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A crise do regime libanês e a hipocrisia do imperialista Macron

Depois da catástrofe que atingiu a capital libanesa, Macron se apressou em viajar para dar seu apoio, uma hipocrisia por parte do representante da potência imperialista francesa, da qual o Líbano foi colônia.A verdadeira luta contra o regime corrupto do Líbano é também uma luta pela autodeterminação do povo libanês contra o imperialismo.

segunda-feira 10 de agosto de 2020 | Edição do dia

Os trágicos acontecimentos em Beirute ocorrem em uma situação de instabilidade do regime. Quase um ano se passou desde que os trabalhadores, mulheres e jovens libaneses estiveram na vanguarda de um poderoso movimento de luta de classes contra as políticas neoliberais do governo e de todo o sistema político.Em um artigo publicado em nossas colunas em novembro passado, Joseph Daher, um ativista anticapitalista suíço-sírio e acadêmico especializado no Oriente Médio e Norte da África, analisou o caráter excepcional do movimento e seu potencial: “A amplitude e a profundidade dos protestos populares atuais superam em muito os anteriores. Os protestos explodiram não apenas na capital Beirute, mas também em todo o país: Trípoli, Nabatiyeh, Tiro, Baalbeck, Zouk, Saida e outros. No domingo, 20 de outubro, cerca de 1,2 milhão de pessoas se reuniram em Beirute, e pouco mais de 2 milhões de pessoas se manifestaram por todo o país, em um país de 6 milhões de pessoas [...] A composição social do movimento distingue-se de movimentos de protesto anteriores: está muito mais ancorado na classe trabalhadora e popular do que as manifestações de 2011 e 2015, nos quais as classes médias tiveram um papel mais importante. [...] Os manifestantes se mobilizaram, estão nas ruas de todo o país para denunciar os próprios fundamentos do sistema político e econômico. A seu ver, todos os partidos sectários da classe dominante são responsáveis pela deterioração de suas condições socioeconômicas ”.

Antes da explosão do porto, a crise sanitária e o confinamento agravaram a crise econômica que atinge o país e portanto as condições de vida dessas populações já muito precárias, 50% das quais vivem abaixo da linha da pobreza. O valor da libra libanesa caiu quase 80% desde setembro e, ao mesmo tempo, os preços dos bens de consumo básicos explodiram com uma inflação de quase 90%. Desde o desconfinamento.

a raiva profunda da população se manifestou em "revoltas de fome" e hoje a explosão do porto de Beirute representa uma ameaça de escassez de alimentos em todo o país. É muito claro que a população não pode mais arcar com os custos da crise. Na manhã da dupla explosão, grupos de manifestantes também tentavam forçar a porta do Ministério da Energia para protestar contra quedas de energia e medidas de racionamento de eletricidade, às vezes de dez horas por dia.

Macron diz querer ajudar os libaneses

Neste contexto de profunda crise, Macron afirma querer apoiar a população libanesa em nome da França. Embora o hospitais já estivessem sobrecarregados pela crise de saúde resultante da pandemia, eles estão em grande parte saturados após as explosões, sem condições de cuidar de todos os feridos. Mais uma vez, é o resultado de vários anos de políticas neoliberais que não param de destruir o hospital público, reduzindo consideravelmente seu financiamento, fechando unidades e leitos, ou seja, uma situação catastrófica que já existia no país muito antes das explosões em Beirute.

A verdade é que Macron nunca se preocupou com a situação do povo libanês, nem mesmo no auge da crise de saúde, cuja gestão foi catastrófica. Então aproveita uma onda de solidariedade mobilizando equipes de atendimento, médicos, aviões de reabastecimento de combustível, uma estrutura capaz de atender 500 feridos. Os trabalhadores, mulheres e jovens mobilizados há quase um ano contra o governo não se enganam: não é Macron quem os vai ajudar.

Os manifestantes gritam "Contra a colonização ... Revolução! Contra a ocupação ... Contra Macron ... Contra Michel Aoun ... Revolução!" Macron, seus três aviões militares e sua polícia não são bem-vindos em Beirute. A França colonizou o Líbano de 1920 a 1943, ano em que declarou sua independência. Mas a burguesia libanesa e seus sucessivos governos continuaram a depender da burguesia francesa, até o regime corrupto do atual presidente Michel Aoun, questionado pelos manifestantes, e seu primeiro-ministro que teve que renunciar 13 dias após o início das manifestações.

No vídeo, manifestantes libaneses desafiam Macron e entoam slogans pela libertação de Georges Ibrahim Abdallah, um ativista libanês pela causa palestina preso na França. Nosso apoio internacional está do lado daqueles que estão se mobilizando pela derrubada do regime corrupto do Líbano, dos manifestantes das revoltas da fome, daqueles que enfrentam a repressão do exército libanês. Estes são os mais precários e também os mais afetados pelas explosões em Beirute.

O apoio que Macron afirma levar ao Líbano não corresponde aos interesses do povo libanês, mas sim aos do imperialismo francês baseado na sua herança colonial, apoiado pelo Presidente Michel Aoun através da visita oficial. Este é o único interesse real que Macron encontra no Líbano: o saque de seus recursos e suas riquezas com a cumplicidade da burguesia libanesa.

"Ajuda” em troca de ajustes e privatizações

Macron disse que queria se reunir com líderes políticos para encontrar a forma mais favorável de sair da crise. Ele declarou que o Líbano deve realizar "reformas essenciais em setores como energia, contratos públicos, luta contra a corrupção" e que, para isso, fornecerá todo o apoio financeiro da França.

Um jornalista perguntou a Macron, "A ajuda da França vai para os libaneses ou para as instituições?" Macron responde que será uma ajuda para as necessidades das populações, para as ONGs, entre outras. Mas de que reformas ele está falando?

É necessária uma reforma do setor de energia, diz ele, porque a Companhia Nacional de Eletricidade está principalmente na origem de 40% da dívida do país, uma dívida que se acumula ano após ano que a paralisa. Segundo Macron, portanto, cabe ao governo libanês rentabilizar este setor para que não caia em dívidas tão elevadas. Para isso, Macron pretende contar com a ajuda de "organizações e empresas privadas francesas", declarou ele durante uma conferência de imprensa realizada em 6 de agosto em Beirute. Por um lado, a natureza das reformas que propõe é um suposto neoliberalismo, para privatizar o setor, ou seja, o financiamento vem de investidores privados; por outro lado, também não esconde os interesses econômicos que a França tem nela, porque pressiona para que esses investimentos sejam franceses e consequentemente para que os lucros voltem aos acionistas franceses.

Este é todo o objetivo do "Contrato de Ajuda" que ele anunciou estabelecer entre o Líbano e a França como principal parceiro, com a cooperação das Nações Unidas, do Banco Mundial e do FMI: esta ajuda internacional consistirá na liberação de empréstimos para o Líbano poder pagar suas dívidas. Assim, o Líbano poderá liderar a reforma dos “contratos públicos” que, através de sua privatização, farão os trabalhadores libaneses pagarem o custo da dívida contraída com a França, e em dobro as mulheres, os jovens, os setores populares e precários que verão seus salários reduzidos, suas jornadas de trabalho aumentadas e tudo isso em condições que só vão piorar. Portanto, a França submeteria completamente o Líbano ao seu domínio, embora fosse economicamente dependente.

Além disso, Macron confirmou durante a coletiva de imprensa a implementação de 15 milhões de euros para escolas francófonas no Líbano, bem como 2 milhões para outras escolas, com o objetivo de "educar" incutindo "cultura e liberdade" ! Quanto aos alunos, quer oferecer-lhes a possibilidade de viajarem para o estrangeiro através de um sistema de bolsas financiado por "doadores privados", no qual também se entende que a privatização de escolas e universidades está prevista para preservar o privilégio de classes dominantes.

A realidade é que por trás dos anúncios de Macron está o passado colonial da França, os alicerces do seu imperialismo: por isso nos opomos à proposta de "colocar o Líbano sob o mandato francês nos próximos 10 anos", um pedido feito através de uma petição que já reuniu mais de 50.000 assinantes, principalmente das periferias da classe média e da burguesia neoliberal libanesa. Além disso, denunciamos e rejeitamos todas as tentativas das potências imperialistas de reclamar a sua parte no conflito, conforme evidenciado pelas declarações de Angela Merkel ou do Reino Unido em apoio ao Líbano. Pelo contrário, o futuro do Líbano está nas perspectivas das massas que se mobilizam contra o regime atual e lutam por sua soberania nacional.

Diante das políticas neoliberais que o governo libanês quer implementar, consequências diretas das políticas de austeridade que os bancos vão impor, é urgente atender às necessidades da população após as explosões e, em geral, responder à crise econômica e de saúde em completa independência da França e de organizações como o Banco Mundial ou o FMI.

Em primeiro lugar, para atender a todos os feridos e como os hospitais estão saturados por falta de recursos, todo o sistema de saúde deve ser nacionalizado para que todos tenham acesso a atendimento gratuito e de qualidade. O financiamento do hospital público deve ser assegurado pelo Estado e deve corresponder às reais necessidades em termos de estruturas, materiais, etc.

Para financiar tudo isso, a dívida externa contraída com os bancos e os Estados deve deixar de ser paga, porque é ilegítima e recai sistematicamente sobre a população, apesar de o Líbano ser conhecido como um paraíso fiscal para grandes empresários que desviam bilhões para lá. Todo o sistema bancário deve ser expropriado para liberar os recursos necessários para financiar os serviços públicos no Líbano, bem como para os pequenos comerciantes que precisam de empréstimos para não se endividarem.

Finalmente, contra a corrupção de todo o sistema político e do regime libanês, pela auto-organização dos trabalhadores e das populações empobrecidas que devem decidir democraticamente sobre a vida política por si mesmos, devemos defender centralmente a luta por uma Assembleia Constituinte cujos representantes eleitos tenham mandatos revogáveis e que ganhem o salário de um trabalhador.

Macron, em diálogo com Michel Aoun, afirmou que ele deve reconquistar a confiança dos libaneses para fundar uma "nova ordem política". Mas a crise do capitalismo internacional e o desafio radical às políticas neoliberais que emergiu do movimento do colete amarelo na França e se espalhou pelo Chile, Argélia, Hong Kong, Líbano e hoje nos Estados Unidos é um um sintoma muito claro de que a hegemonia e a estabilidade dos regimes burgueses foram fortemente abaladas.




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