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TRIBUNA ABERTA | A luta por transporte público em Araraquara

TRIBUNA ABERTA: Narrativa enviada ao Esquerda Diário sobre a luta por transporte público, contra o processo de privatização, em 2013 em Araraquara.

segunda-feira 29 de agosto de 2016 | Edição do dia

No inicio de 2013 foi anunciado em Araraquara a previsão de alienar o patrimônio físico da empresa pública de transporte (CTA, Companhia Troléibus de Araraquara) que operava o transporte local desde os anos 50. A medida tinha previsão de se concretizar ainda no mesmo ano, parte do processo de desagregação da empresa pública.

A decadência do que foi no passado uma referência em transporte coletivo se mistura a vários elementos do transporte local, que apresentava a exceção de ter uma empresa pública como responsável pela maior parte das linhas. Auxiliava a entender questões dos conflitos de interesse envolvendo o transporte coletivo como o todo. Entre eles, a CTA operou o transporte na cidade por mais de 50 anos sem nenhum centavo de subsídio da prefeitura local. Após sua criação, era mantida apenas pelos recursos das passagens pagas pelo usuário. Ao mesmo tempo conseguia oferecer uma passagem com preço até mesmo mais barato que outros municípios que recebem um subsídio pesado, como a vizinha São Carlos. Em Campinas por exemplo as empresas de transporte recebem cerca de 100 milhões de reais de subsídio por ano, e cobram uma passagem de R$3,80. A tarifa cobrada pela empresa pública nas últimas linhas que rodou giravam em torno de uma passagem de R$3,20.

As políticas públicas locais porém seguidamente prejudicavam a empresa pública de transporte e favoreciam as operadoras privadas. A elas eram dadas todas as transferências federais para custear transporte escolar (por ano, a operadora privada recebia um valor de transferências federais de cerca de 20 milhões de reais – quase o mesmo valor de todo o patrimônio da CTA, valor suficiente para comprar 60 ônibus novos e renovar quase que por completo a frota de ônibus locais). Operadoras privadas ficavam com a exclusividade das melhores linhas da zona norte(com maior índices de passageiros por quilômetros – IPK), e eram subsidiadas indiretamente pela CTA através do sistema de integração da cidade que não previa compensação entre as empresas pelas trocas de passageiros.

Houve um processo de resistência a liquidação do patrimônio da empresa anunciado em 2013. As lutas envolveram uma parte dos dos 600 funcionários da empresa, estudantes universitários, secundaristas, parte dos demais usuários de ônibus e sindicalistas da região. A luta contra o fim da empresa acabou na região se mesclando as jornadas de Junho de 2013, que fortaleceram a frente em defesa do transporte coletivo local. O processo de luta prosseguiu e conseguiu resistir durante alguns anos a condução que se procurava dar para o fim da empresa pública, e a supressão dos empregos de seus funcionários. Os poderes permaneceram alinhadas pela condução ao fim da empresa pública. Nem mesmo o vazamento de uma auditoria do transporte envolvendo empresários e políticos locais defensores da privatização levou a algum tipo de ação do judiciário ou legislativo contra o processo. O processo foi conduzido pelo governo do PMDB local com acessória de consultores técnicos ligados ao então ministro do governo Dilma. E sob a inação da bancada de “oposição” municipal do PT, que num primeiro momento defenderam a alienação do patrimônio imobiliário da empresa e depois se recusaram a aceitar os muitos pedidos de investigação na direção da empresa solicitados por movimentos sociais e funcionários.

Ao longo do período se registraram grandes movimentos de rua construídos junto aos servidores municipais, protestos nos bairros contra os aumentos da passagem, manifestações nas audiências públicas destinadas a formalizar o fim das atividades da CTA e – na etapa final – paralisação parcial do transporte na cidade por conta dos funcionários, diante das promessas e garantias não cumpridas.

A ação dos sindicatos semi-patronais e agentes políticos locais – que davam garantias aos funcionários e a população que o processo não os afetaria, pois todos receberiam seus direitos e seriam reempregados pela nova empresa que melhoria o transporte – se colocou contra a movimentação. A forte repressão – que abrangeu detenções, dezenas de demissões supostamente por justa causa de funcionários que se envolviam nas mobilizações, abertura ou iminência de vários inquéritos policiais contra militantes e ameaças de perseguição e de desemprego futuro aos trabalhadores – também contribuiu para enfraquecê-la, semeando dúvidas, temores e dividindo os funcionários e usuários de transporte.

Após uma audiência pública feita em pleno dia útil e horário comercial, e encerrada precocemente sobre tumulto generalizado e prisões arbitrárias, formalizou-se o fim das atividades da CTA e a terceirização do transporte na cidade. O novo consórcio iniciou a operar as primeiras linhas em regime de transição em 2016, com o novo modelo tendo seus primeiros dias marcados por caos generalizado no transporte da cidade.

Os funcionários das linhas da CTA ainda em operação paralisaram a circulação, como sinal de revolta ante os atrasos constantes de pagamentos e benefícios e pelo desgaste das garantias não cumpridas. Ao mesmo tempo os ônibus das linhas já nas mãos do consórcio vagaram a esmo pela cidade, com os passageiros tendo que ensinar as rotas aos motoristas novos. Os antigos motoristas da CTA em grande parte não foram recontratados, entre outros motivos por não aceitarem os salários mais reduzidos pagos pela nova empresa e a acumularem as funções de cobradores. Tendo que trazer as pressas novos motoristas de outras cidades que pela crise e desemprego aceitaram tanto os salários menores quanto acumular a função de cobradores, não houve preocupação em dar a eles um treinamento anterior que os preparasse para a função que iriam exercer

Reproduzimos aqui a nota soltada pela frente em defesa do transporte coletivo local, “Transporte Justo-Araraquara”, soltada no desfecho deste conjunto de processos que deram fim a empresa pública de transporte local.

AOS FUNCIONÁRIOS DA CTA – MUITO OBRIGADO, POR TUDO

"Mais de 50 anos depois, hoje é o dia da última viagem para muitos ônibus de linhas da CTA . Vão entrar na garagem na Fonte Luminosa esta noite para não mais sair. E muitos funcionários vão deixar o antigo prédio hoje para não mais voltar. E das lembranças da vida e trabalho que foram deixadas ali por cada trabalhador.

Dos motoristas e cobradores que tinham que suportar o desgaste dos ônibus quebrados e a revolta e incompreensão de uma parte dos passageiros, que na correria do dia-a-dia não conseguiam parar para ver que os funcionários não eram os responsáveis pela destruição do transporte na cidade.

Do pessoal da garagem e almoxarifado que faziam milagres para manter os ônibus funcionando sem peças de reposição e suporte, com intermináveis e desgastantes horas extras nos fins de semana.

Do pessoal do administrativo e jurídico que tinha que se desdobrar para no meio da bagunça que caía sobre eles achar um jeito de manter as coisas minimamente funcionais. E as vezes sendo mal compreendidos por alguns de seus próprios colegas de outras áreas, que nos sofrimentos e dificuldades do cotidiano não podiam ver que o pessoal do prédio não tinha autonomia de decisão em relação aos desmandos e descontrole das finanças da CTA.

Ao esforço de todos que trabalhavam e entregaram e construíram ali parte de sua vida de terem que suportar as zombarias e ironia diário dos responsáveis por destruir os frutos de várias vidas e gerações de trabalho e dedicação. De devastarem todo o patrimônio material e imaterial que estava naquelas paredes, pátios, ônibus e lembranças. Da repulsa as pessoas sem pudores e de costas quentes que a justiça e as leis parece ser apenas um detalhe, mas cujos malfeitos vão ser lembrados e sentidos por muito tempo. Da repulsa do alinhamento dos vários poderes que blindaram quem trabalhou contra o interesse da população, e jogaram todo o peso contra aqueles que se levantaram e resistiram.

Fica a gratidão a todos que dispuseram-se a se colocar em movimento para tentar resistir a morte intencional imposta a empresa pública, mesmo apesar de todas as dificuldades, assédios e pressões. Fica a revolta ao corpo de vereadores locais, que tinham a opção e autonomia de aceitar as muitas vezes pedidas aberturas de investigações nas diretorias dos últimos 25 anos e assim dificultar o processo de destruição em curso. E que escolheram por simplesmente observar a CTA ser aniquilada, ou emitir notas dizendo ser contra mas não fazendo nada de concreto no seu alcance a respeito.

Fica o espanto e incredulidade de muitos de ter visto a justiça ignorar os muitos pedidos e solicitações dos trabalhadores alertando dos problemas em curso. E ainda ver alguns dos seus agentes responderem a elas dizendo que o aniquilamento da CTA era um bem ao interesse coletivo que a administração local promovia.

Fica a tristeza de ver que as garantias tantas vezes feitas que a maioria dos funcionários receberiam seus direitos de uma vez e seriam reempregados na nova empresa não se cumpriu, estando agora com poucas perspectivas no meio de uma grave crise de agravamento do desemprego. O desejo que um dia todos que com suas mentiras, traições, omissões e perseguições de algum jeito paguem por tudo que fizeram.

Fica a esperança que os laços formados no processo de resistência a destruição da CTA possam ser usados para outras e necessárias lutas de hoje e no futuro. Que possam fortalecer e dar energias para resistir as avassaladoras tempestades que já se desenham no horizonte e começam a se abater.

E – principalmente – fica o agradecimento para os funcionários que, apesar de tudo, continuaram até o fim fazendo o possível e impossível nos seus caminhos para manter o transporte da cidade e a CTA minimamente rodando. Por carregarem em seus bancos e seus corredores, nossos sonhos e nossa luta diária de trabalho e vida.

Muito obrigado, por tudo".

Balanço operacional da CTA, entre 2007 e 2013. Observa-se a queda brusca registrada nos anos que antecederam a privatização e destruição da empresa. A queda brusca registrada foi motivo de vários pedidos de investigações e auditorias nas diretorias feitas por movimentos sociais ao legislativo local. Todos os pedidos foram rejeitados por consenso.

Matéria do jornal de esquerda “Araraquara Livre” de 2012, alertando para a condução do processo de privatização da empresa que se iniciaria nos anos seguintes.

Vídeos

https://www.youtube.com/watch?v=MX4WN2LaeFI – presidente da CTA declara ao ser questionado em 2013 que jamais cogitaria privatizar a empresa. Na mesma ocasião, afirmava desconhecer o que seriam os cerca de 3 milhões de reais que a empresa teria a receber no seu balanço – suficiente para renovar parcialmente a frota de ônibus da empresa com ao menos 15 ônibus novos. Coloca também não acreditar ver relação entre abordar o orçamento da empresa de transporte e discutir soluções para o transporte coletivo

https://www.youtube.com/watch?v=9o9eOJrfPrM – vídeo de manifestação contra a privatização – funcionários da CTA, estudantes e servidores públicos municipais

https://www.youtube.com/watch?v=in99HwSU3JM

https://www.youtube.com/watch?v=nLrvZfiqA9k – audiência pública que formalizaria o fim da CTA é cancelada em Agosto de 2014, com ocorrência de protestos espontâneos

https://www.youtube.com/watch?v=3Rr6Ray-EkY – segunda audiência pública que se destinaria a formalizar o fim da CTA é encerrada precocemente sob tumulto generalizado, e detenções de manifestantes (fim de 2014)

https://www.youtube.com/watch?v=f-5Vzjnvw7I – ex-presidente da CTA relata a forte pressão que sofreu (culminando em sua destituição) ao anunciar que iria buscar passar para a empresa pública as linhas de transporte mais rentáveis da cidade. Linhas em questão foram passadas com exclusividade para uma operadora privada de transporte.

https://www.youtube.com/watch?v=qSmD77nm_4k – trechos de manifestações de rua e intervenções em debates

https://www.youtube.com/watch?v=BNMEkvajP0w – ex-diretor da CTA encaminha e justifica o pedido de investigação nos últimos 25 anos de direções da empresa. Eram necessários o apoio de 6 parlamentares. Pedido é em seguida rejeitado por todos os 18 vereadores.

https://www.youtube.com/watch?v=tI4MiCGZ46w – ao final do processo e revoltados com as promessas não cumpridas e com muitos meses de atrasos de benefícios e salários atrasando, funcionários param o transporte coletivo da cidade. Caos no terminal de integração no primeiro dia de operação do consórcio. Presidente da CTA deixa o terminal sob escolta policial.

Matérias e Textos

http://negrobelchior.cartacapital.com.br/sobre-a-privatizacao-da-companhia-trolebus-de-araraquara-cta/ - CTA, uma das últimas empresas públicas de transporte, pode ser privatizada (Coluna Douglas Belchior, Carta Capital) – história dos transportes e dos movimentos contra

http://negrobelchior.cartacapital.com.br/mais-um-relato-do-coletivo-transporte-justo-de-araraquara-cta-pode-estar-virando-desmanche-de-onibus/ - “CTA pode virar desmanche de ônibus” (Coluna Douglas Belchior, Carta Capital)

http://negrobelchior.cartacapital.com.br/politicos-e-empresarios-envolvidos-no-escandalo-dos-transportes-em-araraquara-sp/ - Auditoria do Transporte Vaza e Envolve Empresários e Políticos de Araraquara




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