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Guerra na Ucrânia | A guerra, o petróleo venezuelano e a moral dupla do imperialismo estadunidense

Ocorreu no último fim de semana um encontro entre representantes de alto nível da administração Biden com o governo de Maduro em Caracas. O objetivo imediato seria um acordo energético com a Venezuela, após as sanções dos EUA contra a Rússia e um provável embargo petroleiro total. Tudo ocorreu sob um forte hermetismo.

terça-feira 8 de março de 2022 | Edição do dia

Funcionários de alto escalão do governo dos Estados Unidos se reuniram com membros do governo de Maduro, em Caracas, para discutir sobre o abastecimento mundial de petróleo, segundo o The New York Times. É a primeira reunião nesse nível em muito tempo, com representantes da Casa Branca e do Departamento de Estado, e estaria encabeçada pelo principal diretor do Conselho Nacional de Segurança para o Hemisfério Ocidental dos EUA, Juan González, e o embaixador dos EUA na Venezuela com sede na Colômbia, James Story, segundo diversos meios.

Embora o conteúdo do encontro não deixe de ter uma forte dose de especulação pelo secretismo sobre o discutido, já que oficialmente não saiu nada público de nenhuma das partes envolvidas a não ser pela confirmação da Casa Branca e do governo Maduro, o que se conhece é o que vazou pelos meios midiáticos.

A Casa Branca confirmou na segunda-feira a viagem de uma delegação de alto escalão à Caracas no fim de semana, para ter um encontro com o governo venezuelano sobre “segurança energética”, em meio à escalada de preços do petróleo pela invasão russa à Ucrânia. Isso foi indicado em coletiva de imprensa por Jen Psaki, porta-voz da administração Biden, ao ser perguntada sobre as conversações diretas entre Washington e Caracas.

O propósito da viagem [à Venezuela] era discutir diferentes temas, entre eles de início a segurança energética”, destacou a porta-voz presidencial. Psaki remarcou que as discussões com membros do governo Venezuelano “ocorreram nos últimos dias” e destacou que “continuam”. Inclusive, afirmou que trataram da situação dos seis ex-diretores da Citgo (filial nos Estados Unidos da PDVSA), cinco dos quais são cidadãos estadunidenses e um residente permanente, atualmente preso em Caracas. Fora isso, não deu nenhum detalhe sobre as conversas. O hermetismo segue.

Também na noite de segunda-feira, o próprio Maduro fez um comunicado. “Tivemos uma reunião, eu poderia qualificar de respeitosa, cordial, muito diplomática (...) Nela estavam as bandeiras dos Estados Unidos e da Venezuela, e se encontravam muito bonitas, unidas como devem estar”, declarava de bom grado desde o Palácio de Miraflores, indicando uma coletiva de imprensa sobre os acordos alcançados nessa reunião para os próximos dias.

Ainda que não tenha antecipado nada do conversado, indicou que “conseguiu se estabelecer uma agenda com temas de interesse bilateral” e insinuou que a Venezuela está pronta para atender a demanda energética mundial, dizendo que a “Venezuela sempre vai estar à frente das iniciativas para estabilizar o mercado petroleiro”, afirmações que cheiram a negociações com Washington. Ao mesmo tempo, informou que se desembaraça o processo de negociação instalado no México com a oposição, algo que soa também como desdobramento das conversas com os representantes estadunidenses.

Que a reunião de fato tenha ocorrido e que sigam em curso as conversações também foi informado pelo El País, do Estado Espanhol, destacando que fontes com acesso à embaixada dos Estados Unidos (da Venezuela, mas localizada em Bogotá) haviam confirmado a visita oficial, embora só indicasse que o objetivo da delegação seria discutir a possível liberação de presos estadunidenses na Venezuela.

Justo na semana passada, Maduro declarou que pode fornecer gás e petróleo aos EUA e que a Venezuela tem a capacidade de aumentar a produção de um milhão de barris diários para 3 em “pouco tempo”. Disse também estar aberto a investidores de todo o mundo para produzi-lo e comprá-lo, “venham de onde vierem”. Foi assim que poucos dias após o pronunciamento de Maduro, o New York Times publicava sobre a presença da delegação estadunidense em Caracas para discutir com o governo venezuelano uma nova relação comercial, após anos de tensões.

A visita no fim de semana coincide com um esforço da administração Biden para reunir outras fontes de energia depois que a onda de sanções financeiras impostas à Rússia limitou o abastecimento. Os preços do crude dispararam, estendendo uma forte alta de uma semana, depois que o secretário de Estado, Antony Blinken, comunicou no domingo que os EUA e seus aliados europeus estão discutindo a possibilidade de um embargo total sobre o petróleo russo como “castigo” por sua invasão à Ucrânia. Assim, Biden estaria avaliando flexibilizar as sanções petrolíferas impostas à Venezuela em uma tentativa de fazer com que mais petróleo venezuelano volte aos mercados globais, informou também o The Wall Street Journal, dos EUA.

É de se enfatizar que as sanções impostas pelos Estados Unidos são uma arma miserável que busca estrangular ainda mais a economia do país para gerar, por essa via, uma mudança forçosa de governo favorável aos Estados Unidos. E como já chegaram a reconhecer figuras do establishment político estadunidense, um de seus objetivos explícitos é causar maiores penúrias ao povo para gerar maior pressão social pela mudança de governo que os EUA desejam.

Como vemos, a guerra atinge toda a situação política, econômica e social, como já se viu com as sanções dos Estados Unidos e dos países da OTAN contra a Rússia, levando a um aumento dos preços internacionais das matérias primas e dos combustíveis, que afetará principalmente os países mais pobres do mundo, essencialmente os dependentes de todos esses produtos, enquanto que outros países provedores desses commodities provavelmente buscarão tirar uma vantagem deles. Porém, as sanções de conjunto contra a Rússia impõem aos países imperialistas buscar outras fontes de abastecimento.

O governo Biden prometeu que sua população não iria sofrer com a inflação dos combustíveis, alimentos, etc., mas a alta dos preços dos combustíveis é uma realidade. Seu encontro com o governo de Maduro é guiado por uma tentativa pragmática de resolver algumas questões de necessidades econômicas, pois, quando precisam de algo para seus próprios interesses, não há problema em renegociar, mudando todos os supostos “princípios” de que tanto falam cinicamente.

Sentar-se com Maduro contradiz o discurso das últimas três administrações estadunidenses, sobretudo desde Trump, ao deslegitimarem o governo de Maduro e reconhecerem o show de marionetes de Guaidó, buscando impor-lo pela força como presidente da Venezuela em todo um movimento golpista durante 2019. Vêm à Venezuela e falam com Maduro, não com Guaidó, que provavelmente até ficou inteirado do encontro pelas redes sociais.

O governo de Maduro sempre utilizou o discurso de que as sanções eram a causa da brutal crise econômica e social, quando na verdade esta começou muito antes, quando decidiu, a partir de 2014, esvaziar as reservas do Estado para pagar uma dívida externa fraudulenta no momento em que os preços do petróleo despencaram, enquanto outra sangria acontecia pela fuga de capitais. A isso se somaram, com o passar dos anos, outra série de medidas impopulares. Tanto a catástrofe econômica, como o seguinte agravamento com a imposição das sanções, terminaram sendo sentidos pelos trabalhadores e o povo. O ataque levado a cabo contra os trabalhadores tem sido brutal, com políticas abertamente neoliberais e até encarceramento de ativistas operários que se opõem a suas medidas contra os trabalhadores.

A economia venezuelana agora mostra sinais de certa recuperação, embora, como temos afirmado, assentada sobre esses brutais ataques à classe trabalhadora, uma mão de obra semi-escrava, a destruição de todos os acordos coletivos e medidas do pior corte neoliberal, deixando a grande maioria da população na pobreza extrema. Sobre essa base é que a economia teria crescido pela primeira vez em sete anos, ou melhor dizendo, deixado de refletir indicadores negativos tão baixos, e a produção de petróleo começou a se recuperar em 2021, após ter tocado níveis de produção da década de 30 do século passado.

Embora a atual produção petrolífera siga baixa, por volta de 800 mil barris por dia, numa Venezuela que já chegou a produção diária de 3 milhões de barris durante anos, se trata de um país que tem maiores reservas provadas que qualquer outra nação do mundo. Os Estados Unidos precisa de um abastecedor seguro e a poucos quilômetros tem a Venezuela, que pode lhe suprir do tipo de petróleo que vinha da Rússia, principalmente para a região do Golfo do México.

Para dizer a verdade, não é que com as sanções impostas pelos Estados Unidos à Venezuela tenha se cortado de fato o fornecimento de petróleo venezuelano para esse país, nem sequer paralisadas as trocas comerciais. Como parte dessa régua dupla e do descarado cinismo imperialista, cada governo dos EUA renova as exonerações de sanções às suas empresas petroleiras que operam na Venezuela, para que essas possam seguir fazendo negócios e fornecendo petróleo ao seu país de origem.

No entanto, é evidente que as sanções restringem consideravelmente as possibilidades de ampliação da atividade petroleira, tanto das próprias transnacionais privadas no país, como da própria PDVSA (que em geral está associada à elas). Toda uma série de sanções impostas que proíbem ou restringem a negociação de crédito, reestruturação de dívidas, importação e exportação de determinados produtos, retém capitais do país, ameaçam com retaliações às empresas ou bancos que negociem com a PDVSA ou empresas estatais, etc.

Parte disso é o que o imperialismo estadunidense parece estar disposto a negociar, para aliviar os problemas concretos que podem lhe trazer a nova situação criada com a invasão da Rússia à Ucrânia e as sanções que os imperialistas do ocidente vêm impondo.

Essas negociações e seus limites ainda estão por conhecer. Acompanhamos como a guerra mexe com tudo, com Washington em um giro político pragmático e justo quando Maduro vem operando nesse sentido, com suas políticas brutais contra o povo e que já vinham dando sinais de diálogo com o poderoso país do norte.




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