×

OPINIÃO | A paciência de Janet Yellen

O lugar da palavra “paciência” nas políticas do FED. Quando o conteúdo se impõe à forma. As taxas de juros norte-americanos como expressão da tese do estancamento secular. Perspectiva incerta.

Paula BachBuenos Aires

quarta-feira 20 de maio de 2015 | 01:42

No início do ano, Janet Yellen anunciava aos “mercados” que prestaram a máxima atenção à palavra “paciência”. Quando ela e o FED (mais conhecido como Federal Reserve ou FED, é o sistema de bancos centrais dos Estados Unidos, composto por um conselho, um comitê de política monetária e 12 presidentes de bancos centrais das maiores cidades do país, além de representantes de bancos privados) retiraram do seu discurso essa expressão chave, a perspectiva era de que no máximo em seis meses o órgão aumentaria a taxa de juros. Efetivamente o vocábulo mágico foi retirado em março, e se poderia esperar a alta das taxas para junho próximo.

Porém, a videoeconomia funciona de modo limitado. A aparente autonomia dos mercados é exatamente isso, e as verdadeiras batalhas são travadas no “território” da economia real. Se no contexto da recuperação norte-americana a “comunicação” tem êxito, as palavras de Janet imprimem em parte o ritmo do movimento de capitais durante períodos de tempo, bastante extensos. Seria errôneo negar o êxito relativo desta busca milimétrica da palavra exata.

Entretanto, enquanto as formas podem acalmar por um período o mercado de capitais – tal como vem ocorrendo desde que o FED começou a utilizar uma nova técnica discursiva –, tarde ou cedo o conteúdo se imporá à forma. O que neste caso significa que apesar da retirada do “vocábulo fundamental” um manto de dúvidas encobre o prognóstico dos movimentos da taxa de juros norte-americana no próximo período.

A razão de Larry Summers

O certo é que as taxas de juros norte-americanas sãoa expressão de um dilema complexo. Representam a forma particular na qual se expressa na conjuntura a tese do estancamento secular. Larry Summers vem defendendo que sob as condições particulares posteriores à crise de 2008 o nível de taxa de juros real que permitiria alcançar o “pleno emprego” (o que os economistas estimam em 5% de desemprego) estaria abaixo do que os “mercados” ou as intervenções governamentais efetivamente podem suportar.

Dito de outra forma, considera que desde a crise de 2008 até agora a dicotomia “bolha versus estancamento” poderia não estar funcionando e é especificamente isso o que denomina como “estancamento secular”. Os Estados Unidos alcançaram no ano passado o nível mais firme de recuperação econômica desde o início da crise, com um crescimento de aproximadamente 3,3% do PIB. Segundo as – muito variáveis – previsões dos organismos internacionais, o prognóstico de crescimento para este ano estaria em 3,5%. A taxa de desemprego em cerca de 5,5% (a despeito das pertinentes discussões a respeito das verdades que estas estimativas escondem) mostra uma tendência claramente decrescente e se aproxima dos níveis prévios à crise.

Se é verdade que as consequências da contração de 2009 e a redução de custos energéticos constituem fatores explicativos fundamentais da recuperação, o processo não poderia ser revelado sem o pilar fundamental das políticas monetárias expansivas apoiadas nos programas de flexibilização quantitativa e nas taxas de juros que continuam em níveis mínimos históricos.

Num contexto de crescimento frágil do consumo, investimento e produtividade – como problemas de grande importância intensificados a partir de 2008 –, a situação se traduz na combinação de um nível de desemprego tendente à “taxa natural” com índices de alta das bolsas de valores muito provavelmente insustentáveis ao menos no médio ou longo prazo.

Para ter uma ideia. O índice das ações tecnológicas dos Estados Unidos, denominado Nasdaq, voltou a alcançar – há pouco, e depois de 15 anos – o valor máximo alcançado em 2000, prévio à crise de 2001. Por sua vez, o valor médio das empresas que integram este índice é de 2,95 bilhões de dólares contra 1,16 bilhão antes da explosão da bolha em 2001.

O índice S&P 500, que representa as 500 empresas mais importantes cotadas na Nasdaq, superou amplamente seus máximos históricos, e o índice Dow Jones ultrapassou há dois anos o máximo alcançado antes do início da crise financeira em 2007. O fato de que estes três índices já estejam em valores recordes é o elemento chave que impõe ao FED a necessidade de elevar as taxas de juros por receio de um estouro futuro.

Incerteza

Mas a questão é que, como mencionamos, as baixas taxas de juros constituem um pilar central da recuperação norte-americana, que por sua vez está afetada por outros lados. De um lado, pelo fortalecimento do dólar como subproduto da própria recuperação dos Estados Unidos – exacerbado pela desvalorização do euro – reduz as exportações e incrementa as importações, afetando diretamente a economia. Trata-se de um fator que, deduzindo contraditoriamente de sua fortaleza, afeta os Estados Unidos da mesma maneira que prejudica a debilidade da economia mundial. De outro lado, a queda internacional dos preços do petróleo já está afetando os custosos investimentos norte-americanos no shale oil (xisto).

A esta combinação de fatores se agregam condições climáticas desfavoráveis, e os índices de conjunto da economia estão perdendo impulso. Ainda mais neste contexto, é provável que um aumento das taxas de juros (salvo que fosse muito moderado) estimule os efeitos negativos do dólar forte sobre a economia dos Estados Unidos, com uma intensificação do fluxo de capitais associado a uma maior queda do preço das matérias primas e uma crescente debilidade e instabilidade no mundo “periférico”.

Crescem os rumores de que o incremento das taxas poderia ser postergado inclusive para depois de 2015. Há que aguardar as mensagens cifradas da próxima reunião de junho. Enquanto isso, a atualidade da tese de Summers parece estar alterando a paciência de Janet, que, dizem, estaria se tornando bipolar.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias