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CORONAVÍRUS | A infância em tempos do corona

Estamos em um momento histórico de crise internacional no qual o coronavírus vem exemplificando os problemas estruturais do capitalismo que sobrevive de crise em crise. É de última importância pensar no que esse isolamento e esse controle acarretam nos adultos, em especial na classe trabalhadora, mas também refletir sobre a situação da infância nesse contexto.

quinta-feira 2 de abril de 2020 | Edição do dia

Estamos em um momento histórico de crise internacional no qual o coronavírus vem exemplificando os problemas estruturais do capitalismo que sobrevive de crise em crise. Diante desse cenário, milhões de pessoas no mundo inteiro se encontram isoladas por conta de medidas tomadas pelos governos de maneira autoritária. Ao mesmo tempo em que essas medidas revelam uma negligência à vida das pessoas que não têm acesso aos testes, atendimento nos hospitais onde faltam leitos, e materiais adequados de prevenção do contágio e que muitas vezes são obrigadas a trabalhar nessas circunstâncias, revelam também a manutenção da ganância e do lucro em detrimento da liberdade das pessoas sob seus corpos, através da morte e da doença.

É de última importância pensar no que esse isolamento e esse controle acarretam nos adultos, em especial na classe trabalhadora, mas também refletir sobre a situação da infância nesse contexto.

O toque é peça chave para o aprendizado da criança na constituição da sua subjetividade e identidade. O tato é o sentido que permite a percepção do corpo e a restrição disso é a restrição de uma noção do “eu” no espaço. Diferenciar superfícies e sensações faz parte da mente da criança e é a assim que acontece o amadurecimento dos seus processo cognitivos-afetivos, entendendo-se como sujeito ativo de um mundo em constante transformação.

Na infância a criança se situa na realidade permeando-se de afeto e, assim, estabelecendo relações sociais, é aí que a relação indivíduo x espaço se requinta. A partir disso, como pensar no cultivo do afeto e da percepção de uma criança em tempos de corona? Qual a forma adequada de lidar com o cancelamento das atividades escolares, considerando que é no ambiente escolar onde acontecem a maioria das trocas entre crianças e crianças, estabelecendo laços?

Essas trocas são resultado da interação da criança com o diferente. Com início na noção do que é estrangeiro ao “eu” se forma a consciência de si próprio. A alteridade é condição da identidade e deve ser preservada mesmo em quarentena, sem acesso à escola, à rua ou à cidade, onde há maior interação com a diferença. A inevitável mudança na rotina infantil que causa essa nova configuração de vida meio a uma pandemia gera perguntas.

As respostas que nós adultos damos às crianças nunca podem encarar a questão de forma individualizada como tem sugerido o governo Bolsonaro. Ao contrário: devem suscitar a noção de coletividade nas crianças, pois problemas de origem social como os que se apresentam com o coronavírus só podem ser resolvidos pela articulação coletiva. Ou seja, precisamos traduzir para um formato infantil esse pertencimento à sociedade e a importância da produção hoje estar a serviço das demandas populares. E, ainda, a urgência dos trabalhadores tomarem a frente do combate à pandemia produzindo por exemplo mais respiradores, materiais de prevenção de contágio, teste para todos, EPI e outros materiais que auxiliem nessa luta.

Questões como desemprego, fome, problemas sanitários, de assistência médica, vem à tona no contexto de coronavírus que o Estado não tem resolvido: suas mazelas cada vez mais estão escancaradas e esconder isso das crianças, que certamente o tem percebido, não as prepara para lidar com as frustrações que vão encontrar no seu crescimento. Silenciar-se mesmo diante de todos esses fatos é legitimar uma lógica de individualização dos problemas essenciais que vêm se apresentando, lógica essa que é estratégica para a perpetuação do controle que o Estado tem sob os corpos. Educar uma criança que esteja consciente dessa lógica, mesmo que em uma perspectiva infantil, é criar um sujeito que acessa a realidade e, assim, tem os recursos necessários para questioná-la e se ativar politicamente.

A sociedade ainda tem muito o que aprender com a perspectiva infantil, e quanto mais cedo tomarmos consciência disso, mais completas vão ser as trocas entre pais e filhos, professores e alunos, acrescentando aprendizado para ambos os lados. Ouvir as crianças para além do que nos cabe, teoricamente, na rotina, é um exercício que deve ser praticado com mais frequência e que abre caminhos diferentes e inimagináveis de encarar a realidade e seus (nossos) problemas.




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