas, possam de fato superar a condição de só um “fotógrafo do Brasil” mas um aliado fundamental da superação da condição atrasada de país e subserviente aos Estados Unidos e outros imperialismos.

Para fundamentar a relação entre o Bolsonarismo e o imperialismo recomendo o livro Brasil em Ponto de Mutação, acompanhe os lançamentos aqui

Sobre a relação do Banco Mundial e do FMI com a Reforma da Previdência recomendamos o Seminário realizado no início de junho no Congresso Nacional pautando exatamente a reforma. o link segue aqui




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