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Metrô Recife | A precarização do Metrô de Recife

A população que depende cotidianamente do Metrô no Recife sente a precarização do sistema na pele. As notícias de problemas no sistema são diárias. E mesmo seu funcionamento “normal” é marcado por altos intervalos, demoras, superlotação e problemas na climatização. No entanto, qual a fonte desses problemas?

sábado 3 de setembro de 2022 | Edição do dia

A história do Metrô no Recife é longa. O sistema foi inaugurado em 1985, o terceiro metrô mais antigo do país, apenas atrás de Rio de Janeiro e São Paulo. Para sua inauguração, contou com recursos provenientes do Banco Mundial. Atualmente, o sistema é um dos maiores do país, com 71km, sendo superado apenas pelo sistema paulista, superando inclusive a malha metroviária carioca (ainda que se somarmos a extensão do metrô com a malha ferroviária administrada pela SuperVia, esta supera a malha da capital pernambucana). São 37 estações, atendendo a 5 municípios (Recife, Jaboatão, São Lourenço da Mata, Camaragibe, Cabo de Santo Agostinho) e 3 linhas diferentes (Centro, Sul e Cajueiro Seco-Cabo).

A criação do metrô de Recife se deu sob a CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos), uma empresa de capital misto que foi criada em 1984 a partir da unificação de outras empresas para centralizar os sistemas ferroviários urbanos de diferentes cidades. Os sistemas ferroviários de várias capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Maceió, Recife, João Pessoa, Natal e Fortaleza chegaram a fazer parte da CBTU, mas a partir de 1994 – com o avanço do neoliberalismo – as malhas de São Paulo, Rio, Salvador e Fortaleza foram transferidas aos governos estaduais para permitir sua privatização.

No ano de sua inauguração, o metrô contava apenas com o trecho Recife-Werneck da Linha Centro e transportou apenas 2 milhões de passageiros. Desde então, até meados da primeira década do atual século, a rede tem um processo de expansão, sendo bem marcante a criação da Linha Sul, que se deu em 2005, que permitiu a integração com os trens a diesel que vinham do Cabo, fazendo com que a rede pulasse de 25km para os atuais 71, ainda que isso tenha se dado de forma precária e bem aquém do inicialmente planejado. Além disso, os sistemas atualmente geridos pela CBTU (João Pessoa, Belo Horizonte, Recife e Natal), assim como o de Porto Alegre, não foram privatizados no grau que os trens e metrôs do Rio, Fortaleza e Salvador.

Além de promover o transporte dos trabalhadores ao seu local de trabalho, o Metrô do Recife tinha um segundo objetivo: promover o “desenvolvimento urbano” das áreas atendidas pelo sistema. Aqui, “desenvolvimento urbano” é usado entre aspas pois, na prática, os burgueses querem dizer com isso a valorização dos terrenos para a especulação imobiliária, como os mesmos admitem em estudos e em suas mídias. Não a toa que sua inauguração se dá na década de 80, que foi uma década marcante da expansão desses setores, quando a cidade começou a conviver mais frequentemente com os prédios enormes de condomínios fechados que hoje marcam a paisagem da cidade nos bairros ricos e de classe média [1] . No entanto, após mais de 25 anos de sua criação, foi constatado que tal objetivo não foi atingido, ou pelo menos foi muito aquém do esperado. Pelo contrário, no entorno do Metrô se constituíram muitas moradias de trabalhadores de baixa renda. Tal constatação, coincide, não por acaso, com o fim de sua expansão e depois a intensificação de sua precarização.

De 2010 para frente, o Metrô da cidade não sofreu nenhuma expansão significativa. E, a partir do golpe institucional começa a sofrer uma precarização intensa. Entre 2017 e 2018, ainda no governo Temer, a CBTU sofre um corte de 42% do seu orçamento de custeio.. Dessa forma, tentam fazer o reajuste das passagens, mas acabam recuando, após o governo também prometer uma complementação orçamentária. Ou seja, se antes o serviço já tinha uma série de problemas a situação ficará ainda pior.

Após problemas no metrô, passageiros são obrigados a evacuar trem e caminhar sobre a via, colocando sua segurança em risco

A partir de 2019, com o governo Bolsonaro, a precarização aprofunda ainda mais. Primeiro, vem um maior contingenciamento de recursos. Depois, anúncios de reajustes na tarifa. O resultado foi que entre janeiro e agosto, o sistema sofreu 77 panes, 28% mais que no ano anterior. E, no final de 2019, é noticiado que se começam os estudos para a privatização das malhas operadas pela CBTU.

Desde então a situação só piorou. O orçamento total da CBTU caiu mais de 40% entre 2019 e 2021. Entre 2018 e 2022, a União liberou muito menos do que o solicitado pelo metrô Recife, mesmo com o valor solicitado caindo. Ao mesmo tempo, entre 2019 e o início de 2021, a passagem subiu 7 vezes, de 1,60 a 4,25. Neste ano, só 73 dos 93 milhões de reais solicitados foram liberados para o Metrô Recife., sendo que o mínimo valor necessário para o metrô funcionar corretamente seriam 120 milhões de reais.

A imagem mais emblemática da precarização que sofre o metrô foi o cemitério de trens na estação de Cavaleiros. Sem dinheiro para a manutenção, há inúmeros trens abandonados na estação. Acabam, muitas vezes servindo para reporem peças dos trens que quebram. No entanto, quando essas peças acabarem não terá mais de onde tirar. Dessa forma, o sistema atualmente está atuando com a menor quantidade de trens desde sua inauguração, em 1985, quando a malha era muito menor.

O resultado é conhecido dos Recifenses: intervalos altíssimos, trens lotados, cadeiras e ar-condicionado quebrados, problemas diários nos trens que interrompem as viagens e panes cotidianas no sistema. Até hoje, o sistema de sinalização e de controle de tráfego não abrange boa parte da linha, o que já causou acidentes. Frente a um episódio onde o metrô teve de ser evacuado às pressas após sentirem fumaça, houve inclusive protestos em Camaragibe. A qualidade do serviço caiu tanto, que o número de passageiros, após ter atingido um pico por volta de 2015 – por volta de 400 mil por dia – agora vê esse número reduzido pela metade. Para piorar a situação, durante a pandemia diminuíram o número de trens e limitaram os horários, o que não apenas piorou o serviço, como funcionou como um centro de contaminação.

Ao mesmo tempo, a mídia burguesa local está em franca campanha pela privatização do sistema, alegando que seria a única forma de salvar o sistema, criticando a oposição dos metroviários a privatização seria algo para defender seus interesses corporativos. Nada mais longe da verdade, como mostraremos à frente. Em maio, foi decidido o plano para privatizar o metrô do Recife: o sistema seria estadualizado e depois entregue à concessão privada. No início, o governador Paulo Câmara apoiou a proposta, mas depois recuou frente a uma ameaça de greve.

As privatizações dos trens e metrô deram certo?

Um dos grandes argumentos dos grandes meios midiáticos para defender a privatização seria que esta aumentaria a eficiência e poderia fornecer um serviço melhor e mais barato e que isso inclusive permitiria a expansão do sistema. No entanto, uma rápida análise dos sistemas privados mostra totalmente o oposto.

O Rio de Janeiro é um grande exemplo, pois tanto o metrô quanto os trens são privatizados. Seu Metrô é um dos mais caros do país, custando 6,50, e muitas vezes os passageiros são obrigados a pagar uma segunda passagem para pegar ônibus ou trens. E a passagem mais alta não significa uma melhora no serviço, pois o mesmo é superlotado nos horários de pico, o que ocorreu inclusive na pandemia. A expansão da malha foi bem menor do que o previsto inicialmente e se deu com imensos atrasos. Além disso, a expansão se deu em linha ‘reta’, deixando os trens mais lotados, as viagens maiores e gerando maiores lucros para os empresários.

A SuperVia então nem se fala. Além da passagem caríssima – R$5,90 – os problemas da SuperVia não são muito diferentes do Metrô do Recife. Trens ultralotados com passageiros escorrendo pelas portas, acidentes, trens quebrando na via etc. Um exemplo claro de que a privatização não melhora o sistema, apenas enche o bolso dos empresários.

Foto: Trens da SuperVia ultralotados

Um dos exemplos tido como o grande exemplo do sucesso da privatização é a linha 4 do Metrô de São Paulo. Tal linha só atende áreas mais nobres da cidade e além disso tem uma demanda muito menor de passageiros. Apesar dos seus problemas, talvez seja mais interessante analisar a linha 5, que vai até o Capão Redondo. De novo, problemas parecidos com outros metrôs: trens lotados, problemas nos trens etc.

O Metrô de Salvador, que é gerido pela empresa CCR e já privatizado há anos, possui uma malha ainda diminuta, de apenas 33km, apesar da cidade ter um porte maior que Recife. E basta uma rápida pesquisa no Google para ver os imensos problemas do sistema.

Em que pé está a privatização do Metrô de Recife

Apesar do governo estadual ter recuado a princípio da privatização, o assunto tem voltado à tona. Um dos acontecimentos importantes foi o TCU ter aprovado a concessão do Metrô de Belo Horizonte. Ao mesmo tempo, a situação do Metrô vem se tornando cada vez pior. Com isso volta também a campanha midiática pela privatização. Se inventam grandes promessas de expansão do Metrô em caso de sua privatização, algo que vai contra todos os exemplos anteriormente citados.

Apesar disso, volta também os rumores de greves do metroviários. Após uma manobra da burocracia sindical ligada à CTB – ligada ao PCdoB, partido da vice governadora – conseguiu impedir que a greve, que era tida como certa, se desencadeasse, que exigia não apenas a retirada da proposta de privatização, mas também pautas como o a tarifa social, que podia selar uma aliança com os usuários do metrô. Frente a tentativa de privatização do Metrô de Belo Horizonte, os trabalhadores do sistema entraram em greve. Nós do Esquerda Diário apoiamos o movimento e acreditamos que essa é a única forma de derrubar de vez a privatização.

No entanto, a situação atual do Metrô de Recife mostra que a luta contra a privatização não pode parar aí. Mesmo com o Metrô sendo estatal, estamos vendo a precarização que o mesmo vem sofrendo. Isso se dá porque o Metrô do Recife sempre esteve a serviço dos interesses dos empresários, seja da especulação imobiliária, seja dos grupos interessados em abocanhá-lo com sua privatização. Para que o Metrô de Recife possar ser um serviço de qualidade e barato, e que realmente atenda os interesses da população, é necessário lutar por um metro 100% estatal sob gestão dos trabalhadores e controle da população.


[1DE ANDRADE Maurício Oliveira, ALVES MAIA Maria Leonor, « The Recife Metro – the Impact on Urban Development after 20 years », Flux, 2009/1 (n° 75), p. 57-68. DOI : 10.3917/flux.075.0057. URL : https://www.cairn.info/revue-flux1-2009-1-page-57.htm





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